Reino
Unido anuncia 60 milhões de libras para ajudar países pobres a enfrentarem
mudanças climáticas
03/10/2018 10h31 Atualizado há 2 dias
Amélia Gonzalez — G1
“Está
difícil” é a expressão que mais ouço aqui no Rio de Janeiro, onde vivo e
circulo entre Centro e Zona Sul diariamente, dos motoristas de ônibus, de táxi,
no Metrô, das pessoas na padaria, no supermercado. Existe um sentimento meio
confuso, de cansaço de tanta polarização, da crise que não se acaba nunca, e de
um quadro político tão instável. “O que vai ser deste país?”, perguntou-me
ontem cedo uma senhora a quem respondi, com convicção: “É melhor que a gente
cuide da própria saúde para enfrentar, seja o que vier”.
Respondo
desta maneira quase otimista, mas eu também já vou me cansando.
Por isso
quero reservar este espaço para dar notícias que possam trazer alguma esperança
de debates mais avançados do que estes que estamos vivendo aqui no Brasil. Há
um forte movimento que move as pessoas no sentido de perceber a vida com as
mudanças climáticas que já se impõem para muitos como calamidade, e é disto que
se está tratando.
Durante a Assembleia Geral da ONU, que acabou ontem, o governo do
Reino Unido comprometeu-se a compartilhar seus conhecimentos e ajudar os países
em desenvolvimento a enfrentar o problema global da mudança climática. Theresa
May, a primeira-ministra, foi uma dos 77 chefes de Estado, cinco
vice-presidentes, 44 chefes de governo, quatro vice-primeiros-ministros, 54
ministros, um vice-ministro e oito presidentes de delegação que subiu ao pódio
durante os seis dias da reunião em Nova York. E trouxe a boa nova: 60 milhões
de libras serão empregadas com este objetivo.
Não é pouca
coisa. Os países pobres vêm tentando a solidariedade dos ricos há muito tempo,
desde o início dos debates sobre as mudanças climáticas. Eles se acham
merecedores deste benefício e têm, para isso, uma justificativa que parece
simples de entender para quem está distante das negociações internacionais. É
que eles estão no fim da fila dos países mais poluidores, justamente por não
terem uma economia fortemente industrializada Desta forma, acham mais do que
justo que os países ricos, que emitem mais carbono na atmosfera, ajudem,
transferindo tecnologia para que eles possam tentar se livrar das mazelas
causadas pelo aquecimento global.
Parece
simples, mas não é. Porque os países ricos, pelo menos até bem pouco tempo,
tinham um discurso bem forte, entendendo que os países pobres, de verdade, sempre
se beneficiaram da tecnologia deles. E que os ricos só puderam desenvolver tais
tecnologias com as emissões de gases poluentes.
Vou fazer o
jogo do contente, porque estamos precisando dele. E vou imaginar que estão
dando certo os movimentos da sociedade civil no sentido de pressionar os países
desenvolvidos a chegarem na próxima Conferência das Partes convocada pela ONU,
que vai se realizar na Polônia em novembro, com alguma atitude concreta para
fazer andar o Acordo de Paris, que limita o aquecimento da Terra
em até 2 graus e exige, para isso, mudanças de hábito de produção e consumo.
Claire
Perry, Ministra de Estado do Departamento de Negócios, Energia e Estratégia
Industrial do Reino Unido, elogiou o programa apresentado por May. E disse que
este dinheiro pode vir a ser o impulso que os países pobres precisam para
começar seus próprios movimentos em direção a um “crescimento limpo,
construindo economias adequadas para o futuro".
Neste
ponto, caros leitores, permito uma reflexão auxiliada pelo economista norueguês
Erik Reinert, especialista em economia de desenvolvimento e história econômica,
autor de “Como os países ricos ficaram ricos ... e por que os países pobres
continuam pobres”, editado pelo Instituto Celso Furtado, que ocupa um lugar de
destaque na minha estante.
Reinert
dedica um capítulo a reflexões sobre os Objetivos do Milênio, que agora se
chamam Objetivos do Desenvolvimento
Sustentável (ODS) que, para ele, é uma espécie de “economia paliativa”.
“A busca
dos Objetivos do Milênio parece indicar que as instituições das Nações Unidas,
após várias ‘décadas de desenvolvimento’ fracassadas, abandonaram o esforço
para tratar as causas da pobreza e se concentraram em atacar os sintomas. Uma
novidade na abordagem dos Objetivos do Milênio é a ênfase no financiamento
estrangeiro de políticas sociais no lugar do financiamento interno dos próprios
países em desenvolvimento. A ajuda humanitária, que em geral era de natureza
temporária, agora se torna mais permanente... Isso levanta a questão a questão
de até que ponto essa abordagem colocará grande número de nações
permanentemente na ‘fila da assistência social’, num sistema semelhante ao
‘colonialismo de bem-estar social’”, escreve Reneirt.
Sugiro a
leitura deste livro a quem se interessa por uma visão macro da economia,
fazendo uma necessária revisão histórica do que, de fato, veio acontecendo para
que a desigualdade que se tem hoje no mundo, quando oito homens têm a mesma
riqueza que metade da população global, segundo o último
relatório da Oxfam sobre desigualdade.
Mas,
seguindo o jogo do contente, na sequência de notícias sobre mudanças climáticas
que chegam do lado de cima da linha do Equador, temos mais: o Reino Unido
também se unirá à Carbon Neutrality Coalition. Trata-se de uma declaração que o
presidente francês Emmanuel Macron conseguiu que 16 países ricos assinassem no
segundo aniversário do Acordo de Paris. A meta destas nações, bem ambiciosa, é
a descarbonização da União Europeia até 2050.
O bom disso
é que a reflexão feita na esteira desta iniciativa aponta para uma preocupação
com os países menos favorecidos. É o que se entende com a declaração de Penny
Mordaunt, Secretária
de Desenvolvimento Internacional:
“Quando a
seca atinge os países em desenvolvimento, as comunidades mais vulneráveis são
as mais afetadas pelos danos causados ao gado e às colheitas. Eu testemunhei no
começo do ano, no norte do Quênia, como o apoio rápido do Reino Unido e de
nossos parceiros ajudou as famílias, que de outra forma correriam o risco de
mergulhar mais fundo na pobreza ”.
Seguindo as
reflexões de Reinert, no entanto, o ideal será conseguir um equilíbrio entre
esta economia paliativa e a economia de desenvolvimento, que seria “mudar
radicalmente as estruturas produtivas dos países pobres”.
Sigamos refletindo.