ONU
Meio Ambiente espera que países adotem ação climática com base
científica e façam compromissos voluntários; agência alerta sobre perda
de espécies, em taxas mil vezes maior, do que em qualquer momento da
história.
O
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, ONU Meio Ambiente,
considera a Conferência da ONU sobre Oceanos de Lisboa um dos
eventos-chave marcados para 2020.
A agência vê os próximos 365 dias como “super ano” para o meio
ambiente, porque os maiores encontros internacionais “definirão o tom e a
agenda da ação ambiental na próxima década”.
Meta da Conferência da ONU sobre Oceanos de Lisboa é
apoiar a implementação do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número
14, sobre a Vida na Água. Foto: Saeed Rashid
Ação
O evento, marcado para 2 junho, na capital de Portugal, reúne
representantes de governos, ONGs, sociedade civil, academia, comunidade
científica, setor privado e filantropia.
A Conferência sobre Oceanos, coorganizada por Portugal e Quênia, deve
adotar uma declaração intergovernamental sobre a ação climática com
base na ciência e vários compromissos voluntários dos países. A meta é
apoiar a implementação do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número
14, sobre a Vida na Água.
Esta será a segunda reunião global após o evento de Nova Iorque em 2017.
Conservação
Ainda em 2020, durante 11 e 19 junho, a França abrigará o Congresso
Mundial da União Internacional para Conservação da Natureza em Marselha.
Já a Semana Mundial da Água destacará ciência e inovação, de 22 a 28 de agosto em Estocolmo, na Suécia.
A ênfase global na ação em prol da natureza também marcará o primeiro
dia dos Debates de Alto Nível da 75ª Sessão da Assembleia Geral das
Nações Unidas, juntando líderes globais numa cúpula sobre a
biodiversidade. Em 27 de setembro, a ONU celebra os cinco anos do
lançamento dos ODSs.
Unicef/Fati Abubakar
Semana Mundial da Água destacará ciência e inovação, de 22 a 28 de agosto em Estocolmo, na Suécia.
Alarme
E os eventos seguirão em outubro na cidade chinesa de Kunming, que
recebe entre 5 e 10 de outubro a Conferência da ONU sobre
Biodiversidade.
A comunidade internacional voltará a encontrar-se entre 9 e 20 de
novembro na cidade escocesa de Glasgow na Conferência da
Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, COP26.
A ONU Meio Ambiente lembra que uma das marcas de 2019 foram os apelos
repetidos de cientistas sobre a degradação da biodiversidade e a
emergência climática.
Extinção
A agência da ONU destaca que grande parte dos governos reconhece que o
mundo enfrenta uma crise ambiental sem precedentes, com muitas espécies
à beira da extinção e o aumento das temperaturas globais.
Mesmo com soluções naturais em prol do bem-estar humano, para
enfrentar mudanças climáticas e proteger o planeta, a agência alerta
para a contínua perda de espécies a uma taxa mil vezes maior do que em
qualquer outro momento da história.
O ONU Meio Ambiente destaca a dependência humana pela estabilidade e
funcionamento de ecossistemas para sobreviver, além de ações urgentes
para que o mundo siga em direção de um futuro mais sustentável em 2020.
Índia abriga reunião sobre ‘super ano’ da natureza, que deve registrar novas espécies
BR
IISD/ENB/Sean Wu
A
13º reunião da Conferência das Partes da Convenção sobre Conservação de
Espécies Migratórias de Animais Silvestres, CMS COP13, acontece em
Gandhinagar.
Durante
a CMS COP13, 10 novas espécies devem ser adicionadas para proteção na
Convenção sobre Conservação de Espécies Migratórias de Animais
Silvestres, Cites; selos com espécies migratórias listadas nos apêndices
da CMS e da Cites serão lançados, nesta segunda-feira, em todo o mundo.
A
13º reunião da Conferência das Partes da Convenção sobre Conservação de
Espécies Migratórias de Animais Silvestres, CMS COP13, foi aberta nesta
segunda-feira, em Gandhinagar, na Índia.
O evento, que vai até 22 de fevereiro, inaugura o 'super ano' da
natureza, que incluirá uma Cúpula da ONU realizada em setembro e a
Conferência de Biodiversidade da ONU, marcada para o fim do ano. Nesta
última conferência, será adotada uma nova estratégia global de
biodiversidade para a próxima década, o Pós-2020 Quadro Global de
Biodiversidade.
Durante a CMS COP13, 10 novas espécies devem ser
adicionadas para proteção na Convenção. Entre eles, o elefante asiático.
Foto: Banco Mundial/ Curt Carnemark
Proteção
O conceito de 'conectividade ecológica' é a prioridade da CMS para o
quadro, que busca a proteção e restauração de áreas geográficas
importantes e apoia espécies migratórias durante as diferentes fases de
seus ciclos de vida, como criação e alimentação.
As deliberações na CMS COP13 se concentrarão na melhor forma de proteger as espécies migratórias num mundo em rápida mudança.
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Pnuma, destaca que
o Relatório de Avaliação Global da ONU sobre Biodiversidade, lançado em
maio de 2019, revelou que o mundo corre o risco de perder 1 milhão de
espécies para extinção se nada for feito.
2020
A vice-diretora executiva do Pnuma, Joyce Msuya, afirmou que “2020 é
um ano importante para intensificar as ações de conservação de espécies,
proteger ecossistemas e avançar para alcançar as metas de
desenvolvimento sustentável.” Ao falar sobre a CMS COP13, ela disse que
o evento acontece “em um momento crucial”.
Um novo relatório, que será divulgado no evento, indica que, apesar
de alguns exemplos bem-sucedidos, as populações da maioria das espécies
migratórias, cobertas pelo CMS, estão em declínio.
ONU/John Isaac
Populações da maioria das espécies migratórias, cobertas pelo CMS, estão em declínio.
Espécies
O Pnuma enfatiza que é necessária uma cooperação internacional para
proteger as espécies e seus habitats. Isso se reflete no tema da COP13:
As espécies migratórias conectam o planeta - juntos, recebemos elas em
casa.
Durante a CMS COP13, 10 novas espécies devem ser adicionadas para
proteção na Convenção. Entre eles, o elefante asiático, a onça-pintada e
a grande abetarda indiana, que é a mascote da COP13.
O evento também abordará questões e ameaças emergentes como a
necessidade de ferramentas de orientação e implementação para mitigar os
impactos de estradas e ferrovias em espécies migratórias e uma ação
direcionada sobre a carne selvagem aquática, incluindo espécies de
tubarões e raias.
Selo
Um conjunto especial de selos emitidos pela Administração Postal das
Nações Unidas, Unpa, em um projeto colaborativo com a Convenção sobre o
Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Extinção, Cites, será
apresentado aos delegados da CMS COP13.
Os selos, com espécies migratórias listadas nos apêndices do CMS e da
Cites, serão lançados nesta segunda-feira em todo o mundo e estarão
disponíveis na sede da ONU em Nova York, Genebra e Viena.
Assim como grandes cidades brasileiras, várias partes do mundo
sofreram com enchentes e inundações que causaram tragédias nas últimas
décadas. Para enfrentar ou evitar catástrofes, urbanistas têm rejeitado
soluções tradicionais – baseadas em bocas de lobo e encanamentos – em
favor de novas formas de garantir a drenagem da água: criam, assim, as chamadas cidades-esponja.
O conceito parte da ideia central de que as metrópoles modernas lidam com a água de maneira errada.
Em vez de coletar a água das chuvas e jogá-la o mais rápido possível
nos rios – como ocorre habitualmente –, as cidades-esponja lançam mão de
uma série de recursos que asseguram espaço e tempo para que a água seja absorvida pelo solo (conheça cada um deles mais abaixo).
Essas medidas incluem a criação de:
parques alagáveis
telhados verdes
calçamentos permeáveis
praças-piscina
Inspiração ancestral na China
Em 2012, uma enchente causou a morte de quase 80 pessoas em Pequim,
muitas delas afogadas ou eletrocutadas. Casas desabaram e estradas,
metrô e até o aeroporto ficaram sob as águas.
No entanto, fotos de turistas tiradas na época mostraram a Cidade
Proibida, construída centenas de anos atrás, completamente seca – graças
a seu antigo sistema de drenagem.
A tragédia chamou a atenção das autoridades. A China, que viveu intenso processo de urbanização nos últimos anos, passou a ser um dos países que abraçou com mais força o conceito de cidade-esponja. Em Taizhou e Jinhua, por exemplo, muros de concreto que canalizavam rios foram demolidos e substituídos por parques.
Propostas semelhantes também têm sido adotadas em outras cidades pelo mundo, como Berlim, Copenhague e Nova York.
O arquiteto chinês Kongjian Yu explica que a proposta da cidade-esponja é preservar ecossistemas naturais, mais capazes de se recuperar das adversidades.
“A sabedoria ancestral de conviver
com a água é a maior inspiração para o conceito de cidade-esponja”,
explica o arquiteto chinês Kongjian Yu, chefe do escritório que fez
alguns dos maiores projetos da área no país asiático.
“Esse conhecimento vem sendo
negligenciado há muito tempo. Nós construímos as cidades modernas usando
técnicas industriais, dependentes de infraestrutura feita de concreto,
canos e bombas.”
O arquiteto defende que construir cidades-esponja ajuda não só a enfrentar, no período das chuvas, a força da água, mas também a mantê-la fluindo pelas torneiras durante os meses mais secos do ano.
Veja, abaixo, algumas das soluções das cidades-esponja pelo mundo:
Parques alagáveis
A face mais visível do conceito de cidade-esponja são os parques desenhados especialmente para serem parcialmente alagados durante
alguns meses do ano. Diversos locais do tipo foram projetados e
inaugurados pelo escritório de Kongjian em cidades chinesas.
Em boa parte dos casos, esses espaços tem passarelas suspensas, com
livre acesso o ano todo. A parte térrea, alagável, fica intransitável no
período de cheias, mas pode ser usada pelos frequentadores durante a
seca.
Um parque alagável geralmente vai muito além da criação de um espaço extra para as águas. Ele também conta com uma vegetação pensada para absorver a água e fomentar a biodiversidade local.
Para o presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil em São Paulo (IAB-SP), Fernando Tulio, esses parques são uma alternativa aos piscinões, uma das soluções comumente adotadas por autoridades brasileiras.
“Piscinões são grandes espaços
vazios que passam a ser um grande problema urbano, acumulam lixo, ratos,
exigem manutenção”, critica o arquiteto.
Os parques alagáveis são mais comuns nas margens dos rios e nas costas, como no caso de Nova York, onde foi criado o Hunters Point South Park.
Mas também são encontrados em terrenos sem cursos d’água, que
concentram água da chuva, como o parque Chulalongkorn, em Bangcoc, na
Tailândia, e o parque de Qunli, na própria China.
Calçamentos permeáveis
Boa parte da água da chuva que cai
sobre uma cidade fica retida sobre asfalto ou concreto. De lá, ela é
drenada por meio de canos para ser levada a rios e muitas vezes se
mistura com esgoto não tratado no caminho — especialmente quando a chuva
é tanta, que supera a capacidade do sistema para absorvê-la.
A cidade chinesa de Lingshui, no extremo sul do país, é uma das que trocaram os tradicionais bueiros por estruturas conhecidas como bioswales. São pequenos canais de infiltração natural, com vegetação nativa, que correm paralelamente a ruas, avenidas e calçadas.
Outras opções exigem novas tecnologias. Copenhague, na Dinamarca, e
cidades chinesas têm aberto novos espaços públicos usando um tipo de
“concreto” permeável.
A cidade dinamarquesa de Frederiksberg, perto da capital do país,
sofreu com os estragos de uma chuva de 100 mm que caiu em duas horas em
julho de 2011. Desde então, o município focou em desenvolver a capacidade de “amortecer” grandes volumes de água para, em seguida, dispersá-los de maneira segura.
Uma das iniciativas foi colocada em prática na praça Langelands (veja a foto acima), ponto alto mais alto de Frederiksberg e o local a partir de onde a água da chuva corre para Copenhague.
Nessa praça de 3 mil metros quadrados, foi concluída em 2019 a instalação de um material fibroso (stone wool) que funciona como uma esponja e libera a água de maneira lenta. A cada litro de água despejado, o material pode absorver até 950 ml, de acordo com o fabricante.
Apesar dessas iniciativas, a ideia de que a permeabilização por si só é a chave para evitar alagamentos não é unanimidade.
O arquiteto e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) Milton Braga defende que a discussão deve privilegiar a preservação do verde nas grandes cidades, e não a permeabilização do solo.
Avegetação é que “segura” a água e dá tempo para que o solo consiga absorver todo o volume de chuva.
“Tanto a vegetação rasteira, como
gramados e arbustos, quanto as árvores contribuem [para evitar
alagamentos]”, diz o arquiteto. “Muitas vezes, o solo já é naturalmente
impermeável. O grave é a supressão dos elementos que ‘seguram’ a água.”
Telhados verdes
A ideia de fazer jardins em tetos ou telhados não é nova – vem da Antiguidade, passando pela Itália renascentista. Telhados verdes existem em diversas partes do mundo, e não é difícil encontrá-los no Brasil.
A novidade é incentivar a construção desses espaços de forma ampla,
para resolver problemas das cidades. Em número suficiente, a vegetação em cima dos prédios pode reter boa parte da chuva e diminuir o fluxo de água que vai parar nos bueiros e nos rios durante uma tempestade.
“Os benefícios desses jardins vão
muito além de ajudar a mitigar as enchentes”, diz o arquiteto e
professor FAU-USP Milton Braga. “Eles ajudam a regular a temperatura
dentro dos centros urbanos, a filtrar o ar, a filtrar a própria água.”
Braga pondera, no entanto, que criar um jardim sobre um prédio já existente significa colocar um pesomuito maior sobre a estrutura, e isso exige cuidados.
“Não é fácil fazer um jardim no
topo de um prédio já existente. É impossível fazer um jardim no telhado
de uma casa sem um reforço na estrutura.”
Já abrir um quintal em um espaço impermeabilizado no térreo é bem mais fácil, diz o arquiteto. A ideia, como política pública, ainda engatinha – mas algumas cidades já buscam meios de incentivar a implantação de telhados verdes em prédios privados. É o caso de Copenhague, que já em 2011 colocou a medida em seu Plano de Adaptação Climática.
Praças-piscina
Em Roterdã, na Holanda, a praça Benthemplein foi construída em 2013 adaptada para armazenar água nos dias de chuva.
O complexo, desenvolvido pelo escritório de arquitetura De Urbanisten, é composto por três bacias. Duas delas são subterrâneas e armazenam a água sempre que chove. A terceira é uma quadra de esportes abaixo do nível da rua que enche quando a chuva persiste (veja acima).
Na praça, a água da chuva é
transportada até as bacias por grandes calhas de aço inoxidável. Essas
calhas são projetadas para serem utilizadas por skatistas quando não
está chovendo.
O armazenamento da água pode durar até 36 horas depois da chuva. Um sistema deixa a água fluir gradualmente, o que permite que ela volte para as reservas subterrâneas e nunca seja canalizada para o esgoto.
O equilíbrio das águas
subterrâneas é especialmente importante durante os períodos de seca para
manter as árvores e plantas da cidade em boas condições. A iniciativa
acaba por reduzir o efeito da ilha de calor urbano. Parte a água,
devidamente filtrada, é distribuída em bebedouros.
Uma câmera mostra ao vivo o movimento na praça de estudantes,
frequentadores de uma igreja e visitantes de um teatro que fica na
região.
Fonte: G1
Os cientistas descobriram o segredo de como a árvore do ginkgo pode viver por mais de 1.000 anos.
Um estudo descobriu que a árvore produz produtos químicos protetores que combatem doenças e secas.
E, diferentemente de muitas outras plantas, seus genes não são
programados para desencadear um declínio inexorável quando a juventude
acaba.
O ginkgo pode ser encontrado em parques e jardins em todo o mundo, mas está à beira da extinção na natureza.
“O segredo é manter um sistema de defesa realmente saudável e ser uma
espécie que não possui um programa pré-determinado de senescência
(envelhecimento)”, disse Richard Dixon, da Universidade do Norte do
Texas, em Denton.
“À medida que as árvores de ginkgo
envelhecem, elas não mostram evidências de enfraquecer sua capacidade
de se defender do estresse”.
Ginkgo biloba (árvore Maidenhair)
Uma árvore de crescimento lento e grande;
Folhas amarelas atraentes no outono;
O
ginkgo é nativo da China e o último sobrevivente de uma longa linhagem
de árvores antigas, com fósseis conhecidos desde os tempos dos
dinossauros;
As populações selvagens estão à beira da extinção
devido à exploração madeireira, com populações selvagens confinadas à
montanha Xitianmu em Zhejiang, China;
Listadas como ameaçadas de extinção na lista vermelha da IUCN de espécies ameaçadas (Ginkgo biloba).
Pesquisadores nos EUA e na China estudaram as árvores de ginkgo com
idades entre 15 e 667 anos, extraindo anéis de árvores e analisando
células, cascas, folhas e sementes. Eles descobriram que árvores jovens e
velhas produzem substâncias químicas protetoras para combater o
estresse causado por patógenos ou secas.
Isso inclui antioxidantes, antimicrobianos e hormônios vegetais que
protegem contra a seca e outros estressores ambientais. Estudos
genéticos mostraram que os genes relacionados ao envelhecimento não se
ativam automaticamente em um determinado momento no tempo, como em
outras plantas, como gramíneas e plantas anuais.
Assim, embora uma árvore que tenha vivido por séculos possa parecer
enfraquecida devido a danos causados pela geada ou por raios, todos os
processos necessários para um crescimento saudável ainda estão
funcionando.
Dixon suspeita que o quadro seja semelhante em outras árvores de vida
longa, como a sequóia gigante, que possui madeira “embalada com
produtos químicos antimicrobianos”.
“Esperamos que nosso estudo
incentive outras pessoas a aprofundar o que parecem ser as
características importantes para a longevidade do ginkgo e outras
árvores de vida longa”.
Comentando sobre o estudo, Mark Gush, chefe de ciências hortícolas e
ambientais da RHS (Royal Horticultural Society), disse que a árvore mais
antiga do mundo – um pinheiro Bristlecone (Pinus longaeva) – tem mais
de 4.800 anos.
“Além de um suprimento consistente de alimentos, luz e água,
acredita-se que a capacidade de viver até uma idade tão grande esteja
ligada a uma taxa de crescimento lenta, adaptações celulares e proteção
relativa de influências secundárias, como pragas e doenças, extremos
climáticos e catastróficos danos físicos”, disse ele.
E acrescenta, à medida que o Reino Unido embarca em um ambicioso
programa de plantio de árvores, é provável que seja cada vez mais
importante entender a mistura de espécies arbóreas que trarão as maiores
recompensas do ecossistema a longo prazo e onde elas devem ser melhor
plantadas. Fonte: BBC News / Helen Briggs Tradução: Redação Ambientebrasil / Maria Beatriz Ayello Leite Para ler a reportagem original em inglês acesse: https://www.bbc.com/news/science-environment-51063469
Atualmente, o bioma contém a maior e mais diversa floresta tropical do mundo, ocupa mais de 6,8 milhões de km2 e abriga 33 milhões de pessoas em nove países.
Em 2018, Brasil e Bolívia estiveram entre os cinco países que mais
perderam florestas primárias, as matas virgens, no mundo, de acordo com a
organização internacional Global Forest Watch.
A grilagem de terras, a expansão de fronteiras agropecuárias, a
mineração e a exploração econômica descontrolada, entre outros fatores,
são consideradas as principais atividades responsáveis pela perda de
floresta.
Mas o desmatamento é só uma parte do problema.
“Falar só de desmatamento quando falamos da destruição da Amazônia é o
que eu chamo de a grande mentira verde”, diz à BBC News Brasil o
climatologista Antonio Donato Nobre, pesquisador do Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais (Inpe).
“A perda de floresta amazônica até hoje é muito maior do que os quase
20% de desmatamento dos quais se fala nos meios de comunicação.
Nobre e outros pesquisadores acreditam que, para ter um panorama mais
completo da destruição da floresta, é preciso considerar também a
degradação.
Degradação é o fenômeno que acontece quando o acúmulo de perturbações
em um trecho de floresta (incêndios, extração de madeira e caça
descontrolada, por exemplo) retira daquele ecossistema sua capacidade de
funcionar normalmente.
Em 2019, por exemplo, Brasil e Bolívia também viram aumentar dramaticamente o número de incêndios na região amazônica.
“A questão é que a degradação tem um papel importante na maneira como
a floresta muda, e nós não estamos vendo. Não há nenhum tipo de
política para evitar a degradação”, diz à BBC News Brasil o botânico Jos
Barlow, professor da Universidade de Lancaster, no Reino Unido, e
pesquisador da Rede Amazônia Sustentável (RAS).
“Assim como uma pessoa saudável tem menos chances de pegar uma gripe,
uma floresta saudável tem menos chance de queimar e de sucumbir às
mudanças climáticas. O que a degradação faz é deixar a floresta cada vez
mais vulnerável”, explica.
Entre as muitas funções da Amazônia está ajudar a América do Sul — e
todo o planeta — a equilibrar o clima, distribuir as chuvas pela região e
capturar quantidades enormes de dióxido de carbono (CO2), um dos principais gases causadores do efeito estufa.
São papéis fundamentais para mitigar os efeitos da mudança climática.
“Podemos ver essas árvores nas fotos de satélite, mas para a função
climática essas florestas degradadas já não existem mais”, diz Antonio
Nobre.
O avanço da degradação e o desmatamento estão empurrando o
ecossistema para um “ponto de não retorno” no qual ele perderia sua
capacidade de funcionar, de acordo com os cientistas Carlos Nobre e
Thomas Lovejoy, dois dos principais especialistas em Amazônia no mundo.
Se a situação não for revertida, dizem eles, os impactos dessas mudanças poderiam se acelerar, com consequências catastróficas.
Nem toda perda de floresta é igual
Quando falamos em dados de desmatamento, nem sempre falamos da mesma coisa.
Uma maneira de medir o desmatamento é levando em conta todas as áreas
da floresta em que a vegetação foi completamente eliminada. É o que se
chama perda de cobertura florestal.
Só em 2018, a perda de cobertura florestal em toda a Amazônia chegou a 4 milhões de hectares (40 mil km2), segundo dados da Global Forest Watch.
Mas algumas destas áreas desmatadas são de florestas primárias,
aquelas que se encontram em seu estado original — não afetadas, ou
afetadas o mínimo possível, pela ação humana. Por serem mais antigas,
elas têm mais diversidade de espécies e guardam mais carbono.
As florestas secundárias, por sua vez, são todas as que estão em
recuperação de processos de desmatamento ou de degradação grave.
Mas elas podem levar décadas e, em alguns casos, séculos, para voltarem a
ter as características que tinham quando primárias se forem mantidas
intocadas, o que também é raro.
Em 2018, a Pan-Amazônia, como é chamado o conjunto do bioma em todos
os países, perdeu cerca de 1,7 milhão de hectares de floresta primária,
segundo os dados produzidos pelo sistema de monitoramento da
Universidade de Maryland, nos EUA, e publicados pelo Global Forest
Watch.
Isso significa que pouco mais de três campos de futebol de mata virgem foram desmatados a cada minuto em 2018.
A perda pode parecer insignificante perto da imensidão da floresta
(representa cerca de 0,32% do total), mas não é uma questão só
quantitativa e, sim, qualitativa.
“Essa forma de medir o desmatamento é importante porque as florestas
primárias são muito mais ricas e diversas em biodiversidade”, explica
Jos Barlow, da Universidade de Lancaster.
Uma floresta é muito mais do que suas árvores. É o produto de todos
os processos e interações entre milhares de espécies de plantas e
animais que coexistem ali. Por isso a floresta amazônica é
insubstituível.
Muitas pessoas acham que para
compensar o que perdemos na Amazônia basta plantar árvores em outros
lugares. Mas isso está errado.”
Erika Berenguer, Universidade de Oxford
“Cada hectare desmatado significa que uma parte do ecossistema deixa
de funcionar, e isso afeta todo o resto”, diz à BBC News Brasil a
pesquisadora Erika Berenguer, especialista em florestas tropicais da
Universidade de Oxford, no Reino Unido, e da RAS.
Nos últimos dez anos, as taxas de perda de florestas primárias se
mantiveram altas ou voltaram a aumentar na maioria dos países
amazônicos, como apontam a Global Forest Watch e dados oficiais.
Taxa de perda anual acumulada de floresta primária na Amazônia 2002-2018
Nas florestas primárias vivem árvores que podem ter centenas ou até
mesmo milhares de anos de idade. Elas cumprem um papel essencial na
batalha contra as mudanças climáticas, já que agem como um enorme
armazém de dióxido de carbono.
Uma pequena parte do CO2 que as árvores absorvem no
processo de fotossíntese é emitida de volta para a atmosfera durante sua
respiração. A outra parte é transformada em carbono e usada na produção
dos açúcares que a planta necessita para seu metabolismo.
“Medimos a quantidade de carbono em uma árvore pela espessura do
tronco. O carbono é armazenado ali, em forma de biomassa”, explica Erika
Berenguer.
Por isso, quanto maior e mais antiga a árvore, mais carbono ela costuma armazenar.
Segundo Berenguer, uma árvore grande (com pelo menos três metros de
circunferência) pode armazenar cerca de 3 a 4 toneladas de carbono.
Isso equivaleria a cerca de 10 a 12 toneladas de dióxido de carbono — ou a média que um carro de passeio emite durante quatro anos.
Um dos efeitos do desmatamento é liberar o CO2 guardado na
floresta de volta na atmosfera — seja pela queimada ou pela
decomposição da madeira cortada, processos que transformam o carbono das
árvores novamente em gás.
Por este motivo, os cientistas temem que a região deixe de ser um
armazém de carbono e se transforme em um importante emissor de CO2,
acelerando os efeitos da mudança climática. Um estudo recente mostra
que cerca de 20% do total da Amazônia já emite mais dióxido de carbono
do que absorve.
A destruição (in)visível da floresta
Os sistemas que produzem imagens do desmatamento consideram
geralmente o corte raso de árvores, ou seja, áreas em que a vegetação
original foi totalmente removida.
No entanto, cientistas como Antonio Nobre acreditam que só o
desmatamento não dá corretamente a dimensão da perda. Para isso, seria
preciso ter também dados sobre a degradação.
Esse fenômeno é um produto dos eventos climáticos — como as secas — e
da ação humana que deixam a floresta mais pobre e vulnerável. Mesmo
quando, vista de cima, ela ainda parece seguir em pé.
Atividades como o corte de madeira ilegal e eventos recentes como os incêndios de 2019 fazem parte do problema.
“O solo fica mais frágil e mais seco por causa da remoção da
vegetação, ainda que não seja total. Isso muda o microclima da floresta.
Fica mais fácil incêndios se espalharem, por exemplo, porque o chão
esquenta mais rápido”, explica Alexander Lees, professor de Ecologia
Tropical na Universidade Metropolitana de Manchester, no Reino Unido.
No Brasil, entre os meses de janeiro e novembro, o fogo arrasou
70.698 km² (mais de 7 milhões de hectares) de Amazônia. Na Bolívia, o
incêndio atingiu mais de 2 milhões de hectares do bioma.
Uma área de floresta degradada também perde, por exemplo, a capacidade de reciclar água da chuva.
“Somando o corte raso e a degradação, mais da metade da Amazônia já tem seus serviços ambientais ao clima da região comprometidos”, afirma Antonio Nobre.
Nenhuma árvore mais pode tombar na Pan-Amazônia.”
Antonio Nobre, Inpe
Cientistas já comprovaram que a degradação é um importante fator na emissão do CO2 armazenado
na floresta. Um novo estudo do Raisg afirma que 47% de todas as
emissões na Amazônia vem da degradação. E diz ainda que, em sete dos nove países amazônicos, esse fenômeno é o principal responsável pelas emissões do gás. Segundo o climatologista, as áreas degradadas da Amazônia chegam a ser até duas vezes maiores que as desmatadas.
Para fazer essa afirmação, ele se baseia no fato de que, só no Brasil, entre 2007 e 2016, foram contabilizados 14,6 milhões de hectares (146 mil km2) degradados na Amazônia brasileira.
Isso é quase o dobro da área desmatada no mesmo período, que foi de 7,5 milhões de hectares (75 mil km2), de acordo com dados do Inpe.
Um relatório recente do governo da Colômbia afirma que entre 2012 e
2015, a região amazônica no país perdeu 187.955 hectares por
desmatamento e 414.605 hectares por degradação — mais que o dobro.
Os dados disponíveis, segundo Antonio Nobre, fazem pensar que a área
da Amazônia destruída pela ação humana é muito maior do que se acredita.
Jos Barlow, da Universidade de Lancaster, concorda.
“Sabemos que até os números oficiais que temos são subestimados, porque geralmente só se mede a degradação mais grave.”
Mas por que não se fala mais a respeito disso?
“É um fenômeno mais difícil de medir. Mesmo quando é possível
enxergar a degradação por imagens de satélite, você precisa ter dados
sobre o que está acontecendo no solo para entender se aquela área está
mais ou menos degradada, se está se recuperando”, explica o pesquisador
Alexander Lees.
Entre os países amazônicos, só o Brasil publica sistematicamente dados anuais de degradação.
No entanto, cientistas de toda a região estão tentando medir o
fenômeno, para fazer um retrato mais amplo do estado atual do bioma.
E se perdermos a Amazônia?
Se o desmatamento e a degradação continuarem nos ritmos atuais, a
Amazônia pode deixar de funcionar como um ecossistema tropical em breve,
mesmo que parte dela continue de pé.
Atualmente, pouco mais de 18% de toda a floresta original foi desmatada,
de acordo com dados do projeto de monitoramento Mapbiomas, parceria
entre universidades, ONGs, institutos de todos os territórios amazônicos
e o Google.
O número é perigosamente próximo do que o biólogo americano Thomas
Lovejoy e o climatologista brasileiro Carlos Nobre, do Instituto de
Estudos Avançados da USP, chamam de tipping point (ponto de não retorno, em inglês).
Eles se referem ao momento em que o desmatamento, em conjunto com as
mudanças climáticas e a vulnerabilidade a incêndios mudarão
completamente a Amazônia.
Esse ponto ocorrerá, segundo eles, quando entre 20% e 25% da floresta original estiverem destruídos.
De acordo com os cálculos de Nobre e Lovejoy, o tipping point pode acontecer nos próximos 20 a 30 anos, mantida a taxa atual de cerca de 1,5 milhão de hectares (15 mil km2) desmatados em média por ano em toda a região.
“Se chegarmos a esse ponto, aumentará a duração da estação seca e a
temperatura da floresta. A partir daí, as árvores começarão a morrer de
maneira acelerada, e isso criará um ciclo vicioso. O que era floresta
tropical ficará parecido com o cerrado brasileiro, mas como uma espécie
de savana pobre, sem a rica biodiversidade do cerrado”, diz Carlos Nobre
à BBC News Brasil.
No estudo, os cientistas projetam um cenário para 2050 (confira na
imagem acima) no qual a Amazônia perdeu 20% de floresta e está mais
vulnerável a incêndios, em que a temperatura da região aumentou 3°C e em
que aumentou cerca de 30% a concentração de CO2 na atmosfera.
“Neste cenário, teríamos até 60% da floresta transformada nesta savana pobre”, afirma o pesquisador.
A projeção, no entanto, ainda não inclui detalhadamente a degradação, pela dificuldade de conseguir dados da Pan-Amazônia.
Isso significa que a floresta poderia estar ainda mais próxima do
ponto de não retorno. Segundo Nobre, há planos de incluir o fenômeno em
uma próxima análise.
Mas o que acontece após o ponto de não retorno?
Menos chuva
Os cientistas ainda não sabem com precisão todos os possíveis efeitos de uma transformação brusca da floresta amazônica.
Mas, segundo as estimativas de Carlos Nobre, a temperatura na região poderia aumentar de 1,5°C a 3°C nas regiões que se tornarem savanas pobres. Isso sem contar o aumento já esperado com o aquecimento global.
Em 2012, um estudo da Universidade de Leeds afirmou que o
desmatamento pode fazer com que as chuvas na Amazônia diminuam cerca de
12% durante a estação chuvosa e 21% na estação seca até 2050.
Com menos evapotranspiração na floresta, diminuiríam
também as chuvas na bacia do rio da Prata, e a temperatura no
Centro-Oeste brasileiro poderia aumentar em até 2°C.
Isso teria um efeito catastrófico para a economia regional. Menos
chuva e mais calor significaria menos água para a pecuária e para
cultivos como a soja.
“Certamente, haveria diminuição da produtividade da agropecuária nas
partes da região que são mais importantes para essas atividades”, diz
Carlos Nobre.
Mais doenças
Estudos feitos na Amazônia brasileira e em outras florestas tropicais
do mundo relacionam o desmatamento a um aumento na incidência de
doenças transmitidas por mosquitos, como a malária e a leishmaniose.
“Em um ambiente rico em biodiversidade, a proliferação do vírus se dilui, porque há mais espécies que podem ser incubadoras. Vetores como os mosquitos têm uma oferta de alimento grande”, disse a bióloga Márcia Chame, pesquisadora da Fiocruz, à BBC News Brasil.
O processo de queimadas e degradação faz com que os bichos busquem
outras fontes alimentares, explica Chame. Isso normalmente aproxima o
ciclo de algumas doenças das cidades.
“Não sabemos ainda o que vai acontecer, mas temos elementos para
dizer que, com menos floresta, há um risco alto de termos mais
transmissão em humanos”, alerta a bióloga.
O aumento da temperatura causado pelas mudanças na floresta também
pode provocar mais mortes e internações por doenças cardiovasculares e
respiratórias relacionadas ao calor, segundo a pesquisadora Beatriz
Oliveira, da Rede Brasileira de Pesquisas em Mudanças Climáticas.
“Mesmo mantendo as condições que temos hoje, a temperatura na região amazônica poderia aumentar até 8°C, somando o desmatamento e o aquecimento global, a partir de 2070. Com a substituição da floresta por outro ecossistema, esse incremento poderia ser maior ou acontecer bem antes”, adverte.
É possível evitar o ‘tipping point’?
De acordo com Carlos Nobre, há uma maneira de prevenir a transformação da floresta em savana:
“O que precisamos fazer imediatamente é adotar uma política de
desmatamento zero na Pan-Amazônia e, junto com ela, um grande programa
de restauração florestal no sul, no sudeste e no leste da Amazônia, que
são os trechos mais vulneráveis”, afirma.
“Se conseguíssemos reflorestar 60 ou 70 mil km2 dessa
grande área, onde a estação seca já está mais longa, poderíamos fazer a
floresta voltar a funcionar melhor ali, ela ficaria mais resiliente.”
O objetivo não parece fácil de ser atingido no futuro próximo.
Em setembro de 2019, representantes de sete países amazônicos — sem a
presença de Venezuela e Guiana Francesa — se reuniram em Leticia, na
Colômbia, com um objetivo de criar uma agenda de prevenção de crises
ambientais como os incêndios recentes.
O resultado foi o Pacto pela Amazônia, um acordo de 16 medidas não
obrigatórias, mas que indicam um compromisso dos países contra o avanço
da destruição da floresta. No entanto, o texto não coloca metas
específicas para a redução do desmatamento, nem para um plano de
reflorestamento.
Todos os políticos falam a frase
célebre: preservação sim, mas com desenvolvimento. Mas está escondido na
palavra desenvolvimento um modelo que só consegue ver a atividade
econômica sem a floresta. Isso precisa mudar, e precisa ser agora.”
Carlos Nobre, USP
O Congresso Nacional analisa uma medida provisória (MP) que pode aumentar o desmatamento na floresta amazônica.
O texto, que está pronto para ser votado no plenário da Câmara,
aumenta para até 50% a área que pode ser desmatada em fazendas de
Roraima e do Amapá.
Hoje, os donos de fazendas nestes dois Estados precisam manter pelo
menos 80% de área de floresta em seus imóveis. Se a MP 901 for aprovada
como se encontra, o percentual cairá para apenas 50% — ou seja, até
metade da área das propriedades rurais poderá ser desmatada.
Este trecho da medida provisória faz uma alteração no Código
Florestal, e ambientalistas temem que a mudança acabe se espalhando por
outros Estados da região amazônica.
A MP 901 estava na pauta de votação da Câmara na última terça-feira
(11), mas foi adiada. Agora, o texto deve voltar a ser discutido pelos
deputados nesta semana, ainda antes do feriado de Carnaval. A proposta
tramita em regime de urgência no Congresso.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), é um dos principais
defensores da medida, segundo apurou a BBC News Brasil. Se aprovado na
Câmara, o texto segue para a Casa comandada pelo amapaense.
Jabuti
A medida provisória 901 foi discutida por deputados com o presidente
da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em uma reunião na manhã
da última quarta (12).
Segundo um dos participantes, Rodrigo Agostinho (PSB-SP), Maia não
discutiu o mérito da proposta, mas se comprometeu a rejeitar trechos da
MP que sejam considerados “contrabandos” legislativos — isto é,
inserções de outros assuntos que não tenham a ver com o tema original da
MP, os chamados “jabutis”.
Agostinho é o atual presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara e tem trabalhado contra as mudanças na medida provisória.
Originalmente, a MP editada pelo governo de Jair Bolsonaro (sem
partido) dizia respeito à transferência de terras da União para os
governos dos Estados do Amapá e de Roraima — e não trazia qualquer
referência a mais desmatamento em propriedades rurais.
A doação das terras aos Estados já estava aprovada em lei desde 2009, mas estava travada por causa de exigências burocráticas.
O “jabuti”, para permitir mais desmatamento na Amazônia foi inserido
no texto durante a fase da Comissão Mista, quando deputados e senadores
sugerem alterações no texto da MP. O aumento da área desmatada em
fazendas surgiu em uma emenda do senador Mecias de Jesus
(Republicanos-RR). O texto final foi confeccionado pelo relator, o
deputado Edio Lopes (PL-RR).
A reportagem da BBC News Brasil procurou o senador Mecias de Jesus e o
deputado Edio Lopes — ambos negaram se tratar de “contrabando”
legislativo ou jabuti.
Edio Lopes disse que seu texto não traz inovações em relação ao que o
Código Florestal já determina. Já Mecias de Jesus argumentou que apenas
uma pequena parte do Estado de Roraima está disponível para a
agricultura — e que o objetivo da medida é dar segurança aos produtores
locais, e não incentivar o desmatamento.
Entrave
A ideia de diminuir (ou acabar) com a chamada “reserva legal” das
propriedades rurais não é nova no Congresso. Em meados do ano passado, o
senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) apresentou um projeto de
lei em parceria com o também senador Marcio Bittar (MDB-AC) para acabar
com a obrigação dos proprietários de manter trechos preservados em suas
fazendas.
Na justificativa do projeto, o filho mais velho do presidente da
República escreveu que o objetivo era remover um “entrave” e “expandir a
produção” de produtos agrícolas no país.
A obrigação de manter reservas legais nas fazendas varia de acordo com o bioma no qual a propriedade está.
Nos Estados da Amazônia Legal, 80% da área precisa ficar protegida.
Este percentual cai para 35% no Cerrado e 20% em outras regiões do país,
como a Mata Atlântica.
A MP 901 também está longe de ser a única medida controversa em temas ambientais em discussão em Brasília.
Em dezembro passado, o governo editou a MP 910 de 2019, apelidada por
críticos de “MP da grilagem”. Este segundo texto, que ainda está sendo
discutido por uma comissão mista de deputados e senadores, anistia
pessoas que tenham desmatado e ocupado irregularmente terras públicas.
Mais recentemente, no começo de fevereiro, o governo também enviou
um projeto de lei que regulamenta a Constituição para permitir
atividades como a mineração e a exploração de recursos hídricos em
terras indígenas.
Como a mudança de ‘e’ para ‘ou’ pode atingir a floresta
O texto atual da MP 901 muda um trecho do Código Florestal que trata da reserva legal nas fazendas.
Hoje, o Art. 12 do Código exige duas condições para que a área
preservada nas fazendas de um determinado Estado possa ser diminuída.
O governo estadual precisa realizar um tipo de estudo chamado
Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE); e é preciso ainda que mais de 65%
do território do Estado seja ocupado por unidades de conservação e
terras indígenas.
A MP 901 basicamente muda o “e” pelo “ou”: o Estado pode realizar o
Zoneamento Ecológico-Econômico ou ter mais de 65% de sua área ocupada
por reservas.
Assim, o estudo ZEE deixa de ser necessário — e a redução da área
preservada nas fazendas passaria a ser possível nos Estados do Amapá e
de Roraima.
Áreas militares e outros locais controlados pela União também passam a ser contabilizados para atingimento dos 65%.
A observação está em uma nota técnica do Instituto Socioambiental
(ISA), uma ONG da área de meio ambiente que primeiro observou a
alteração feita na medida provisória.
“Não se trata de Zoneamento Ecológico-Econômico aprovado ou 65% do
território ocupado por unidades de conservação ou terras indígenas, como
quer o (relatório) da MP 901 e sim a soma desses dois critérios. Nem se
admite, no Código Florestal, no cômputo de 65%, as ‘terras das forças
armadas, perímetros das rodovias federais e outras que a União venha a
instituir’ como apresentado no PLC (relatório) da MP 901”, diz a nota
técnica.
O advogado Mauricio Guetta, consultor jurídico do ISA, diz ainda que
se trata de “contrabando legislativo” ou “jabuti” discutir um tema
relacionado ao Código Florestal em uma MP que não trata originalmente
deste assunto. Como tal, o tema deveria ser retirado do texto, diz ele.
O relator da MP, Edio Lopes, nega que se trate de “contrabando”.
“O Código Florestal já assegura essa redução. Eu não estou criando
nada (…). Não estou aumentando nada (em área desmatada), é uma
legislação antiga”, diz ele.
Edio Lopes diz ainda que as próprias ONGs ambientalistas, inclusive o
ISA, atuam com os indígenas para impedir a realização do ZEE.
“Este trabalho (o ZEE) é impossível fazer por conta da não aceitação
das comunidades indígenas (…). Eu estou retirando a exigência do ZEE.
Nós não temos como fazer no Estado (o estudo)”, diz.
“O Estado de Roraima batalha há anos, e não consegue porque as
próprias organizações, inclusive o ISA, trabalham junto aos indígenas, e
estes não permitem que o Estado proceda ao levantamento dentro de suas
áreas”, disse ele à BBC News Brasil. As terras indígenas são áreas
federais, e não controladas pelos Estados, diz ele.
O autor da emenda, senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR),
argumenta que apenas uma pequena parte do território do Estado de
Roraima está disponível para a agricultura — apenas 8% do território. O
restante está ocupado por terras indígenas homologadas (47%) e reservas
ambientais (20%).
“Não estamos trazendo nenhuma inovação, nem autorizando a desmatar ou
a queimar, muito pelo contrário. Nós aqui na Amazônia temos o maior
interesse em preservar a floresta. Ninguém, no Brasil e no mundo tem
mais interesse em preservar do que nós amazônidas”, diz ele. “Tudo que
nós queremos é tirar o povo de Roraima da ilegalidade, da insegurança
jurídica sobre a nossa terra”, defende o senador.
Além da questão envolvendo as propriedades rurais, a MP também
transfere para o governo do Estado de Roraima uma área de quase 5 mil
hectares que hoje é protegida — faz parte da Floresta Nacional (Flona)
de Roraima.
Segundo o texto da MP, o local seria destinado ao “assentamento de
pequenos agricultores”. De acordo com o ISA, porém, a área abrange
locais que são do interesse de garimpeiros. Uma parte do trecho que
deixaria de integrar a Floresta Nacional é alvo de pedidos de mineração
junto ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).
‘Preconceito ambiental’ ou ‘insegurança jurídica’
Ambientalistas e deputados contrários ao texto atual da MP 901 dizem
que a proposta cria insegurança jurídica — se for aprovada como se
encontra, fazendeiros de outros Estados da chamada Amazônia Legal
poderiam pleitear o direito de diminuir a área de reserva legal em suas
próprias fazendas.
“O Código Florestal não trata da Amazônia do ponto de vista dos
Estados, e sim por biomas. Então, esse ponto gera muita insegurança
jurídica sobre o que acontecerá nos outros Estados da região, se o
relatório passar tal como se encontra”, disse à BBC News Brasil o
deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP).
Para Mauricio Guetta, do ISA, o texto atual da MP representa “um retrocesso grave”.
“Esta emenda permitiria que as propriedades privadas nesses dois
Estados (Amapá e Roraima) preservassem apenas 50%. Trinta por cento a
mais de desmatamento. E esse precedente aberto pelos Estados poderia
abrir caminho para que outros Estados da Amazônia façam pressão para
novas alterações. Poderia desencadear um aumento do desmatamento que já
se observa hoje”, diz ele.
O presidente da bancada ruralista, Alceu Moreira (MDB-RS), diz que o grupo não tem ainda uma posição fechada sobre a MP.
A princípio, diz ele, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) é
contra a exigência dos mesmos 80% de reserva legal em toda a Amazônia
Legal, pois a região abrange locais muito diferentes entre si.
“Em alguns lugares é necessário que a reserva seja de X, e em outros
não necessariamente. A Amazônia Legal é um conceito fiscal, que abrange
áreas diferentes entre si. Ela não é homogênea, envolve solos distintos.
Tratar a Amazônia Legal como se fosse um só bioma é algo que acaba
prejudicando o uso da terra”, disse Alceu Moreira à BBC News Brasil.
Os Estados da Amazônia Legal, onde a reserva é de 80%, abrangem
terras que são idênticas a outras onde a reserva exigida é bem menor,
defende Moreira. A exigência indiscriminada de 80% de reserva pune
propriedades que poderiam ter uma área maior utilizada e é fruto de
“preconceito ambiental”, diz ele.
“A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) tem
condições exatas de fazer o zoneamento e dizer qual é a necessidade de
reserva em cada pedaço de chão do Brasil. O que não se pode é
transformar isso num cavalo de batalha, dizendo que ‘tal e tal coisa não
pode’. Não. A argumentação tem que ser feita de forma técnica. É isso
que vai balizar a votação”, diz Moreira.
Degradação da Amazônia
A destruição da floresta não é a única coisa que vem preocupando os
cientistas que a estudam: a degradação do bioma amazônico representa
hoje uma ameaça tão grave quanto a destruição da floresta,
segundo estudiosos ouvidos pela BBC News Brasil.
Degradação é o fenômeno que se dá quando um trecho de floresta sofre
várias perturbações (como caça descontrolada, garimpo, incêndios, corte
de madeira) que impedem o seu funcionamento natural.
“Falar só de desmatamento quando falamos da destruição da Amazônia é o
que eu chamo de a grande mentira verde”, disse o climatologista Antonio
Donato Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe), em reportagem publicada pela BBC na última quinta-feira (13).
A floresta amazônica é atualmente a maior e mais diversa floresta
tropical do mundo. São mais de 6,8 milhões de quilômetros quadrados
espalhados por nove países, e nos quais vivem 33 milhões de pessoas.
Sociedade civil participa de vigília pela proteção do Parque Nacional e Histórico do Monte Pascoal, na Bahia
13 de fevereiro de 2020
No último dia 7 (sexta), o Conselho de Caciques das aldeias do
Monte Pascoal tomou uma medida emergencial. Eles fecharam a porta da
guarita principal do Parque Nacional do Monte Pascoal, na Bahia, e estão
se revezando em uma vigília para impedir a saída de madeira nativa do
parque. A decisão foi tomada devido a falta de fiscalização e ao
conflito de uso dos recursos naturais nesta Unidade de Conservação (UC)
de Proteção Integral, principalmente contra a extração ilegal de madeira
nativa. Após esta mobilização, organizações da sociedade civil
contribuirão para a Vigília do Monte, que acontecerá nos próximos dias
21 e 22 de fevereiro, na aldeia Pé do Monte.
A
medida emergencial dos indígenas tem como objetivo, além de tentar
estancar a ferida, dar visibilidade para sua situação e clamar por
fiscalização e apoio das autoridades e da sociedade. Para quem quiser
apoiar, uma conta bancária da Cooperativa de Trabalho de Florestamento e
Reflorestamento da Aldeia Pataxó Boca da Mata (COOPLANJE) está sendo
divulgada: Banco do Brasil, agência 4493-8, conta 11.008-6, CNPJ
17.731.516/0001-09. O recurso será usado na mobilização.
Em entrevista ao portal O Eco,
o cacique Braga, da etnia Pataxó que habita a região, afirmou que o
parque não está fechado para visitantes, moradores ou órgãos de gestão e
fiscalização do parque, nem Polícia Federal. “Nós fechamos a porta para
os carros madeireiros”, afirmou ele.
Localizado no extremo sul da Bahia, em Porto Seguro, o Parque
Nacional e Histórico do Monte Pascoal foi criado em 1961 e possui mais
de 22 mil hectares. Este foi justamente o local avistado pelos
navegadores portugueses no descobrimento do Brasil, daí a comprovação de
sua importância histórica. Além disso, a área protege uma das regiões
com a maior biodiversidade do planeta: a Mata Atlântica. Entre essas
áreas estão a praia da Aldeia de Barra Velha, áreas de restinga e
manguezais, as praias pluviais dos rios Caraíva e Corumbau e os campos
de Mussununga, único do extremo sul da Bahia.
Ao longo das últimas décadas, a Mata Atlântica da região vem sofrendo com a exploração de sua área. A Bahia tem figurado
entre os estados que mais desmatam e o sul da Bahia é uma das regiões
críticas, segundo dados do Atlas da Mata Atlântica (SOS Mata Atlântica/
INPE). No último período analisado (2017-2018), foram 1.985 hectares de
Mata Atlântica. Entre os anos de 2015 e 2016, a região foi destacada
justamente por conta de uma supressão de 632 hectares de floresta dentro
do Parque.
“A Bahia teve uma melhora na sua posição no ranking, saindo de
primeira colocada em 2015 para a quarta em 2018, mas o estado ainda está
com altos índices, entre os maiores desmatadores. Em Porto Seguro, de
2015 a 2018, foram identificados 1068 hectares de desflorestamento,
sendo 632 dentro do Parque Nacional de Monte Paschoal no período de
2015-2016, o que é inaceitável“, afirma Marcia
Hirota, diretora
executiva da Fundação SOS Mata Atlântica.