Por InfoAmazônia
- quarta-feira, 17 fevereiro 2016 18:30
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Texto originalmente publicado no Blog do Infoamazonia, por Camila Fróis, Flávio Forner, Stefano Wrobleski e Thiago Medaglia
Vivendo
às margens do Rio Tapajós, na Amazônia paraense, Maria do Socorro
caminha até oito vezes
por dia para buscar baldes de água no lago mais
próximo da sua casa, mas, com a seca, a água fica tão
suja que não serve
para o consumo humano. Para beber, tem que ir até a casa de uma vizinha
que
tem um poço artesiano e pedir água. FLAVIO FORNER/XIBÉ/INFOAMAZONIA
O clima está mudando na Amazônia. Os eventos extremos, de forte seca
ou muita chuva, estão cada vez mais agressivos e as populações locais
têm sido forçadas a encontrar novos meios de sobreviver com um clima
cada vez menos previsível. No meio da Amazônia paraense, os ribeirinhos
das margens do Rio Tapajós são alguns dos mais impactados.
A equipe do
InfoAmazonia esteve na região no fim de
2015 e ao longo de uma semana visitou comunidades ribeirinhas e
sobrevoou a Floresta Nacional do Tapajós. A estiagem naquele momento
fora muito além do normal: 120 dias sem uma única gota de chuva na
região.
Conheça a plataforma multimídia “Amazônia Extrema''
Edinelson Fonseca, 62 anos, nasceu e foi criado na comunidade do
Jamaraquá. Enquanto avista o rio ao longe, sentado na praia, ele conta
em tom nostálgico sobre épocas de temperatura mais frescas, árvores
frutíferas mais carregadas e os rios mais fartos em peixes.
“Hoje, os peixes nos lagos estão morrendo por causa da água quente.
Se é pra pescar aqui no rio, a pessoa tem que ficar uma manhã inteira
pra pegar um tucunaré. E às vezes nem pega''.
Veja a entrevista completa
Para as pessoas que vivem no interior da região, assim como os
moradores da bacia do rio Tapajós, é o vai-e-vem das águas que redesenha
as paisagens, dita o ritmo do cotidiano e exige diferentes mecanismos
de adaptação ao longo do ano.
São seis meses de cheia e seis meses de
seca, quando a água chega a recuar 100 metros da margem. O índice de
precipitação pode variar de zero, nos meses de setembro e outubro, a 700
milímetros no mês de março, em anos de maior variabilidade – como foi
2009, em que se registrou uma grande cheia. As estiagens extremas
aumentam as distâncias – dificultando o acesso e o transporte de
alimentos –, provocam perdas de lavouras e deterioram a qualidade do ar.
Mapa da região da Floresta Nacional do Tapajós
Já as cheias transformam as casas das comunidades de várzea em ilhas
de palafita. Quando a água sobe mais do que o previsto, bases de madeira
elevam os móveis a alturas cada vez mais próximas ao teto. Pequenas
plantações são suspensas e os animais domésticos são levados para a
segurança da terra firme. Enquanto isso, muitos dos peixes selvagens
deixam o leito dos rios e invadem a floresta alagada, o que dificulta a
pesca.
A adaptação à dinâmica das águas é uma realidade para os ribeirinhos,
mas as alterações no cenário tem trazido novos desafios. Segundo o
doutor em Ecologia, Paulo Brando, do Instituto de Pesquisa Ambiental da
Amazônia (IPAM), na última seca prolongada, em 2010, 57% da Floresta
Amazônica registrou menos chuva que o normal, impondo a necessidade de
novas estratégias de sobrevivência na região. A estiagem reduziu as
chuvas em uma área de três milhões de quilômetros quadrados da floresta.
Cena
comum no porto de Santarém e nas áreas de várzea próximas ao município.
Nas secas fora
de padrão, o baixo nível baixo dos rios provoca riscos
de encalhamento, dificulta o transporte e
aumenta as distâncias de
comunidades já isoladas, que dependem essencialmente da navegação
para
se descolar. FLAVIO FORNER/XIBÉ/INFOAMAZONIA
Enquanto as pesquisas meteorológicas tentam relacionar as principais
causas da alteração dos
padrões de temperatura e intensidade de chuvas, a
professora de Ecologia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências
Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP), Patrícia Pinho, quer
entender os reais impactos dos chamados eventos extremos na vida das
comunidades tradicionais:
“Quando se fala na Amazônia, é comum mencionar
o balanço de carbono, a rica biodiversidade e a maior fonte de água
potável do mundo, mas precisamos humanizar nosso discurso e lembrar que
30 milhões de pessoas vivem ali”, diz a pesquisadora autora do artigo
“Dinâmicas socioecológicas complexas impulsionadas por eventos extremos
na Amazônia”.
Na
seca deste verão, os brigadistas da Floresta Nacional do Tapajós, como
Giovane Oliveira,
receberam entre três e quatro chamados por dia para
combater incêndios. Os focos da região,
combinados com a seca, fizeram
substituir a costumeira bruma matinal de vapor d’água desta
porção da
Amazônia paraense por uma densa fumaça, atingindo grandes cidades da
região
Norte do Brasil.
FLAVIO FORNER / XIBÉ / INFOAMAZONIA
Em meio a castanheiras de 30 metros de altura, o caminho de Santarém,
no Pará, até a comunidade Jamaraquá, na Floresta Nacional de Tapajós,
era tomado por um cheiro forte de fuligem oriundo de uma área
acinzentada com restos de troncos há pouco carbonizados. Por duas
semanas, a fumaça invadiu o quintal de comunidades vizinhas e tomou
conta das casas de moradores. Relatos de tosse, ardência nos olhos e
dificuldade para respirar tornaram-se frequentes.
O fogo é usado tradicionalmente na Amazônia como uma técnica barata
para abrir pastos para o gado ou mesmo áreas de pequenos cultivos. Nos
períodos de estiagem, as chamas se alastram com facilidade, avançando
sobre unidades de conservação como a Flona Tapajós, deixando comunidades
inteiras debaixo da fumaça.
Segundo o climatologista Júlio Tota, da Universidade Federal do Oeste
do Pará (Ufopa), as causas estão interligadas. “Mudar a floresta para
pastagem tem efeito direto e imediato no clima: a temperatura aumenta e
as chuvas diminuem”, afirma o cientista. A falta de chuva, por sua vez,
torna o clima mais seco e a floresta mais “inflamável”.
Área desmatada próxima a BR 163 |
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Queimadas para abertura de áreas de pecuária e agricultura |
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Área de plantio de soja no arredores de Santarém e Belterra |
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Os núcleos familiares nas comunidades possuem um estilo de vida regido pelo ritmo das águas | |
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