“É triste pensar que a natureza fala e que a humanidade não a ouve”. Victor Hugo (1802-1885)
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EcoDebate]
A hipótese Gaia, elaborada inicialmente por James Lovelock, diz que a
Terra é um organismo vivo que tem um metabolismo natural capaz de
regular seu clima e temperatura, promovendo um equilíbrio homeostático
global. Eventos externos, como choques de meteoritos, podem provocar
perturbações neste equilíbrio. Também forças internas, como vulcões,
podem perturbar a estabilidade. Mas, atualmente, é o crescimento das
atividades antrópicas, no Antropoceno, que está modificando o ambiente e
perturbando o funcionamento natural, o que pode colocar em cheque a
própria sobrevivência da vida na Terra.
De fato, o alto crescimento da população e da economia, especialmente
depois da Segunda Guerra Mundial, ampliou tanto a exploração de
recursos do meio ambiente e gerou tanta poluição e resíduos sólidos, que
ultrapassou a capacidade de carga do Planeta. O principal vetor de
pressão sobre o equilíbrio homeostático são as mudanças climáticas
geradas pelo aumento das emissões de gases de efeito estufa (GEE). O
efeito estufa descontrolado é como um tumor que provoca “pressão alta” e
“febre”. Quanto mais gases na atmosfera maior será a temperatura da
Terra. Na tendência atual caminhamos para um quadro de hipertermia, isto
é, elevação e manutenção das temperaturas em patamares capazes de
comprometer, ou mesmo colapsar, os metabolismos do corpo biológico e
geoclimático.
Assim, a alta concentração de CO2 funciona como uma “pressão alta”
sobre o Planeta, pois absorve a dispersão dos raios solares e aumenta o
efeito estufa. Quanto maior for a concentração de CO2 e outros gases de
efeito estufa, como o metano (CO2 equivalente), maior será o aquecimento
global.
A concentração de CO2 estava abaixo de 280 partes por milhão (ppm)
nos 2 milhões de anos anteriores à Revolução Industrial e Energética.
Mas a partir do uso generalizado dos combustíveis fósseis a concentração
começou a subir alcançando 295 ppm em 1900, 300 ppm em 1920 e 310 ppm
em 1950. Em 1958, Charles Keeling, instalou no alto do vulcão Mauna Loa o
primeiro equipamento para medir as concentrações de CO2 na atmosfera.
Com o início das medições do laboratório de Mauna Loa, comprovou-se que a
concentração de CO2 na atmosfera, na média mensal, chegou a 399,76
partes por milhão (ppm) em maio de 2013 e ultrapassou definitivamente a
barreira de 400 ppm no ano de 2015, sendo que em 2016, a maior
concentração ocorreu no dia 10/04 (409,34 ppm).
Mas, a despeito do Acordo de Paris e dos trabalhos científicos que
mostram os aspectos deletérios do efeito estufa, a concentração de CO2
continua subindo e chegou a 412,6 ppm no dia 26/04/2017. Em todo o mês
de abril de 2017 a média foi de 409,01 ppm. No dia 15/05/2017 a
concentração ficou em 411,27 ppm. Na semana de 14 a 20 de maio a média
semanal ficou em 410,36 ppm, conforme o gráfico abaixo.
O gráfico seguinte mostra a média horária e diária da concentração de
CO2, segundo dados da NOAA. A média horária ultrapassou o limiar
simbólico de 410 ppm no dia 05 de abril de 2017 e repetiu a marca em
vários outros dias, especialmente depois do dia 19 de abril, até chegar
perto de 414 ppm no dia 26/04. No mês de maio de 2017, não só a média
horária, mas também a média diária ultrapassou a marca de 410 ppm em
vários momentos, indicando que o teto de 410 ppm em 2017, tende a ser um
piso a partir de 2018.
O nível minimamente seguro de concentração atmosférica de CO2 é de
350 ppm. Assim, o mundo vai ter não só de parar de emitir gases de
efeito estufa (GEE) como terá que fazer “emissões negativas”, ou seja,
terá que sequestrar carbono e fazer uma limpeza da atmosfera para
reduzir a quantidade de CO2, evitar a acidificação dos solos e dos
oceanos e o degelo do Ártico, da Antártica, da Groenlândia e dos
Glaciares. E uma grande ameaça que se agrava com o processo de degelo é a
“bomba de metano” que existe no permafrost.
Grandes terrenos de permafrost do ártico ao noroeste do Canadá, no
Alasca e na Sibéria estão se desintegrando, enviando enormes quantidades
de lama e sedimentos ricos em carbono em riachos e rios. A liberação do
CO2 e do metano existente nos solos congelados pode tornar o efeito
estufa uma bomba incontrolável, como existia há 200 milhões de anos,
quando a biodiversidade da Terra era muito menor do que a atual. Artigo
de Uwe Branda et. al. (2016) traz uma afirmação preocupante: “O
aquecimento global provocado pela liberação maciça de dióxido de carbono
pode ser catastrófico. Mas a liberação do hidrato de metano pode ser
apocalíptica”.
As gerações presentes já estão sentindo o perigo. O aumento da
concentração de CO2 na atmosfera contribuiu para o fato dos anos de
2014, 2015 e 2016 terem sido os mais quentes já registrados e aponta
para novos recordes futuros de aquecimento. Estima-se que o limite de
1,5º C vai ser atingido antes de 2030. O primeiro trimestre de 2017 foi o
segundo mais quente da série de registros que começou em 1880. O
gráfico abaixo mostra o aumento da temperatura global, anual, em relação
à média do século XX, de 1880 a 2016. Nota-se que o aquecimento se
acelerou após 1970, com média de aumento de 0,17º C por década. Neste
ritmo o aquecimento pode ultrapassar 3º C em 2100, em relação ao período
pré-industrial.
O gráfico abaixo mostra que o mundo ruma para a temperatura mais alta
dos últimos 5 milhões de anos. Nota-se que poucas vezes na história,
nos últimos 5 milhões de anos, a temperatura ficou acima da média do
século XX. Se o aquecimento global continuar no ritmo atual, a
civilização estará no rumo de uma catástrofe. E o mais grave é que a
autodestruição humana pode levar junto milhões de espécies que nada tem a
ver com os erros egoísticos dos seres que se julgam superiores e os
mais inteligentes.
A humanidade pode estar rumando para o suicídio,
podendo também gerar um ecocídio e um holocausto biológico de proporções
épicas.
A última vez que a temperatura ultrapassou os 2º C, no Planeta, foi
no período Eemiano (há cerca de 120 mil anos) e provocou o aumento do
nível dos oceanos em algo como 5 a 9 metros. Com tudo indica que a
temperatura no século XXI deve ultrapassar os 2º C em relação ao período
pré-industrial e, com tanta gente vivendo nas áreas urbanas no litoral e
com tantas terras utilizadas na agropecuária, os danos e os prejuízos
poderão ser incalculáveis.
Artigo de Stefan Rahmstorf et. al. (2017), publicado na revista
Environmental Research Letters, mostra (ver gráfico abaixo) que as
temperaturas globais da superfície continuam subindo e que não há uma
tendência de arrefecimento do aquecimento global. O estudo mostra que as
variações de curto prazo estão dentro das previsões estatísticas e o
que importa são as tendências de longo prazo. E estas estão falando
alto, especialmente o período 1970-2016. Este estudo é apenas mais um
prego no caixão da mentira dos negacionistas e céticos climáticos de que
o aquecimento global terminou.
Assim, o aumento da temperatura está liberando o dióxido de carbono e
o metano armazenados no permafrost e na tundra do Ártico. Artigo de
Oliver Milman, (Guardian, 08/05/2017) mostra que as medições dos níveis
de dióxido de carbono de aeronaves, satélites e no solo indicam que a
quantidade de CO2 emitida pela fria tundra do norte do Alasca aumentou
70% entre 1975 e 2015, no período entre outubro e dezembro de cada ano.
E
a causa foi o aumento da temperatura dos solos. No verão do Ártico, o
nível superior do solo, que fica acima de uma vasta camada de permafrost
que cobre grande parte do Alasca, descongela e decompõe matéria
orgânica, o que libera CO2. A partir de outubro, as temperaturas mais
frias ajudam a congelar o solo novamente, bloqueando o CO2.
Tudo isto indica que este Planeta – que é, comprovadamente, o único
no Universo que abriga a vida em uma multiplicidade de formas
maravilhosamente plural de uma rica biodiversidade – está doente. Está
com “pressão alta” (efeito estufa) e hipertermia. O desenvolvimentismo
aumenta o metabolismo social que aumenta o metabolismo entrópico
(conforme ensina a Segunda Lei da Termodinâmica).
Mas como ensina a
Economia Ecológica, é impossível manter um crescimento infinito em um
planeta finito.
A solução passa por uma diminuição drástica das emissões de gases de
efeito estufa (tanto do setor de produção de bens de consumo, como no
setor de transporte, assim como na pecuária e no manejo do solo para a
agricultura) e pelo aumento significativo das áreas de florestas. A
humanidade já desmatou metade das áreas de floresta do mundo. Artigo
publicado no blog #SavetheTrees mostra que o mundo planta 5 bilhões de
árvores por ano e desmata 15 bilhões de árvores. São duas árvores
derrubadas para cada habitante da Terra, um enorme holocausto biológico
que dificulta a captura de carbono. No ritmo atual todas as florestas do
mundo desaparecerão em 300 anos.
Mesmo o livro sobre “Os Limites do Crescimento” ou Relatório Meadows,
de 1972, que é considerado meio escatológico, não previu que as
mudanças climáticas aconteceriam de maneira tão rápida e carregariam um
potencial destruidor tão grande. Como mostra o livro “Enough is Enough”
(2010), o mundo precisa reduzir a pegada ecológica e também o número de
pés, ou seja, é preciso promover um decrescimento demoeconômico global
para diminuir a concentração de GEE na atmosfera (que provoca pressão
alta) e também a redução da temperatura para evitar a hipertermia do
Planeta.
Os estudos sobre as Fronteiras Planetárias, do Stockholm Resilience
Centre, indicam que as mudanças climáticas são o principal “limite
fundamental” que tem o potencial de conduzir o Sistema Terra a uma
situação apocalíptica. O aquecimento global é o elo fraco da corrente
que mantêm o equilíbrio homeostático do Planeta. Se a “pressão alta”
continuar e a “febre” não baixar, poderá haver um colapso da vida humana
e não-humana da Terra. Ecocídio e suicídio são fenômenos delineados no
horizonte do Antropoceno.