quarta-feira, 5 de junho de 2019

Câmara discute papel das unidades de conservação na economia

Câmara discute papel das unidades de conservação na economia



05 Junho 2019   |  
por Jaime Gesisky

Cada lâmpada acesa no Brasil tem uma contribuição das Unidades de Conservação (UCs), ainda que a maioria delas esteja localizada na Amazônia. O estudo "Quanto vale o verde?", que trata sobre a importância econômica dessas áreas protegidas estima que dependem das UCs mais de quatro a cada 10 megawatts de energia gerada em usinas hidrelétricas, que respondem por 65% da eletricidade produzida no país. Além disso, aproximadamente um a cada quatro litros de água consumidos no Brasil também dependem das UCs, na forma de proteção de mananciais.

Os benefícios proporcionados por áreas de proteção extrapolam os limites do território brasileiro. O estudo estima que as Unidades de Conservação estoquem uma quantidade de carbono equivalente a 4,6 vezes o total das emissões brasileiras em 2016, contribuindo para conter os efeitos das mudanças climáticas. Somados, os benefícios hídricos e o valor do estoque de carbono das UCs, chega-se a um benefício anual estimado em R$ 190 bilhões por ano.

Os dados acima foram organizados e agregados a uma série de outras análises técnicas e científicas em um manifesto lançado pela Coalizão Pró-Ucs nesta terça-feira (4) na Câmara dos Deputados. Criada há quatro anos, a coalizão reúne as ONGs que atuam no tema das UCs no Brasil, entre elas a SOS Mata Atlântica, IUCN, Semeia, Fundação Grupo O Boticário e WWF-Brasil. Realizado na véspera do Dia Mundial do Meio Ambiente, o evento reuniu pesquisadores, parlamentares, membros do Ministério Público e ONGs.

O manifesto que será entregue oficialmente ao Parlamento e à Procuradoria Geral da República serve para dimensionar a importância das áreas protegidas para a economia brasileira e o futuro das novas gerações.

O documento segue sua tese de defesa das UCs para o aproveitamento econômico mostrando que visitação em áreas protegidas continua tendo grande destaque como elemento de dinamização econômica. Cerca de 17 milhões de visitantes foram registrados em 2016, com impacto sobre a economia estimado até 6 bilhões anuais, correspondendo a uma geração de 133 mil ocupações de trabalho. A presença de UCs responde ainda por 44% do valor total do ICMS ecológico dos municípios de treze estados brasileiros. Esse valor foi estimado em R$ 776 milhões para o ano de 2015, afirma o texto.

“Outro aspecto que merece destaque é a importância das áreas protegidas para a saúde humana. Em um país com altas taxas de urbanização, os parques urbanos e naturais representam, em muitos contextos, os últimos espaços onde a população pode desfrutar de um encontro e de uma reconexão com a natureza”, lembrou Erika Guimarães, da ONG SOS Mata Atlântica, que leu o manifesto durante a sessão na Câmara.

Ela lembrou que recentes pesquisas mostram que estar na natureza é essencial para a saúde e para o bem-estar humano, com impactos positivos na redução do estresse e da depressão, recuperação de doenças e promoção estilos de vida mais saudáveis.

Mais proteção

Um dos organizadores do livro Quanto Vale o Verde?, o professor Carlos Eduardo Young, do Instituto de Economia da UFRJ participou da sessão na Câmara. Ele trouxe para o debate números de sua pesquisa que revelam que as áreas protegidas no país somam 1,6 milhão de quilômetros quadrados no continente e mais 963 mil quilômetros quadrados no mar. Essa extensão, segundo ele, equivale a 18% da área continental e 26% da área marinha, sob vários status de proteção.

O professor ressaltou que apenas 6% da área terrestre do Brasil encontra-se em unidades de proteção integral, que não permitem outras atividades econômicas para além do turismo. Dos restantes 12% que estão no grupo de uso sustentável (permitem outras atividades econômicas), 5,4% estão em APAs (áreas com pouquíssimas restrições ao uso da terra, inclusive com cidades e fazendas no seu interior) e as demais incluem áreas que permitem a produção madeireira sustentável e extrativismo de produtos como a castanha, açaí e borracha.

Essas atividades, defende o acadêmico, podem gerar significativa atividade econômica para o país e constituir importante meio de geração de trabalho e renda para as populações locais e tradicionais. Em 2016, a contribuição econômica da produção de peixe, camarão e caranguejo oriunda de UCs foi de R$ 29,2 milhões, com potencial de alcançar R$ 167 milhões anuais, se investimentos no fortalecimento das cadeias produtivas e no manejo dessas áreas forem feitos.

A maior parte das Unidades de Conservação brasileiras encontra-se na Amazônia. O Sistema Nacional de Unidades de Conservação registra 28,1% do bioma Amazônia protegido. O percentual de proteção é menor dos demais biomas: 9,5% da Mata Atlântica, 8,8% da Caatinga, 8,3% do Cerrado, 4,55% do Pantanal e 2,86% do Pampa.

Patrimônio em risco Um patrimônio de todos os brasileiros, construído em décadas de atuação conjunta que reuniu governos, cientistas e sociedade civil, as UCs nunca estiveram tão ameaçadas como agora, alerta o manifesto.

Os ataques vêm aumentado nos últimos anos no Congresso Nacional e assembleias legislativas estaduais, com uma séria de tentativas de alteração dos limites, redução do grau de proteção ou eliminação das unidades de conservação. Cerca de 70 eventos desse tipo já ocorreram no Brasil, afetando uma área total de mais de 110.000 km2, ou equivalente ao tamanho de Cuba. Conhecidos internacionalmente pela sigla PADDD (do inglês Protected Areas Downgrading, Downsizing, and Degazettement), esses eventos são motivados principalmente por projetos de infraestrutura, mineração e agronegócio.

Atualmente, dentre as principais ameaças estão a proposta de reabertura da Estrada do Colono (no Parque Nacional do Iguaçu), a redução do status de proteção do PN Campos Gerais, da Estação Ecológica de Tamoios – que o presidente da República disse querer transformar em uma “Cancún brasileira – e o Parque Nacional da Lagoa do Peixe. A pressão sobre as UCs também está na liberação de áreas para leilão de petróleo em Abrolhos, no litoral da Bahia, além da proposta do Ministério do Meio Ambiente, feita sem qualquer justificativa razoável, de revisar os limites e categorias de todas as UCs federais.

Apenas nas duas primeiras semanas de maio, a área desmatada nas Unidades de Conservação da Amazônia soma mais da metade de tudo o que foi derrubado nos nove meses anteriores, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O aumento do ritmo das motosserras provavelmente está associado ao relaxamento na fiscalização ambiental, com significativa redução nos números de autuações por parte do ICMBio e IBAMA.
© WWF-Brasil Enlarge

Brasil já reverteu proteção ambiental de 86 áreas, revela estudo

Brasil já reverteu proteção ambiental de 86 áreas, revela estudo

Estudo analisou 125 anos de reversões de áreas protegidas.

Reduzir ou até eliminar áreas de proteção ambiental são ações mais comuns do que se imagina. A partir da compilação de dados, disponíveis globalmente, um estudo conduzido por brasileiros e norte-americanos alerta para este fato tendo como recorte os Estados Unidos e os nove países da Amazônia.
A pesquisa usa a sigla PADDD (Protected Area Downgrading, Downsizing and Degazettement) para designar eventos de recategorização, redução e extinção de áreas protegidas -, tudo feito de forma legal. Segundo o documento, os governos dos Estados Unidos e dos países amazônicos promulgaram 269 e 440 eventos PADDD, respectivamente. O estudo analisou 125 anos de reversões de áreas protegidas, concluindo que 78% das mudanças ocorreram a partir dos anos 2000.

Principais resultados da Amazônia

 

– Os governos de sete países da Amazônia promulgaram 440 reversões de 245 áreas protegidas pelo estado (322 recategorizações, 86 reduções de tamanho e 32 extinções de proteção legal) entre 1961 e 2017.

– No Brasil, 86 reversões foram promulgadas e 60 foram propostas entre 1971 e 2017. Juntas, elas afetam cerca de 30 milhões de hectares de áreas protegidas.

– As reversões na Amazônia são extensas, com 75% de ecorregiões e 21% de áreas de biodiversidade importantes sendo atual ou potencialmente afetadas.


Destrinchando perdas 

 

 

Entre os países da Amazônia, as reduções e extinções variam muito de acordo com as estruturas legais que regem cada área de preservação. O estudo exemplifica o caso da Bolívia, que autoriza atividades extrativas em certas áreas protegidas, ou seja, quando se é emitido licenças para petróleo ou gás nestes parques nacionais, eles não se enquandram no chamado PADDD. As taxas mais altas de alteração na Colômbia (85%) e Peru (43%) surgiram após reformas em leis de nível nacional que autorizam mineração, agricultura e infraestrutura. Já no Brasil, com 48% das reversões os eventos promulgados ou simplesmente propostos, entre 2010 e 2017, ocorreram principalmente para autorizar barragens de energia hidrelétrica.


Entre 1892 e 2017, os EUA removeram as proteções de mais de 15 mil quilômetros quadrados de áreas. Exemplo disso é o Parque Nacional de Yellowstone: o mais antigo parque nacional no mundo. Foi protegido por lei a partir de 1872, porém já em 1892 perdeu parte de sua área para construção de rodovias e, em 1905, perdeu mais 30% de proteção para permitir a exploração florestal e a mineração. Além de oito florestas nacionais que foram reduzidas para permitir a construção da infraestrutura de esqui.


Em 2017, ainda foram aprovados o desenvolvimento de petróleo e gás no Refúgio Nacional de Vida Selvagem do Ártico. No mesmo ano, o presidente Trump promulgou as duas maiores reduções na história dos EUA nos monumentos nacionais  de Bears Ears e Grand-Staircase Escalante em 85% (466 hectares) e 51% (349 hectares), respectivamente.


O estudo ainda ressalta que nem todas as mudanças ocorreram para pior: mudanças nas regulamentações permitem provisoriamente que as tribos nativas americanas colham plantas para fins tradicionais de subsistência. “Respostas políticas estratégicas são necessárias para abordar o PADDD e sustentar áreas protegidas eficazes”, afirma o estudo.

Futuro incerto

 

“Os números globais apresentados são estimativas conservadoras porque os documentos legais permanecem inacessíveis em muitos países”, diz o estudo. Isso quer dizer que o cenário real pode ser ainda pior. Embora haja exceções, a maioria dos casos listados no documento estão associados à extração e ao desenvolvimento de recursos em escala industrial. Talvez por isso, em entrevista ao G1, Bruno Coutinho, que é coautor do estudo, ressaltou que a perda de áreas ambientais significam perdas econômicas a longo e médio prazo.


“Nossa pesquisa mostra que as áreas protegidas não são necessariamente permanentes e podem ser revertidas. As proteções perdidas podem acelerar o desmatamento florestal e as emissões de carbono, colocando nosso clima e nossa biodiversidade global em um risco ainda maior”, disse Rachel Golden Kroner, cientista social da Conservation International, autora principal do estudo e doutoranda na George Mason University.


O estudo intitulado “O futuro incerto das terras e águas protegidas” revela a preocupação de que nenhuma proteção é garantida para sempre e isso pode trazer consequências ainda subestimadas. A pesquisa foi conduzida por pesquisadores George Mason University e Conservation International e publicada na revista Science.

Desmonte de política ambiental prejudicará exportações brasileiras

30-05-2019, 8h02

Desmonte de política ambiental prejudicará exportações brasileiras

Ricardos Sales não está interessado em defender meio ambiente

Kennedy Alencar
São Paulo

O paulatino desmonte da política ambiental deverá trazer consequências econômicas negativas para os exportadores do agronegócio brasileiro.

O ministro Ricardo Salles não está interessado em defender o meio ambiente. Salles tem atuado no sentido de derrubar políticas construídas ao longo dos últimos trinta anos. Recentemente, diluiu a representação da sociedade civil no Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), ampliando a presença de um Executivo hostil aos ambientalistas.

Ontem, a Câmara afrouxou regras do Código Florestal. O Senado não deve ter tempo de analisar as mudanças feitas por medida provisória. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), disse ontem que essa MP deverá caducar. Essa medida provisória perdoaria desmatadores e não exigiria recomposição de áreas destruídas.

Nas últimas décadas, a agricultura e a pecuária brasileira conquistaram mercados internacionais enquanto o país melhorava os seus controles de preservação ambiental.

Destruir esses controles deverá levar países que importam produtos brasileiros a retaliar nossos exportadores. A questão ambiental é levada a sério no plano internacional. Um país como o Brasil, uma potência ambiental, deveria medir as consequências sistêmicas de uma política pró-ruralistas que deverá se tornar um tiro no pé.

Ambientalistas alertam para o crescimento do desmatamento no Brasil. Se os números da gestão Bolsonaro confirmarem aumento significativo da devastação, exportadores brasileiros vão ser prejudicados no médio e no longo prazo.
*
Civilizacão é preciso
O STF (Supremo Tribunal Federal) acertou ao proibir que gestantes e lactantes trabalhem em locais insalubres, derrubando ponto da reforma trabalhista. Na salada de frutas em que se transformou a relação entre Poderes no Brasil, pode-se criticar eventual voracidade legiferante do Judiciário.
Mas, nesse caso, há consistência na sustentação jurídica do STF ao considerar princípios constitucionais na decisão tomada ontem.

Enzimas formam tesoura molecular que destrói PET

Enzimas formam tesoura molecular que destrói PET

Enzimas prometem
As duas enzimas em conjunto prometem cortar o PET em seus blocos constituintes básicos, que poderão então ser usados para fabricar PET novo. [Imagem: Martin Künsting/HZB]

Enzimas que comem PET
Em 2016, um grupo de pesquisadores japoneses descobriu uma bactéria que cresce no PET (polietileno tereftalato), o material das garrafas de refrigerante, e se alimenta parcialmente do polímero tão difícil de degradar.

Eles descobriram que a bactéria Ideonella sakaiensis possui duas enzimas especiais, PETase e MHETase. A PETase decompõe o plástico em blocos de construção de PET menores, principalmente o MHET, e a MHETase divide esse MHET em dois blocos precursores básicos do PET, o ácido tereftálico e o etilenoglicol.

Ambos os componentes são muito valiosos para sintetizar PET novo sem a adição de petróleo - para um ciclo de produção e recuperação sustentável e fechado.

PETase e MHETase
Para desfrutar de todo o potencial dessa dupla, porém, é necessário desvendar a estrutura tridimensional das duas enzimas, permitindo a construção de versões sintéticas otimizadas, que não atendam apenas às necessidades das bactérias, mas à necessidade de lidar com imensos volume de lixo.

Em abril de 2018, a estrutura da PETase foi finalmente resolvida de forma independente por vários grupos de pesquisa. Agora, Gottfried Palm e colegas da Universidade Greifswald, na Alemanha, desvendaram a estrutura da MHETase.

"A MHETase é consideravelmente maior que a PETase e ainda mais complexa. Uma única molécula de MHETase consiste em 600 aminoácidos, ou cerca de 4.000 átomos. A MHETase tem uma superfície que é aproximadamente duas vezes maior do que a superfície da PETase e tem, portanto, um potencial consideravelmente maior de otimização para a decomposição do PET," disse o professor Gert Weber.

Decifrar a estrutura permitiu que os pesquisadores vissem exatamente onde a molécula MHET, produzida pela PETase, se liga à MHETase, onde é quebrada em seus dois componentes formadores.
Com isto, foi possível produzir uma variante MHETase com atividade otimizada, a fim de utilizá-la, juntamente com a PETase, para uma reciclagem sustentável do PET. Os resultados foram tão promissores que a equipe chamou o composto de "tesoura molecular para cortar PET".

Enzimas prometem
Estrutura da MHETase. [Imagem: Palm et al. - 10.1038/s41467-019-09326-3]
Ciclo biotecnológico
Foi um primeiro passo, mas otimizações adicionais serão necessárias porque nem a PETase e nem a MHETase são particularmente eficientes do ponto de vista de uma reciclagem em escala industrial.
A equipe planeja complementar esses estudos de otimização com trabalhos sobre estruturas biológicas, a fim de desenvolver sistematicamente enzimas de digestão de plástico para aplicações ambientais.

Produzir esses tipos de enzimas em ciclos biotecnológicos fechados, por exemplo, pode ser uma maneira de quebrar os plásticos PET e outros polímeros em seus blocos básicos. Esta também seria a chave para uma solução de longo prazo para a reciclagem dos resíduos plásticos: A produção de plástico seria um ciclo fechado e não mais dependente do petróleo.

Bibliografia:

Structure of the plastic-degrading Ideonella sakaiensis MHETase bound to a substrate
Gottfried J. Palm, Lukas Reisky, Dominique Böttcher, Henrik Müller, Emil A. P. Michels, Miriam C. Walczak, Leona Berndt, Manfred S. Weiss, Uwe T. Bornscheuer, Gert Weber
Nature Communications
Vol.: 10, Article number: 1717
DOI: 10.1038/s41467-019-09326-3

Agrotóxicos liberados pelo governo intoxicaram 92 crianças e funcionários em escola de Goiás

Agrotóxicos liberados pelo governo intoxicaram 92 crianças e funcionários em escola de Goiás

In Agrotóxicos, De Olho na Comida, Em destaque, Empresas brasileiras, Principal, Últimas
Lista com 31 agrotóxicos autorizados pelo governo inclui formulações dos inseticidas Lambda-Cialotrina e Tiametoxam, pulverizados em 2013 sobre a Escola Municipal São José do Pontal, em Rio Verde; já são 197 registros concedidos no ano

Por Bruno Stankevicius Bassi, de Brasília

Componentes de agrotóxico que causou intoxicação de 92 pessoas tiveram novos registros liberados em maio. (Foto: Reprodução)
A manhã de 3 de maio de 2013 parecia ser mais um dia comum na rotina dos alunos e funcionários da Escola Municipal Rural São José do Pontal, localizada no assentamento Pontal dos Buritis, em Rio Verde (GO). Parecia.

Durante o recreio, enquanto as crianças brincavam na área externa, um avião da empresa Aerotex Aviação Agrícola,  contratada para pulverizar uma plantação de milho vizinha, despejou acidentalmente uma nuvem do pesticida Engeo Pleno. Ao todo, 92 pessoas apresentaram sintomas de intoxicação aguda, como náusea, falta de ar, coceira na pele e dores de cabeça.

O Engeo Pleno é fabricado pela multinacional suíça Syngenta. A empresa e a Aerotex foram condenadas, em 2018, ao pagamento de danos morais coletivos em sentença do Ministério Público Federal (MPF). O agrotóxico leva em sua formulação dois inseticidas, o Tiametoxam e a Lambda-Cialotrina. Ambos aparecem na lista de 31 produtos liberados pelo Ministério da Agricultura na última semana.

Com o Ato nº 34, o governo amplia seu recorde no registro de novos agrotóxicos para 197 rótulos liberados desde janeiro. Desse total, 44% são classificados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como “extremamente tóxicos” ou “altamente tóxicos” – classes I e II, respectivamente – e 26% são proibidos na União Europeia.

IBAMA PROIBIU PULVERIZAÇÃO DE INSETICIDA EM 2012

Pulverização aérea do Tiametoxam está ligada à morte de abelhas. (Foto: Reprodução/RBS)
Registrado pela consultoria paulista Syncrom Assessoria e Comércio de Produtos Agropecuários Ltda, o Tiametoxam pertence ao grupo dos neonicotinóides, derivados da nicotina, cujo uso tem sido associado à morte em massa de abelhas no Brasil e na Europa.

Apesar de ser classificado pela Anvisa como “medianamente tóxico”, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) desautorizou em 19 de julho de 2012 – dez meses antes do caso Rio Verde – a pulverização aérea do Tiametoxam e de outros três neonicotinóides e seus derivados devido à sua toxicidade elevada para insetos polinizadores.

A proibição serviu como base principal para a sentença do MPF que condenou a Aerotex Aviação Agrícola Ltda e a Sygenta Proteção de Cultivos Ltda ao pagamento de R$ 150 mil em danos morais coletivos aos alunos e funcionários da escola São José do Pontal. Segundo as empresas, o próprio Ibama havia revogado temporariamente a proibição através do Ato nº 1, de 2 de outubro de 2012. No entanto, a revogação valia apenas para as culturas de arroz, cana-de-açúcar, soja e trigo, sem menção à pulverização aérea sobre milharais.

Gravado em 2018 pela cineasta Dagmar Talga, o documentário “Brincando na Chuva de Veneno: cinco anos depois” mostra os impactos do episódio na vida de alunos, professores e funcionários da escola, que, além dos efeitos diretos da intoxicação, incluem a discriminação e a perseguição política contra os atingidos.

FABRICANTE INDIANA É LIGADA À MORTE DE 28 CAMPONESES

Entre os 31 agrotóxicos liberados pelo Ato nº 34, oito são classificados pela Anvisa como “extremamente tóxicos”, incluindo uma formulação do inseticida Lambda-Cialotrina, um dos princípios ativos do Engeo Pleno da Syngenta, cujo registro foi concedido à AllierBrasil Agro Ltda.
Fabricado na Índia pela GSP Crop Science, o rótulo é o segundo pesticida classe I registrado pela empresa em 2019. Em março, no Ato nº 17, a AllierBrasil recebeu a liberação para outro produto indiano, o fungicida Captana, indicado para culturas de alho, cebola, batata e pepino, além de frutas como maçã, melancia, melão, pêssego, tomate, uva e cítricos.

Outra empresa indiana recorrente nas aprovações do Ministério da Agricultura é a Gharda Chemicals, dona da patente de quatro agrotóxicos autorizados em 2019, dois deles aprovados na última semana. Uma das maiores fabricantes de agrotóxicos do mundo, a empresa foi acusada em 2017 pelo governo do estado de Maharashtra pela morte de 28 camponeses em decorrência de contaminação pelo pesticida Police.

Considerado “extremamente tóxico”, o inseticida Indoxacarbe da Ghada teve registro concedido a duas empresas estrangeiras, a indiana Sulphur Mills do Brasil Importação e Exportação de Produtos Agrícolas Ltda e a paraguaia Tecnomyl Brasil Distribuidora de Produtos Agrícolas Ltda.

ADAMA É RECORDISTA NO ANO, COM 17 REGISTROS

Camponesas ocuparam fábrica da Adama em 2015. (Foto: MST)
A lista de produtos com grau elevado de toxicidade continua com duas empresas estrangeiras autorizadas a comercializar o fungicida Difenoconazol, tido como possível causador de câncer de fígado pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA, na sigla em inglês).

Fruto de uma joint venture entre grupos chineses e israelenses, a Adama Brasil é a recordista em número de rótulos autorizados em 2019, com 17 pedidos deferidos, sendo seis”extremamente tóxicos”. Em 2015, a empresa teve uma de suas fábricas ocupadas por mulheres sem-terra.
A FMC Química do Brasil Ltda, por sua vez, faz parte do grupo estadunidense FMC Corporation, oitavo maior fabricante de agrotóxicos do planeta, multado em US$ 1 milhão após infringir um regulamento da EPA que restringe anúncios relacionados a pesticidas em 2017.

Junto com a Dow AgroSciences e a Makhteshim Agan (comprada pela Adama), a FMC pressionou o governo dos Estados Unidos para que ignorasse um estudo encomendado pela EPA que identificou a contaminação por pesticidas organofosforados em 38 espécies marinhas ameaçadas de extinção.
Fecham a lista de empresas beneficiadas pelas liberações as brasileiras Nortox S/A, América Latina Tecnologia Agrícola Ltda e Ouro Fino Química S/A, que receberam o registro de três formulações diferentes do glifosato.

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Rússia diz que pode restringir soja do Brasil, quer menor uso de pesticidas

Rússia diz que pode restringir soja do Brasil, quer menor uso de pesticidas

BRASÍLIA (Reuters) - O governo da Rússia informou ao Brasil que poderá adotar restrições temporárias à importação de soja se os produtores brasileiros não reduzirem a quantidade de pesticidas —especialmente herbicidas com o ingrediente glifosato— nos grãos vendidos ao país.

Avião lança produto sobre plantação de soja perto de Palmeirante 16/02/2018 REUTERS/Ueslei Marcelino
A informação foi publicada pelo Serviço Federal de Vigilância Veterinária e Fitossanitária da Rússia e enviada ao Ministério da Agricultura brasileiro, que confirmou à Reuters o recebimento do comunicado russo.

Na nota, os russos afirmam que informaram o governo brasileiro sobre a necessidade de tomar medidas urgentes para garantir o cumprimento dos regulamentos técnicos da União Aduaneira sobre a segurança dos grãos em termos de conteúdo de pesticidas nos produtos enviados à Rússia.
A Rússia ainda alertou sobre “possível introdução de restrições temporárias à importação de soja do Brasil em caso de falha do lado brasileiro em adotar medidas corretivas o quanto antes”.

A exportação de soja do Brasil para os russos representa uma parcela pequena dos embarques totais do país, que somaram no ano passado um recorde de 83,8 milhões de toneladas, tendo a China como o principal cliente.

Os embarques brasileiros para a Rússia em 2018 somaram 1,09 milhão de toneladas, praticamente estável ante o volume de 2017, de acordo com dados do governo federal.

Em sua nota, os russos destacam o alto grau de toxicidade para humanos e animais do glifosato, um dos pesticidas mais usados na agricultura brasileira. Alguns países europeus, como Suécia e Dinamarca, baniram o uso do produto.

No Brasil, no entanto, o herbicida é defendido como essencial para manter a produção de larga escala da agricultura brasileira.

Em setembro do ano passado, quando uma decisão judicial determinou a suspensão do registro de produtos à base de glifosato —liminar depois derrubada— o então ministro da Agricultura Blairo Maggi, ele mesmo um empresário do setor, afirmou que seria inviável produzir no Brasil sem o produto.

A maior parte da soja do Brasil é transgênica, resistente a herbicidas à base de glifosato.
Entre as empresas que comercializam a soja resistente ao glifosato está a Bayer, que comprou a norte-americana Monsanto.

LIMITES RUSSOS 

 

Segundo nota do Ministério da Agricultura, autoridades russas comunicaram a detecção de traços de glifosato em carregamento de soja proveniente do Brasil em “níveis mais de cem vezes inferiores aos limites acordados no Codex Alimentarius.”

Esses níveis, disse o ministério, “não constituem, portanto risco à saúde”.

“No Brasil, o limite máximo permitido é de 10 ppm, valor mais rigoroso que o definido no Codex Alimentarius (20 ppm), mas superior ao estabelecido pelas autoridades russas, que é de 0,15 ppm.”
Dessa forma, as autoridades brasileiras iniciaram processo de averiguação e investigação interna e estão em contato com suas contrapartes russas.

Procurada, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), que representa exportadores de soja, afirmou não ter sido notificada até o momento sobre qualquer restrição de autoridades russas sobre cargas originadas no país.

“O Brasil exporta produtos de altíssima qualidade do complexo de soja para 170 países. É parceiro em negócios com a Rússia há muitos anos. Caso haja essa notificação, a cadeia produtiva nacional está aberta a tratar de todos os temas relacionados a boas práticas no comércio internacional da soja em grão e seus derivados”, disse a Abiove.

Reportagem de Lisandra Paraguassu; edição de Roberto Samora