[EcoDebate]
O comentário a seguir feito pelo notável José Goldemberg, uma década e
meia atrás, além de oferecer uma analogia sugestiva que facilita o
entendimento de como chegamos a esse atual modelo de civilização
insustentável do ponto de vista ecológico, ainda permite questionar a ideologia do crescimento econômico como um todo: “Economias
vibrantes significam mais ´progresso`, empregos, melhores salários e as
amenidades que o dinheiro pode comprar. Apesar de centenas de milhões
de pessoas ao redor do mundo continuarem abaixo da linha de pobreza,
outras centenas de milhões progrediram, sob muitos pontos de vista, no
último século. Este progresso tem um custo ambiental, porque à medida
que o consumo aumenta é preciso ampliar a área dedicada à agricultura,
construir novas indústrias, estradas e outros meios de comunicação. É
impossível ter isso tudo sem interferir no meio ambiente em que
vivemos”. (1)
Pois
bem, sem tirar os olhos do que se passa na conturbada província da
economia – notadamente quanto ao fato de o crescimento econômico pautar o
estilo de vida dominante nas modernas sociedades industriais – é
possível afirmar, sem exagerar na dose de otimismo, que tem diminuído o
número daqueles que colocam em dúvida que o alcance de “progresso”
promove sérios e impactantes “custos ambientais”, cabendo citar, entre
outros, a exaustão crescente dos recursos naturais, a avassaladora perda
de biodiversidade, o aumento da poluição do ar e da água, a degradação
dos solos, o aumento do desmatamento (desflorestamento) facilitando
tanto a expansão do agronegócio como a especulação fundiária e o
comprometimento dos ecossistemas.
Situações que aumentam, grosso modo,
o peso e as complexidades que cercam o modo de viver da comunidade
humana; principalmente das populações mais vulneráveis, vítimas em
potencial dos “custos sociais” da sociedade industrial de crescimento.
Cabe reforçar: esse progresso orientado pelo crescimento econômico definido pelo aumento do PNB per capita,
desde há muito tem sido colocado pelas forças produtivas como a única
possibilidade de fazer avançar a vida social moderna, fortalecendo
a ideia-corrente (peça-chave) de que, se a economia global se tornar
cada vez maior, a sociedade contemporânea estará melhor. Ao consolidar a
busca de crescimento econômico ininterrupto como algo extremamente
relevante – não importa o que cresça, como cresça e para quem cresça,
desde que cresça de forma acelerada, assim opinam seus proponentes – a
economia convencional, de imediato, coloca em curso a lógica do mercado,
ou seja, “transforma” a vida social numa experiência de duas ordens, a
produtivista e a consumista; como “se a sociedade não fosse nada além de uma grande linha de produção”, como escreve o historiador holandês Rutger Bregman. (2).
Obviamente
tudo isso é feito sem que se leve em conta – e aí está um primeiro erro
crasso – um pressuposto básico, a existência de limites dada pela
natureza (matriz de tudo) à expansão da atividade humana. Como a
expansão econômica, a rigor, não ocorre com a justa finalidade de
atender exclusivamente as ilimitadas necessidades da comunidade humana
(algo impossível, dada a finitude de recursos), mas sim para continuar
“alimentando” a lógica capitalista – acúmulo de capital e do consumo,
privilégio para que poucos acessem à riqueza, mais lucros, e muito mais
resultados econômicos -, a partir daí se constrói com relativa habilidade a falsa promessa de que a conquista material, per si, cumpre o papel de facilitar a ascensão social de cada indíviduo; como se a demanda da humanidade por coisas materiais não ultrapassasse a capacidade de reposição do planeta.
Ora,
aceitar que é possível crescer materialmente (de forma ilimitada) sem
afetar ou comprometer a base de recursos da natureza é ignorar a
assertiva de que a atividade econômica – observando-se o processo linear, isto é, extrai-produz-descarta-polui – é apenas um subsistema de
algo maior, o meio ambiente. Insistir na crença de que é plenamente
possível um crescimento econômico contínuo (ideologia dominante) é
menosprezar, em partes e no todo, a causa ecológica, principalmente a
necessidade cada vez mais premente do equilíbrio planetário e o
consequente respeito aos limites ecológicos.Desnecessário dizer que isso dificulta converter
o desenvolvimento (condição almejada por todos porque responde pela
melhoria dos padrões de vida social) em três fundamentais esferas: numa
tarefa economicamente eficiente; num padrão socialmente includente e,
por fim; numa visão ecologicamente equilibrada.
Assim,
cabe deixar em evidência que o problema se agrava um pouco mais porque,
uma vez obcecados pela busca de crescimento econômico (ponto medular da
macroeconomia convencional), os proponentes do modelo
econômico dominante não hesitam em tratar a Terra (e tudo o que nela
contém) de duas maneiras bastante grotescas. Primeiro, como um
gigantesco reservatório (espécie de fonte) de recursos naturais para
“alimentar” a fome voraz de mais
crescimento; e, em segundo, como um depósito (espécie de fossa) para
descarregar os resíduos tóxicos do processo de industrialização.
Falando às claras, é dado perceber que tudo acontece como se de fato vivêssemos num Reino da Fantasia, onde o meio ambiente (environment)
(3) fosse um imenso “banco” de recursos naturais em que se pode ir lá e
fazer frequentes e exaustivas retiradas (recursos, energia) para
abastecer a industrialização gananciosa do mundo atual; como se o
processo econômico pudesse mesmo “funcionar” livre, leve e solto, sem
troca contínua com o meio ambiente. Note-se que isso pressupõe ignorar
(mais um erro crasso) que as atividades econômicas estão limitadas pela
capacidade de carga dos diferentes ecossistemas da Terra. Não considerar
os
limitados recursos ecossistêmicos como uma restrição à expansão
econômica, ouso acreditar, equivale a ignorar que a desejável qualidade
de vida (o bem viver) depende sobretudo da diminuição da pegada
ecológica.
Uma
vez alcançado esse ponto, é bom que se esclareça algo central: o fluxo
de benefícios produzidos por um ecossistema inclui funções essenciais
para a sobrevivência dos humanos e de outras espécies, o que implica
dizer, sem delongas, e para contragosto das forças dominantes, que o
“que” realmente sustenta a vida na Terra são os ecossistemas.
Sem os
serviços ecossistêmicos, isto é, sem a disponibilidade de água potável, a
regulação do clima, a biodiversidade, a fertilidade do solo etc, não há
produção de absolutamente nada; tampouco há alguma maneira possível de a
vida (como a conhecemos) prosperar com alguma qualidade ou ainda de a
economia existir, no que toca à sua tarefa principal, crescer
transformando recursos em produtos.
E
para que não mais se fira à inteligência com o tosco argumento corrente
de que a melhoria do padrão de vida passa indubitavelmente pelo aumento
da capacidade de produção econômica, insisto num argumento bastante
simples de ser entendido: não é possível (nem mesmo imaginável) conceber
uma economia dissociada da natureza, visto que não há (eis outra
impossibilidade) atividade econômica e humana sem uso de água, energia,
matéria, fotossíntese ou uso de solos e pradarias, por exemplo.
De tal modo, não deixa, assim, de ser curioso senão paradoxal, ouvir o argumento em voga dos economistas do crescimento (apóstolos do expansionismo industrial e êmulos à ideia de prosperity without growth)
de que o principal fundamento da macroeconomia pode sim, a bel-prazer,
se esparramar por aí sem, no entanto, implicar em significativos custos
ambientais. Ora, é preciso convir que isso violenta de tal maneira a
realidade que chega a causar indignação.
É
difícil imaginar que a ideia de crescimento (verdadeiro dogma da
modernidade) não compromete da pior forma possível a natureza, quando se
sabe que o ato de produzir, na verdade, é uma ação de transformação,
como foi dito acima. Assim como é igualmente difícil imaginar que o
crescimento, sozinho, é capaz de assegurar tanto a prosperidade quanto a
manutenção do mundo vivo, quando “amparado” sob a perspectiva do
conhecido e propagado termo sustentável.
Vem daí uma primeira pergunta básica: como sustentar
(no sentido direto de manter o equilíbrio, a resistência) um constante
crescimento (verdadeiro oximoro, registre-se) da produção econômica que
ocorre “dentro” de um sistema complexo, a Terra, que, além de ser dotada
de recursos limitados, jamais aumentará de tamanho?
Dito
isso, é oportuno lembrar (desejando ressaltar) que a economia é um
sistema aberto inserido num sistema finito e materialmente fechado (a
Terra) que somente se “abre” para a energia solar. Falando de forma
simples, assim é a Terra, um “corpo” finito e não crescente que recebe
um fluxo de energia (luz solar) e devolve calor dissipado. Portanto,
quero crer que está muito claro que o crescimento ininterrupto de um
subsistema (a economia) dentro de um “corpo finito” é, pois, uma
impossibilidade.
E cada vez que se aproxima dos limites planetários,
esse “crescimento” se converte – vale enfatizar essa passagem – num
fator gerador de desequilíbrio e custo. O custo advém do fato de a
economia ser um sistema dissipativo sustentado por um fluxo metabólico,
como escrevem José Eli da Veiga e Andrei Cechin. (4)
Vale
o esforço da explicação: metabolismo social (ou metabolismo
socioambiental) deve ser descrito como a troca energética e de material
entre os seres humanos e seu meio ambiente natural, aproximando-se do
nível de esgotamento do capital natural e devolvendo ao mundo vivo todas
as formas de poluição, sem que levante preocupações acerca da
possibilidade de regenerar o ambiente natural. Ocorre que todo esse
processo de fluxo metabólico se inicia com a utilização e consequente
escasseamento dos recursos naturais e, como é fácil presumir, termina
com a devolução à natureza de mais poluição.
Mas
não estranhe: tudo isso, de certa forma, ainda é um assunto nevrálgico
que permanece quase que ignorado pela economia convencional
(neoclássica, no uso rigoroso do termo) que insiste em observar o meio
ambiente, a biosfera, apenas como “partes” da macroeconomia; daí a
relutância em responder, por exemplo, algumas outras perguntas básicas,
tais como: i) que ritmo de crescimento é possível?; ii) quanto se pode tirar de recursos da natureza e quanto se pode devolver de resíduos ao ambiente natural via atividade econômico-produtiva, ou seja, mais produção, mais transformação de recursos e muito mais energia dissipada (maior entropia)?; iii) como
conciliar a voracidade da produção econômica num mundo ecológico
limitado e como combinar a verdadeira prosperidade (desenvolvimento, e
não crescimento) almejada por todos sem destruição ecológica provocada
justamente pela política de crescimento?
Detalhe importante: como reconhecidamente estamos num sistema de economia que
se especializou em desarranjar os processos naturais essenciais para a
manutenção da vida no planeta, e dado o claro predomínio da “ditadura do
PIB/PNB” (indicadores associados ao desempenho econômico e ao sucesso
das nações) que até mesmo visa orientar o destino humano, cada vez fica
mais difícil em nossas relações cotidianas assimilar a orientação
deixada pelo pensador austríaco Ivan Illich (1926-2002) de que
precisamos nos desacostumar ao crescimento.
De
um tipo de crescimento, reitera-se, inclinado a aumentar o tamanho da
economia, e nem tanto em melhorar essa economia; por isso a pergunta
lançada recentemente pelo venerável Joseph Stiglitz merece todo o
destaque possível: de que vale o PIB crescer, se a maior parte dos
cidadãos está pior? (5)
Para
aumentar a dose de provocação convém levantar outra indagação: de que
vale estimular o aumento quantitativo (essência do crescimento) quando
não raras vezes se secundariza o fator qualitativo (essência do
desenvolvimento)? Aos fervorosos devotos da política de crescimento,
convém lembrá-los, nesse meio-tempo, que foi o próprio Simon Kuznets
(1901-1985), criador do PIB, no começo dos anos 1960, que taxativamente
afirmou que é (…) preciso levar em conta distinções entre quantidade e
qualidade de crescimento, entre custos e rendimentos, entre curto e
longo prazo. Foi Kuznets que didaticamente assim escreveu: “metas de
crescimento devem especificar o que deve crescer e para qual fim”. (6)
De
certo modo, isso é uma agressão ao modo de pensar dos arautos do
crescimento, haja vista que “a ideia de uma economia que não cresça é
anátema para o economista”, como escreve o britânico Tim Jackson; assim
como, continua ele escrevendo, “uma economia de crescimento contínuo é
anátema para o ecologista”. (7)
Polêmicas
à parte, importa dizer que essa tensão retórica (tornando válido esse
termo) se deve ao fato (ao menos assim se supõe) de o crescimento da
economia ser visto como a pedra angular da ideia de progresso social, o
que ajuda a consolidar o sentimento defendido pelos economistas com
visão de mundo utilitarista – herdeiros de J. Bentham (1748-1832) – de
que não há nada mais além da expectativa do crescimento econômico; como
se isso fosse, note-se bem a abrangência do assunto, a razão de tudo.
Dado
o que já foi colocado aqui, à luz de razoável bom senso parece mesmo
que o jornalista econômico David Pilling tem toda a razão quando
provocativamente afirma que “só na economia a expansão interminável é
vista como virtude. Em biologia, isso se chama câncer”. (8)
No
entanto, o problema e a tensão persistem. Como tudo é mercantilizável
(por isso o PIB mede somente a parte da economia que é mercantilizada), e
enquanto se avança no erro de confiar ao mercado o cuidado da sociedade
e da vida das populações, um tanto mais se consolida o erro (outro)
acintoso de sempre exigir crescimento infinito num planeta finito, como
se realmente isso fosse possível e realizável. Objetivamente falando,
acreditar nessa possibilidade (que não faz sentido) é cair na estupidez
de conjecturar que a economia acontece no vazio, sem fazer uso de
matéria e energia vindas da natureza. E mais: é ignorar a possibilidade
de que, em alguns casos, pode ocorrer aquilo que Herman Daly chama de
“crescimento antieconômico”; isto é, quando os custos costumam ser
maiores que os benefícios.
Assim, para o bom entendimento, é válido ter em conta que o
crescimento econômico vai só até certo “ponto” (desconhecido). Uma vez
ultrapassado esse “ponto” não há melhorias, mas sim perdas
significativas, começando pela qualidade do ar que respiramos e pela
devastação ambiental, afetando sobretudo a qualidade de vida nas
cidades.
Se há então algum edificante conselho a ser seguido, esse certamente deve ser o de parar (dar um stop)
a atividade econômica no momento exato em que os custos novos se
igualam aos novos benefícios; nesse caso, abusando do “economês”, se diz
que o custo marginal é igual ao benefício marginal.
Exposto
isso, a conclusão de imediato soa assim: crescimento além dos limites
do planeta é sinônimo de desequilíbrio imposto ao meio ambiente. Mais economia (produção de qualquer coisa) significa menos meio ambiente; mais crescimento implica em menos natureza, uma vez que, goste-se ou não, “todo crescimento sempre é uma depleção”, nos ensina José Eli da Veiga.
Aliás, é bom que se diga que qualquer crescimento
que ultrapassa “limites” (seja qual for a delimitação em questão) tende
a gerar problemas. Isso acontece até mesmo com o corpo humano (a
acromegalia é um exemplo disso, principalmente quando ocorre na infância
ou na adolescência). Na economia não é diferente; na natureza também
não o é. A propósito, escreveu Nicholas Georgescu-Rogen (1906-1994): não
há nada na natureza que cresça continuamente de forma saudável. (9)
Por
fim, fica aqui o profícuo recado deixado tempos atrás por dois dos
nomes mais representativos da militância ecológica brasileira, Antonio
Lago e José Augusto Pádua. Escreveram eles: “A ecologia nos mostra a
dimensão dos riscos que estamos correndo, cabe a nós construir as
oportunidades” (10).
Construir
as oportunidades, ouso opinar, implica imaginar meios de reorientar os
rumos do planeta, procurando construir o quanto antes uma nova economia
devidamente combinada à conscientização ecológica. Talvez assim
consigamos preparar as bases de uma civilização verdadeiramente humana.
Notas:
(1) J. GOLDEMBERG. “Progresso e meio ambiente”, artigo publicado em O Estado de S. Paulo, 18 de abril de 2006
(2) R. BREGMAN. “Utopia para realistas – Como construir um mundo melhor”. São Paulo: Sextante, 2018, (p.101)
(3)
Usando a definição empregada pelas Nações Unidas, MEIO AMBIENTE é o
conjunto de componentes físicos, químicos, biológicos e sociais capazes
de causar efeitos diretos ou indiretos, em um prazo curto ou longo,
sobre os seres vivos e as atividades humanas.
(4) A. CECHIN & J. E. VEIGA. “O fundamento central da Economia Ecológica”, in PETER H. MAY (Org.), “Economia do Meio Ambiente: Teoria e Prática”, 2° edição, Ed. Elsevier, 2010
(5) J. STIGLITZ. “People, Power and Profits – Progressive Capitalism for an Age of Discontent”. Nova York: W. W. Norton & Company, 2019
(6) S. KUZNETS. “How to Judge Quality”, The New Republic, (October 1962)
(7) T. JACKSON. “Prosperity without growth: economics for a finite planet”. London: Earthscan, 2009, (p.4)
(8) D. PILLING. “A ilusão do crescimento”, São Paulo: Alta Books Editora, 2019, (p.14)
(9) N. GEORGESCU-ROGEN. “The entropy law and the economic process”. Cambridge: Harvard Univesity Press, 1971
(10) A. LAGO & J. A. PÁDUA. “O que é ecologia”. Coleção Primeiros Passos, ed. Brasiliense, 18° reimpressão, 2017, (p. 43)
Marcus
Eduardo de Oliveira é economista e ativista ambiental. Mestre em
Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP). Autor
de “Economia Destrutiva” (ed. CRV) e “Civilização em desajuste com os
limites planetários” (ed. CRV), entre outros.