quinta-feira, 5 de abril de 2018

Lufadas de ar fresco para se pensar numa nova ordem mundial

  • Lufadas de ar fresco para se pensar numa nova ordem mundial

    Vou começar fazendo um convite aos leitores que, verdadeiramente, se interessam pelo tema desenvolvimento sustentável, levando em conta a porção de mudanças climáticas que incide sobre os debates. José Eli da Veiga, professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE-SP) vai entrevistar o climatologista Carlos Nobre, um dos maiores especialistas do mundo na área de mudanças ambientais globais e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A conversa vai girar sobre “Sistema Terra” e vai ao ar, ao vivo, pelo site do Instituto de Economia Agrícola (IEA) no dia 10 às 10h.

    É só conhecer um pouco do perfil de entrevistador e entrevistado para saber que não vai ser uma entrevista para deixar os ouvintes na zona de conforto. Sempre que lhe dão chance de falar, Carlos Nobre faz questão de frisar a preocupação com relação ao desmatamento da Amazônia. Para ele, estamos prestes a perder um tesouro. E faz questão também de ajudar a fazer as ligações necessárias entre desmatamento e outros terrores que atacam o homem. Como a fome, por exemplo.

    Feito o convite, sigo estimulando os leitores, agora, a acompanharem comigo outras notícias, também muito pouco alvissareiras, sobre a preocupação com nossos tesouros. Pois tesouros também não serão as pessoas que habitamos o planeta? E, da mesma forma impactados pelas mudanças climáticas e pela ação destruidora do próprio homem, muitos estão sofrendo com o retrocesso, em pleno século XXI, que os levam diretamente ao estado de extrema pobreza no Brasil. Em recente artigo, o coordenador de projetos do Ibase Francisco Menezes faz uma avaliação sobre os resultados do Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) de 2016 publicados em novembro do ano passado:

    “É muito preocupante que, no que diz respeito à extrema pobreza, o Brasil voltou, em apenas dois anos, ao número de pessoas registradas dez anos antes, em 2006. Entre 2014 e 2016 o aumento desse contingente foi de 93%, passando de 5,1 milhões para 10 milhões de pessoas. Em relação aos pobres, o patamar de 2016 – 21 milhões – é o equivalente ao de oito anos antes, em 2008, e cerca de 53% acima do menor nível alcançado no país, de 14 milhões, em 2014. Entre tantas consequências, o espectro da fome, que havia sido superado nesse período, como constatou a FAO, pode estar voltando com maior rapidez do que se possa imaginar”, escreveu ele.

    Tem que ter vontade política para superar a fome, a pobreza, a extrema miséria, alerta José Graziano da Silva, diretor da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) em artigo publicado anteontem (2) no jornal “Valor Econômico” e republicado no site da ONU. Graziano estende a preocupação e lembra que “a crise dos últimos anos devolveu 18 milhões de latino-americanos e caribenhos à condição anterior de carência. A desigualdade voltou a crescer, e a fome, depois de quase três décadas de recuos sucessivos, ergueu a cabeça novamente na região”.

    “Entre 2015 e 2016, mais 2,4 milhões de pessoas foram enredadas nas malhas da desnutrição e da subnutrição, totalizando 42,5 milhões de cidadãos que subsistem hoje sem uma dieta suficiente e digna. Outros 130 milhões de latino-americanos e caribenhos persistem abaixo da linha de pobreza. A música da inclusão, de fato, parou de tocar”, escreveu ele.

    É uma questão suprapartidária, uma demanda incontornável, e tanto quanto possível, diante dos tempos bicudos de crises de todas as categorias, no Brasil e no mundo, há pessoas pensando a respeito. No mês passado,  a 35ª Conferência Regional da FAO, na Jamaica, registrou um comparecimento recorde em 40 anos de presença da organização na América Latina e Caribe. A agenda da segurança alimentar tenta abrir brechas para se impor com a necessária urgência que inspira.

    Não há uma solução para o problema, mas várias. A fome tem facetas, pode ser causada pelas mudanças climáticas que causam efeitos severos de seca ou tempestade, como pode também, tão simplesmente, ser uma questão não de falta de alimentos, mas de falta de dinheiro para ter acesso aos alimentos.

    E vamos falar sobre desigualdade, outro tema comum que só costuma ganhar contornos mais fortes quando há relatórios ou livros demonstrando o fosso enorme entre pobres e ricos que só faz crescer. No site da Oxfam, organização empenhadíssima em manter o assunto para tentar buscar soluções, há histórias que demonstram como tudo o que foi escrito aqui até agora está interlidado, inclusive o convite inicial de um bate-papo com um especialista em mudanças climáticas.

    O site conta o caso de Lan, uma mulher vietnamita de 32 anos com dois filhos pequenos e um marido doente que precisou migrar da região rural para tentar ganhar a vida na província de Dong Nai, a 1.500 km de sua casa. Quem toma conta dos meninos é a mãe de Lan, para que ela possa trabalhar nove a dez horas por dia numa fábrica de calçados seis dias por semana ao preço de 1 dólar por hora. Para mandar dinheiro para os filhos, Lan ainda trabalha aos domingos, seu único dia de folga, num restaurante e duas noites na semana ela costura para um alfaiate.

    “A maior parte do meu salário vai para os meus filhos. Não posso deixá-los passarem fome ou sentir que eles não são tão bons quanto as outras crianças. Eles não são iguais a outras crianças porque não temos dinheiro. Eu posso morrer de fome, mas meus filhos não podem”, diz ela, à reportagem do site da Oxfam.

    Investir num novo modelo econômico, que leve em conta as mudanças climáticas e dê às pessoas o controle das próprias vidas é a forma sugerida pelos economistas espalhados pelo mundo sob o chapéu da New Economics Foundation. Basicamente é priorizar o desenvolvimento local e atentar para o fato de que “a mudança não começa nos corredores do poder”. Vale a pena conferir a agenda da NEF, sobretudo num dia como o de hoje, de tantas polarizações equivocadas. Há lufadas de ar fresco que podem fazer bem.

Movimentos contra a mineração crescem entre os emergentes


“A Mineradora Anglo American informou nesta sexta-feira (30) que voltou a paralisar as atividades na quinta-feira (29), após registrar um novo vazamento, 17 dias depois de um primeiro caso que levou à poluição de um manancial em Minas Gerais. A paralisação durará um mês, enquanto a empresa realiza testes de segurança no mineroduto do Minas-Rio, que percorre 529 quilômetros entre Conceição do Mato Dentro (MG) e o porto do Açu, em São João da Barra (RJ)”.

Leio a notícia, publicada pelo jornalista Julio Ottoboni no site da Envolverde e meu pensamento segue longe, aflito com os ditos e não ditos da dramática relação entre homens, desenvolvimento e meio ambiente. São três protagonistas que terão seus destinos enredados para todo o sempre, com pitacos de dor e morte em todos os capítulos. Estranho mesmo que, com tantos incentivos e investimentos tecnológicos anunciados, com a entrada em cena da Quarta Revolução Industrial, que promete a convergência do digital com o físico e o biológico, empresas ainda cometam atrocidades desse tipo.

Os cuidados com a natureza deveriam ser o limite para o desenvolvimento econômico, e isso não é conversa de quem abraça árvores. Estudos e mais estudos já foram feitos por cientistas, provando, comprovando, que a ação do homem destrói o meio ambiente. O fim desse drama poderá ser um nível de desconforto cada vez maior para os cidadãos com recursos médios viverem o dia a dia no planeta. Para os pobres, possivelmente nem haverá possibilidade de sentir o desconforto.

Há década e meia estamos nessa estrada, de jornalistas que encaminham o assunto para informar aos  cidadãos comunso que tem sido feito pelo setor produtivo. Tudo o que posso afirmar a vocês, com base no muito que tenho ouvido e lido sobre o tema, é que há avanços, sim. Mas são poucos diante da enormidade das questões. Só para ilustrar o que estou dizendo, se é que é preciso ainda mais provas, ontem assisti, na Netflix, a um episódio do seriado britânico “As Casas mais Extraordinárias do Mundo” e, lá pelas tantas, o entrevistado teve coragem de dizer aos dois apresentadores (Piers Taylor e Caroline Quentin), que antes de erguer sua supercasa precisou “limpar o terreno”. O que ele queria dizer é que muitas árvoresforam sacrificadas para seu bel prazer. E não demonstrava um pingo de constrangimento ao dizê-lo.

Mas este exemplo é apenas uma gota no oceano. Voltemos à questão da mineração que, como se sabe, é uma atividade extremamente poluente, embora a maioria dos executivos que trabalha em empresas do ramo negue esta afirmação.Solos e água do entorno de qualquer abertura de mina, no entanto, correrão sempre perigo de serem contaminados.No caso da Anglo American, o próprio presidente da empresa assume que houve vazamento. Entre cinco e oito minutos, algumas toneladas de minério foram absorvidas pelas águas de um ribeirão. Pessoas moram perto do rio. Nada a temer?

A América Latina e a África são dois continentes que têmmuito o que oferecer, em seus solos, aos donos de mineradoras.Mas os abusos e perigos têm sido tão ostensivos que há muito movimento já no sentido de tentar minimizar as atividades mineradoras nesses locais.

Costa Rica, por exemplo, país que viveu neste domingo (1º) seu dia de eleições polarizadas e elegeu Carlos Alvarado, tem um histórico interessante de preservação, com políticas ambientais pioneiras, como a criação do sistema nacional de unidades de conservação, sistemas de trocas de dívida externa por projetos de preservação ambiental e o desenvolvimento de corredoresecológicos. Quem conta isso é Bruno Milanez, engenheiro, pesquisador, membro da Rede Brasileira de Justiça Ambiental e um dos autores do livro “Desastre no Vale do Rio Doce: antecedentes, impactos e ações sobre a destruição”, no artigo intitulado “Costa Rica: o verdadeiro ouro do futuro” do livro “Diferentes formas de dizer não”, editado pela Fase.

Segundo Milanez,na Costa Rica há uma legislação ambiental que impõe uma série de restrições e condições quanto à realização da atividade de extração mineral. Se for de interesse nacional, as concessões de lavra podem ser negadas, e pronto.

“Ao invés de colocar a extração de mineral como prioritária em relação às outras atividades (como no caso da legislação brasileira), o Código da Costa Rica aponta para a necessidade de definir usos do território que tenham prioridade sobre a mineração”, escreve Milanez.

Além da atuação governamental, os cidadãos costa-riquenhos decidiram também se unir e fazer uma resistência contra a mineração em seu país.

“Experiências anteriores de contaminação, fechamento repentino de minas e não pagamento de compensações parecem ter criado um sentimento negativo com relação à mineração... governos locais passaram a questionar as decisões do governo nacional por entenderem que a mineração gerava não apenas degradação ambiental, mas também o empobrecimento da população”, escreve Milanez em seu artigo.

A lei nacional da Costa Rica restringindo as atividades de mineração foi promulgada em 2010 e se junta a leis semelhantes em Argentina e Colômbia.

Já El Salvador, o menor e um dos mais pobres países da América Latina, decidiu proibir totalmente a mineração de ouro em seu país há um ano. Ao jornal “The New York Times”, Keith Slack, diretor de programa global para indústrias extrativas da ONG Oxfam America, disse que “há um crescente questionamento sobre a mineração como um motor de desenvolvimento econômico”. E que a decisão de El Salvador "definitivamente fortalece a voz das comunidades que estão levantando as questões."

Na Colômbia, também há um ano, a cidade de Cajamarca disse não, num plebiscito, a projetos de mineração. No site “El Espectador” , há notícias de que os cidadãos estão se concentrando em outras atividades e que não há crise por lá.

Para ajudar os cidadãos da América Latina na luta por seus territórios, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) criou a Convenção 169, que entrou em vigor internacionalmente em 1991 (somente em 2003, com o governo Lula, entrou em vigor aqui no Brasil), um importante instrumento legal, que obriga os governos a consultarem os povos indígenas quando os projetos afetam suas comunidades. Como se sabe, pelos inúmeros conflitos que acontecem entre empresas que exploram recursos naturais e as pessoas que vivem no entorno do empreendimento, tal ferramenta nem sempre é levada em conta.

Continuo puxando o fio da memória e vou para 1992, quando um grupo de empresários se juntou e criou também uma espécie de ferramenta, também para ajudá-los a lidar com os limites para o crescimento que, até a década de 70, eles consideravam infinito. O suíço Stephan Schmidheiny compilou os debates num livro que se chamou “Mudando o rumo”, onde há promessas e muitas certezas que hoje, mais de vinte anos depois, já foram descartadas.

Puxei aqui da estante o livro e pinço dele uma das muitas frases de efeito consideradas pelo grupo de empresários preocupados com o rumo do mundo. É de Shinroku Morohashi, na época presidente da Mitsubishi Corporation, que pode bem explicar porque, além dos preços e das dificuldades de mercado, a atividade da mineração tem sido tão combatida e evitada:

“Acreditamos que uma empresa não pode continuar existindo sem a confiança e o respeito da sociedade por seu desempenho em termos ambientais”.


O implacável Antropoceno x a resiliência ecossistêmica, por Sucena Shkrada Resk


O implacável Antropoceno x a resiliência ecossistêmica, por Sucena Shkrada Resk




Relatório revela que as atividades humanas já impactaram 75% da superfície terrestre – Número deve chegar a 90% até 2050, segundo o novo relatório sobre degradação e restauração de áreas degradadas divulgado pela Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) (foto: Dudarev Mikhail / Shutterstock.com)

Hoje 75% da superfície terrestre estão impactadas pelas atividades humanas e a projeção é de que essa destruição atinja 85% até 2050  e já afeta pelo menos 3,2 bilhões de pessoas no planeta. Alguém acha pouco? Mais de 100 pesquisadores de 45 países da Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), que reúne a representação de 129 estados-membros, produziram o relatório sobre o Agravamento da degradação do solo causado pelas atividades humanas e restauração, o qual alerta sobre os efeitos implacáveis no Antropoceno e propõe alternativas de remediação. O documento, resultado de um trabalho de três anos, foi divulgado nesta segunda-feira (26/3), na Colômbia,  ampliando a mensagem da Organização das Nações Unidas (ONU), que destacou também neste mês que a saída para a gestão das águas está nos “Serviços Baseados na Natureza” (SbN) (veja #Recursoshídricos: o pedido de socorro ao Ecossistema).

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Biodiversidade, serviços ecossistêmicos, mudanças climáticas, segurança alimentar, energia… um leque de eixos fundamentais para o bem-viver estão sendo atacados. Se nada for feito, a humanidade caminha para a sexta extinção das espécies em massa, segundo os cientistas. Os pesquisadores reiteram a necessidade iminente de restaurar e reabilitar os ecossistemas atingidos, sendo que alguns já revelam perdas irreversíveis. As ações devem ser multidisciplinares, envolvendo agendas agrícola, florestal, energética, hídrica e de infraestrutura e serviços. E afirmam – Em média, os benefícios da restauração são 10 vezes superiores aos custos (estimados em nove biomas diferentes) e, para regiões como a Ásia e África, o custo da inação em face da degradação da terra é, pelo menos, três vezes maior do que o custo de ação.

Rolo compressor
O relatório destaca que mais de 1,5 bilhão de hectares de ecossistemas foram destruídos pela agricultura e pastagem praticadas de forma não-sustentável até o ano de 2014 (sendo no Brasil, mais de 200 milhões de ha), área superior a um terço da Terra. Paralelamente o modelo de consumo excessivo é um fator que contribui para que haja cada vez mais a extração de bens naturais e minerais, de forma descontrolada. Ao mesmo tempo, desperdiçamos no Planeta até 40% do que consumimos. Com isso, não há conta que feche. Esta relação de algoz e vítima ao mesmo tempo revela a esquizofrenia de uma contemporaneidade desenvolvimentista. É o implacável Antropoceno revelado em suas facetas mais cruéis. Esses impactos equivalem a 10% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial anual (ano de 2010).

A vulnerabilidade maior está nas condições das zonas úmidas, cuja destruição chega à 87%. Entre 1970 e 2012, os pesquisadores destacam que o índice do tamanho médio da população de espécies terrestres selvagens de vertebrados caiu em 38% e em espécies de água doce em 81%.

Os pesquisadores afirmam que mais de dois quintos da população planetária (3,2 bilhões) já sentem de alguma forma os efeitos desta destruição. Os deslocamentos migratórios com estas catástrofes ambientais têm crescido de forma assustadora. Um êxodo de pessoas que fogem literalmente da pobreza extrema, da humilhação e da morte. Cada perda de 5% do produto interno bruto, em parte causada pela degradação, está associada a um aumento de 12% na probabilidade de conflito violento.  O caminho para a maior extensão territorial de seca sinaliza que a combinação da destruição da terra mais as mudanças climáticas possa aumentar em até 45% estes confrontos.
Os pesquisadores alertam para a expansão descontrolada do uso de fertilizantes e pesticidas, que deve dobrar até 2050. Os efeitos deletérios que já são observados na atualidade revelam que estes produtos químicos estão contaminando o solo e os sistemas aquáticos. Como exemplo, citam que algumas regiões nas zonas costeiras, como o Golfo do México, estão mortas.

Até 2050, é previsto que a combinação de degradação da terra e mudança climática reduza a produtividade global das culturas em uma média de 10%, e em até 50% em algumas regiões. As principais regiões afetadas deverão ser as Américas Central e do Sul, a África subsaariana e a Ásia.

Nós, seres humanos, mesmo que empiricamente, sabemos exatamente o que fazer para que não agonizemos em um planeta em destruição, já que uma boa parcela da sociedade (pela ignorância, inação, omissão ou por ação concreta) é responsável pela aceleração deste processo degenerativo. Esta frase pode soar taxativa, mas a equação demonstrada pela realidade não deixa sombra de dúvidas.

Escapar deste rolo compressor é como estar numa arena onde lutam titãs. Talvez alguns locais mais ermos do planeta possam estar nesta lista, como trechos distantes dos polos, desertos e pontos inacessíveis de florestas tropicais, de acordo com Robert Scholes, um dos cientistas coordenadores do trabalho. Mudarmos o modelo de consumo e da relação com a polis, com o meio ambiente se torna determinante para a sociedade, neste palco em que as opções se tornam cada vez mais escassas.

* Sucena Shkrada Resk é jornalista, formada há 26 anos, pela PUC-SP, com especializações lato sensu em Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional, pela FESPSP, e autora do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk (http://www.cidadaosdomundo.webnode.com), desde 2007, voltado às áreas de cidadania, socioambientalismo e sustentabilidade.

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 03/04/2018
"O implacável Antropoceno x a resiliência ecossistêmica, por Sucena Shkrada Resk," in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 3/04/2018, https://www.ecodebate.com.br/2018/04/03/o-implacavel-antropoceno-x-a-resiliencia-ecossistemica-por-sucena-shkrada-resk/.

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Neomalthusianismo e Antineomalthusianismo: ‘Bomba Populacional’ versus ‘Humanae Vitae’, artigo de José Eustáquio Diniz Alves


“Diferentemente das pragas da idade das trevas ou das doenças contemporâneas que ainda não compreendemos, a praga moderna da superpopulação é solúvel pelos meios que descobrimos e com os recursos que possuímos. O que falta não é conhecimento suficiente da solução, mas consciência universal da gravidade do problema e educação dos bilhões que são suas vítimas” Martin Luther King (1966)

'Bomba Populacional' versus 'Humanae Vitae'

[EcoDebate] Parece que foi ontem, mas 1968 – “o ano que não terminou” – completa 50 anos. O ano de 1968 foi excepcional em vários aspectos e foi marcado por atos revolucionários e contrarrevolucionários, por esperanças e desesperanças e por defesas intransigentes do Neomalthusianismo e do Antineomalthusianismo.
Em 05/01, acontece o início da Primavera de Praga, na Tchecoslováquia. Em 30/01, os Vietcongues lançam a “Ofensiva Tet”. Em 05/02, as universidades de vários países do mundo são ocupadas por estudantes, incluindo grandes manifestações contra a guerra do Vietnã. Em 28/03, morre no Rio de Janeiro o estudante Edson Luís durante o choque da Policia Militar e estudantes do Restaurante Calabouço. Em 04/04, Martin Luther King é assassinado em Memphis, Tennessee. Em 11/04, o presidente americano, Lyndon Johnson, assina a lei sobre os direitos civis. No dia 29/04 foi lançado o filme “2001 – Uma Odisseia no Espaço”. Em 02/05, início do “Maio de 1968” e no dia seguinte a Universidade de Paris (Sorbonne) é fechada pelas autoridades francesas. Em 30/05, o presidente De Gaulle recusa-se a renunciar e lança sua contraofensiva, dissolvendo a Assembleia Nacional e convocando eleições para o mês de junho. Em 26/06, é realizada a Passeata dos Cem Mil no Rio de Janeiro. Em 21/08, fim Primavera de Praga, quando tropas soviéticas e outros países do Pacto de Varsóvia invadem a cidade de Praga. Em 02/10, Massacre de Tlateloco, o exército matou 48 pessoas durante manifestação estudantil no México. Em 03/10, o general peruano Juan Velasco Alvarado dirige um golpe de estado. Em 15/10, prisão de líderes estudantis no 30º Congresso da UNE, em Ibiúna. Em 13/12, o Presidente General Costa e Silva decreta o AI-5.
No campo da discussão sobre população e desenvolvimento, 1968 foi marcado pela publicação de duas obras antagônicas, que polarizaram as discussões nas décadas seguintes e que merecem ser avaliadas 50 anos depois: o livro “Bomba populacional” (maio de 1968), de Paul Ehrlich e a encíclica “Humanae Vitae” (25/07/1968), do Papa Paulo VI.
Do ponto de vista da dinâmica demográfica, a década de 1960 foi marcada pelo fortalecimento do Neomalthusianismo vindo dos países do Norte preocupados com o alto crescimento das populações do “Sul econômico”. Em 1965, o presidente dos EUA, Lyndon Johnson disse a famosa frase que sintetizou o pensamento controlista: “Less than five dollars invested in population control is worth a hundred dollars invested in economic growth” (Mais valem 5 dólares investidos no controle da população do que 100 dólares investidos em desenvolvimento).
O gráfico abaixo mostra que a população mundial passou de 800 milhões de habitantes, por volta de 1775, chegou a 4 bilhões em 1975 e deve atingir 8 bilhões de habitantes em 2025. Um aumento de 5 vezes em 200 anos e de 10 vezes em 250 anos. Evidentemente, é um crescimento muito significativo. O pico do crescimento populacional global ocorreu exatamente na década de 1960, quando atingiu 2,1% ao ano. A esta taxa, a população se multiplica por 8 vezes em 100 anos e por 64 vezes em 200 anos. Ou seja, se a taxa de crescimento se mantivesse em torno de 2,1% ao ano, a população mundial chegaria a mais de 200 bilhões de habitantes em 2168.

world population growth, 1750-2100

Foi com estas contas simples na cabeça que Paul Ehrlich lançou o livro “Bomba Populacional”, em maio de 1968. Ehrlich era um biólogo norte-americano especializado em estudos de borboleta, tendo publicado vários livros sobre o assunto. Ele era um lepidopterologista e não um demógrafo. Se ele usasse o referencial teórico da transição demográfica – que já era bastante conhecido nesta época – saberia que a tendência seria a redução das taxas de fecundidade após um certo período posterior à queda das taxas de mortalidade.
O título do livro (que foi dado pelo editor e não pelo autor) já mostrava o caráter sensacionalista da obra, ao tratar a população como uma coisa bombástica e explosiva. Logo no prólogo do livro aparece a previsão apocalíptica: “A batalha para alimentar toda a humanidade acabou. Na década de 1970, o mundo passará fome – centenas de milhões de pessoas vão morrer de fome…” (p. 13).
O livro de Paul Ehrlich está repleto de erros e exageros. Mas a mensagem da obra é relativamente simples e não pode ser considerada equivocada. O autor propõe o “Crescimento populacional zero” (Zero Population Growth – ZPG) para que o mundo pudesse evitar o contínuo crescimento populacional permitindo um maior equilíbrio entre as atividades antrópicas e o meio ambiente. Para tanto os casais deveriam limitar a fecundidade a dois filhos, para alcançar uma sustentabilidade ambiental de longo prazo.
Esta proposta foi considerada de direita e imperialista. Na Conferência Mundial de População ocorrida em Bucareste, em 1974, os países desenvolvimentistas do Terceiro Mundo se contrapuseram à proposta do ZPG de Ehrlich e lançaram a palavra de ordem: “O desenvolvimento é o melhor contraceptivo”.
Mas, curiosamente, a China comunista percebeu que seria impossível garantir o desenvolvimento e a redução da fome para sua imensa população devido ao alto crescimento demográfico e lançou, em 1979, a orientação neomalthusiana mais draconiana da história – a política do filho único. Ou seja, enquanto Paul Ehrlich defendia a adoção de um padrão de dois filhos por casal, a China dobrou a aposta e adotou uma política autoritária e intransigente de apenas um filho por casal (1/2 ZPG).
Mas o maior ataque às propostas neomalthusianas veio com o lançamento da encíclica Humanae Vitae (“Da vida humana”), lançada pelo Papa Paulo VI, no dia 25/07/1968. A encíclica, que tem como subtítulo a expressão “Sobre a regulação da natalidade”, se posiciona contra todos os métodos modernos de regulação da fecundidade, contra os meios que possibilitam o sexo seguro, condena a masturbação e define a sexualidade com um ato heterossexual com a finalidade única do “desejo divino” da procriação. Adotando a visão agostiniana do sexo como o pecado responsável pela “queda” de Adão e Eva do Paraíso, a encíclica Humanae Vitae reforça a repressão ao desejo carnal e só admite a sexualidade em função dos objetivos generativos. Ou seja, a encíclica de Paulo VI é contrária à liberdade sexual e a favor do pronatalismo.
O jornalista Robert McClory, no livro “Turning Point: The Inside Story of the Papal Birth Control Commission, and how Humanae Vitae Changed the Life of Patty Crowley and the Future of the Church” (1995), mostra que a encíclica foi fruto de uma “manobra conservadora”. Uma “Comissão Papal do controle da natalidade” (com cerca de 70 membros), criada por iniciativa do Concílio Vaticano II, após longo debate, concluiu que a contracepção artificial deveria ser considerada moralmente aceitável para os casais. No final dos trabalhos, após uma votação por 52 votos a 4, encaminhou um relatório com a posição da maioria para o Papa Paulo VI recomendando a aceitação dos métodos contraceptivos artificiais. Porém, o pequeno número de membros da Comissão que se opunha a essa mudança, em conjunto com funcionários conservadores do Vaticano, construiu um relatório minoritário contra as mudanças no dogma da Igreja sobre contracepção. Este relatório minoritário constituiu a base da encíclica Humanae Vitae.
Ou seja, a encíclica do Papa Paulo VI não representou o pensamento da maioria das autoridades que foram encarregadas pelo Concílio Vaticano II, na época do Papa João XXIII, para analisar a questão da reprodução humana. E o pior, criou um fosso em relação ao conjunto da população católica do mundo que ficou “amarrada a dogmas medievais”, exatamente no momento em que as taxas de crescimento demográfico eram as maiores da história humana, o mundo passava por uma revolução sexual e comportamental, se expandia a diversidade dos arranjos familiares, aumentava o número de separações e divórcio e era cada vez maior o número de nascimentos fora do casamento. Contudo, a maioria dos católicos são favoráveis ao uso de métodos contraceptivos modernos. O Papa Francisco formou uma comissão para reavaliar a encíclica Humanae Vitae 50 anos depois do seu lançamento. Veremos em breve o que vai surgir.
Felizmente, os equívocos do livro “Bomba Populacional” e da encíclica “Humanae Vitae” ficaram bastante evidentes ao longo dos anos. A transição demográfica se aprofundou nos anos 1970 e o crescimento demográfico global caiu de 2,1% na década de 1960 para menos de 1% na atual década, devendo zerar até o final do século. Na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada na cidade do Cairo, em 1994, foram definidos com bandeira os “direitos sexuais e reprodutivos”. A Constituição Brasileira, de 1988, em seu artigo 226, § 7º, define que “O planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas”.
50 anos após a publicação do livro “Bomba populacional”, de Paul Ehrlich, e da encíclica “Humanae Vitae”, do Papa Paulo VI, a questão populacional já não tem mais o caráter alarmante da década de 1960, mas a sustentabilidade ambiental está cada vez mais ameaçada e o mundo caminha para a 6ª extinção em massa das espécies.
Estudo do Stockholm Resilience Centre, publicado na Revista Science (janeiro de 2015), mostra que quatro das nove fronteiras planetárias, definidas no estudo, foram ultrapassadas: Mudanças climáticas; Perda da integridade da biosfera; Mudança no uso da terra; Fluxos biogeoquímicos (fósforo e nitrogênio). Duas delas, a Mudança climática e a Integridade da biosfera, são o que os cientistas chamam de “limites fundamentais” e tem o potencial para conduzir o Sistema Terra a um estado catastrófico. O agravamento destas duas fronteiras fundamentais podem levar a civilização ao colapso.
Sem ECOlogia não há ECOnomia. Assim, não dá para a humanidade continuar se enriquecendo às custas do empobrecimento dos ecossistemas. É urgentemente necessário superar os sectarismos, o antropocentrismo e os dogmas preconceituosos para promover o decrescimento demoeconômico, como forma de adequar a Pegada Ecológica aos limites da Biocapacidade do Planeta.
Referências:
ALVES, JED. CAVENAGHI, S. Igreja Católica, Direitos Reprodutivos e Direitos Ambientais, Horizonte, Belo Horizonte, v. 15, n. 47, p. 736-769, jul./set. 2017
http://periodicos.pucminas.br/index.php/horizonte/article/view/P.2175-5841.2017v15n47p736
ALVES, J. E. D., Corrêa, Sonia. Demografia e ideologia: trajetos históricos e os desafios do Cairo + 10. Revista Brasileira de Estudos da População. v.20, n.2, p.129 – 156, 2003.
https://www.rebep.org.br/revista/article/view/290
MARTINE, G., ALVES, J. E. D. Economia, sociedade e meio ambiente no século 21: tripé ou trilema da sustentabilidade? Revista Brasileira de Estudos de População. v.3, p.1-31, 2015 http://www.scielo.br/pdf/rbepop/v32n3/0102-3098-rbepop-S0102-3098201500000027P.pdf
ALVES, JED. Emma Goldman e a luta pela autodeterminação reprodutiva, Ecodebate, 15/02/17
https://www.ecodebate.com.br/2017/02/15/emma-goldman-e-luta-pela-autodeterminacao-reprodutiva-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
EHRLICH, Paul. The population bomb, Ballantine Books, New York, May 1968
http://projectavalon.net/The_Population_Bomb_Paul_Ehrlich.pdf
PAULO VI. HUMANAE VITAE, Carta Encíclica de Sua Santidade o Papa Paulo Vi sobre a Regulação da Natalidade
http://w2.vatican.va/content/paul-vi/it/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_25071968_humanae-vitae.html
Population Media Center. Martin Luther King, Jr. Discusses Family Planning and Population, January 15, 2018
https://www.populationmedia.org/2018/01/15/martin-luther-king/
McCLORY, Robert. Turning Point: The Inside Story of the Papal Birth Control Commission, and how Humanae Vitae Changed the Life of Patty Crowley and the Future of the Church. New York: The Crossroad Publishing Company, 1995

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 04/04/2018
"Neomalthusianismo e Antineomalthusianismo: ‘Bomba Populacional’ versus ‘Humanae Vitae’, artigo de José Eustáquio Diniz Alves," in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 4/04/2018, https://www.ecodebate.com.br/2018/04/04/neomalthusianismo-e-antineomalthusianismo-bomba-populacional-versus-humanae-vitae-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/.

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