


Na avaliação da Anvisa, a novidade informará a toxicidade “correta”. No entanto, isso não representará maior segurança à saúde. Na avaliação de especialistas de renomados órgãos de pesquisa no País, amenizar o grau de toxicidade expõe o trabalhador que manuseia o veneno a um maior risco. Dados do Ministério da Saúdee da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) revelam o crescimento do número de mortes e intoxicação envolvendo defensivos agrícolas no Brasil.
Só em 2017 foram registrados 4.003 casos de intoxicação por exposição a agrotóxicos em todo o País, quase 11 por dia. Em uma década, a estatística praticamente dobrou. No mesmo ano, 164 pessoas morreram após entrar em contato com o veneno e 157 ficaram incapacitadas para o trabalho, sem contar com intoxicações que evoluíram para doenças crônicas, como câncer e impotência sexual.
De acordo com pesquisas do Núcleo Trabalho Meio Ambiente e Saúde para a Sustentabilidade (Tramas), da Universidade Federal do Ceará (UFC), os produtores brasileiros utilizam os agrotóxicos pensando em sua maior eficácia, portanto, mais tóxicos, aumentando o impacto no ser humano e no meio ambiente.
Ronaldo Nascimento, professor de química da UFC, explica que amenizar o grau de toxidade não diminui a possibilidade de intoxicação humana e nem ambiental: “Os pesticidas, sendo em sua maioria compostos orgânicos sintéticos, pertencem a diferentes classes químicas consideradas potencialmente tóxicas aos seres humanos e demais seres vivos. Quando aplicados de maneira inadequada nas culturas, sem a condução das Boas Práticas Agrícolas, resíduos destes compostos tóxicos podem persistir no meio ambiente, como também nos frutos e hortaliças, gerando uma rota de exposição humana via alimentação”.
De acordo com o químico, do total de produtos liberados (290) pelo governo em 2019, 41% são considerados extremamente ou altamente tóxicos e 32% são proibidos na União Europeia. O professor enumera alguns dos mais tóxicos da lista:
- 2-4 D – herbicida classificado como extremamente tóxico e provável carcinogênico
- Acefato – banido na Europa, é associado a danos na fertilidade masculina
- Atrazina – associada a danos cardíacos em humanos, e pode prejudicar a vida sexual de sapos machos
- Dibrometo de diquate – considerado extremamente tóxico pela Anvisa, sendo letal se inalado
- Fipronil – foi banido na Europa desde 2013, tem alta toxicidade e letalidade para as abelhas, provocando danos à sua aprendizagem e memorização.
- Glifosato – agrotóxico mais usado no mundo, é classificado pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC) como potencialmente cancerígeno para humanos
- Sulfoxaflor – princípio ativo que controla insetos, por outro lado ataca as abelhas polinizadoras
Suposta economia
O argumento de que a liberação de agrotóxicos possa baratear o preço dos alimentos, corroborado por setores do agronegócio e indigesto a grupos científicos das áreas de saúde e meio ambiente, lembra o barateamento nas passagens aéreas prometido quando se alterou a legislação para cobrar o despacho de malas nos aviões, pelo qual até hoje o brasileiro aguarda, com o agravante de que a suposta economia pode afetar o equilíbrio do meio ambiente e a saúde de trabalhadores e consumidores.O uso de pesticidas no Brasil se encontra nas regiões em que se tem a predominância de produção em larga escala de produtos como o milho, a cana-de-açúcar e a soja, sendo que esta última consome sozinha 55% do total de agrotóxicos utilizados no Brasil.
Os novos registros liberados de agrotóxicos dizem respeito, em sua maioria, a produtos genéricos, mas utilizados no mercado brasileiro, ainda assim proibidos em outras partes do mundo, como é o caso do Fipronil, um inseticida que age nas células nervosas dos insetos. Desde 2004 é proibido na França, acusado de dizimar enxames de abelhas. Um outro agrotóxico recém-autorizado no Brasil é o Sulfentrazona. Banido em 2009 em toda a União Europeia, aqui teve o registro deferido em dezembro de 2018 para três empresas brasileiras. Em 2019, o seu genérico teve mais três permissões no País.
No ano de 2015 foram registrados 139 agrotóxicos. Em 2018 foram 450, um aumento de 323%. No mesmo período, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)mostrou apenas pequenas oscilações nos preços dos vegetais, com uma queda mais expressiva, de aproximadamente 5%, por conta de uma grande safra ocorrida em 2017. Enquanto isso, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima em 193 mil mortes por ano no mundo causadas por exposição aos agrotóxicos, um custo-saúde que não entra nos índices da economia agrícola mundial.
(#Envolverde)
