sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Maior abelha do mundo, desaparecida há 38 anos, encontrada na Indonésia


Maior abelha do mundo, desaparecida há 38 anos, encontrada na Indonésia

Wallace, a abelha gigante que se julgava desaparecida, foi encontrada por biólogos dentro de um ninho de térmitas numa árvore, na Indonésia




A abelha gigante Wallace (de nome científico Megachile pluto), que não era vista há 38 anos e se julgava desaparecida, foi redescoberta nas ilhas indonésias das Molucas do Norte. Uma equipa de biólogos norte-americanos e australianos encontrou a maior abelha do mundo a viver dentro de um ninho de térmitas numa árvore, a mais de dois metros do solo.

"Foi absolutamente deslumbrante ver este 'bulldog voador' que não tínhamos mais a certeza de existir", afirmou Clay Bolt, um fotógrafo especializado que obteve as primeiras imagens da espécie viva. "Para realmente ver o quão bela e grande a espécie é na vida, ouvir o som de suas asas gigantes batendo quando passou pela minha cabeça, foi simplesmente incrível."


A Wallace não foi vista novamente pelos cientistas até 1981, quando Adam Messer, um cientista americano, a redescobriu em três ilhas indonésias. Ele descreveu como a abelha usava as suas mandíbulas para recolher resina e madeira para o seu ninho à prova de térmitas. Os cientistas não conseguiram encontrá-la novamente, mas agora com a descoberta de uma nova fêmea aumentam as esperanças que as florestas daquela região ainda abriguem a espécie.


O habitat da abelha está em risco devido ao desmatamento intensivo para a agricultura indonésia e o seu tamanho e raridade tornam-na um alvo para os colecionadores. Não há, no entanto, nenhuma proteção legal de proteção da espécie.


Robin Moore, um biólogo da Global Wildlife Conservation, que dirige um programa chamado "Em busca das espécies perdidas" considerou que é um risco divulgar que a abelha foi encontrada, mas admitiu que os colecionadores já o saberiam. Moore disse que é vital consciencializar o governo indonésio sobre a adoção de medidas de proteção da espécie.

Mata Atlântica tem novo mapa de áreas prioritárias para conservação


































Atualização das regiões com prioridade de conservação do bioma foi realizada pelo IPÊ e MMA, com apoio de cientistas e sociedade civil


A segunda atualização das Áreas Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade dos biomas Mata Atlântica, Amazônia, Pampas, Zona Costeira e Marinha foi concluída. O trabalho (publicado na Portaria MMA / Nº 463/2018)  foi realizado pelo Departamento de Conservação de Ecossistemas (DECO) da Secretaria de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e contou com vários parceiros de organizações socioambientais e da sociedade civil na sua elaboração. O resultado pode ser encontrado no site do MMA: http://areasprioritarias.mma.gov.br.

O IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas foi o responsável pela condução da criação do novo mapa de áreas prioritárias para a conservação da Mata Atlântica. O processo de criação desse mapa foi feito de modo participativo. Sociedade civil, universidades, centros de pesquisa, representantes governamentais, empresas e cidadãos comuns puderam participar de pelo menos uma das cinco etapas que envolveram esse grande levantamento: Consulta Pública para avaliar a última atualização das Áreas Prioritárias; Definição de alvos e metas para conservação; Definição da superfície de custo; Definição da superfície de oportunidades; e Definição das áreas e ações prioritárias para a conservação, uso sustentável e repartição dos benefícios da biodiversidade na Mata Atlântica.


Clinton Jenkins, coordenador da iniciativa pelo IPÊ, afirma que esta avaliação contou com um processo muito mais completo para destacar as informações necessárias de cada organização, cientista, representante da sociedade civil participante. “Um componente essencial de um processo participativo é a validação dos resultados com as pessoas que participaram na construção do processo. Baseada na análise de dados e as ajustes recomendados por especialistas, essas áreas prioritárias atingem as metas para conservação de 99% dos alvos do processo. Junto com as ações recomendadas por as especialistas para cada área, avançamos muito no planejamento para a conservação do bioma”, afirma.

A seleção de áreas prioritárias para a conservação é um instrumento de política pública para apoiar a tomada de decisão, de forma objetiva e participativa, no planejamento e implementação de ações para conservação da biodiversidade brasileira, tais como a criação de unidades de conservação (UC), licenciamento, fiscalização e fomento ao uso sustentável. As regras para identificação de Áreas e Ações Prioritárias foram instituídas pelo Decreto nº 5.092/2004.

“Esperamos que os resultados deste processo possam ser utilizados como uma ferramenta que contribua para um sistema de planejamento mais eficaz, no qual investimentos e esforços, tanto do governo quanto da iniciativa privada, sejam aplicados para subsidiar uma estratégia espacial que promova ações integradas de conservação e uso sustentável da biodiversidade da Mata Atlântica”, afirmou Mateus Motter Dala Senta, analista ambiental do Departamento de Conservação de Ecossistemas, Secretaria de Biodiversidade do MMA.

Angela Pellin, pesquisadora do IPÊ, destaca que um mapa feito de forma participativa tem muito mais chance de ser viável em sua aplicação prática. “Temos uma quantidade muito maior de informações espacializadas subsidiando o exercício. Conseguimos incluir de forma bastante objetiva na análise, os custos e oportunidades que dificultam ou facilitam a conservação para auxiliar na seleção das áreas prioritárias. Com isso temos um mapa de áreas prioritárias mais refinado e adequado ao contexto, e portanto, com maior possibilidade de implementação”, afirma.

O trabalho para criação do novo mapa foi desenvolvido no âmbito do Projeto Biodiversidade e Mudanças Climáticas na Mata Atlântica, coordenado pelo MMA no contexto da Cooperação para o Desenvolvimento Sustentável Brasil-Alemanha, parte da Iniciativa Internacional de Proteção do Clima (IKI) do Ministério Federal do Meio Ambiente, Proteção da Natureza e Segurança Nuclear (BMU) da Alemanha. O projeto também conta com o apoio técnico da Deutsche Gesellscha fürInternaonale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH e tem apoio financeiro do Banco de Fomento Alemão (KfW), por intermédio do Fundo Brasileiro para Biodiversidade (Funbio).


Sobre o IPÊ
O IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas é uma organização brasileira sem fins lucrativos que trabalha pela conservação da biodiversidade do país, por meio de ciência, educação e negócios sustentáveis. Fundado em 1992, tem sede em Nazaré Paulista (São Paulo), onde também fica o seu centro de educação, a ESCAS – Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade.

Presente nos biomas Mata Atlântica, Amazônia, Pantanal e Cerrado, o Instituto realiza cerca de 30 projetos ao ano, aplicando o Modelo IPÊ de Conservação, que envolve pesquisa científica de espécies, educação ambiental, conservação de habitats, envolvimento comunitário, conservação da paisagem e apoio à construção de políticas públicas. Além de projetos locais, o Instituto também desenvolve trabalhos em diversas regiões, seguindo os temas Áreas Protegidas, Áreas Urbanas e Pesquisa & Desenvolvimento (Capital Natural e Biodiversidade).

Para o desenvolvimento dos projetos socioambientais, o IPÊ conta com parceiros de todos os setores e trabalha como articulador em frentes que promovem o engajamento e o fortalecimento mútuo entre organizações socioambientais, iniciativa privada e instituições governamentais.


(#Envolverde)

Tietê permanece adoecido na região metropolitana devido ao mau planejamento urbano

Por Sucena Shkrada Resk*



 
A sensação de déjà-vu é contínua. Entra ano, sai ano, esta é a realidade perversa que vivemos diariamente nas regiões metropolitanas.


De um lado, algumas nascentes que resistem, sabe-se lá até quando à pressão humana e, por outro, rios que são engolidos, em diversos trechos de seus percursos, por plásticos e por todos os tipos de resíduos que são recicláveis, além da imensa descarga clandestina de esgotos domésticos e industriais. No estado de São Paulo, o exemplo clássico é do Tietê. Um dos efeitos colaterais do mau planejamento urbano por décadas.


Mas muitos rios em diferentes localidades do país poderiam ser objeto desta reflexão. Só em relação à poluição orgânica, o Atlas Esgotos – Despoluição de Bacias Hidrográficas, da Agência Nacional de Águas (ANA), publicado em 2017, expôs que a maioria dos municípios brasileiros despeja pelo menos 50% do esgoto que produz diretamente em cursos d’água próximos, sem submetê-los a qualquer trabalho de limpeza.

crédito da foto: Sucena Shkrada Resk
Nascente conservada


No caso do Tietê, o exercício de observação se torna interessante ao ver sua nascente ainda preservada em Salesópolis, a 96 quilômetros da capital. Praticamente escondida sob as rochas e mata, se encontra em uma unidade de conservação – Parque Estadual das Nascentes do Rio Tietê, criado por decreto estadual, em 1988, e inaugurado oficialmente em 1996. Antes havia sido um terreno particular, com atividades pecuárias e carvoeiras. Mas a descoberta da nascente foi feita bem antes, em 1954, pela Sociedade Geográfica Brasileira.


Depois de 20 anos, estive lá novamente, no dia 02 de fevereiro. Foi um momento de significativa contemplação e reflexão sobre estes contrates que se arrastam indefinidamente, principalmente desde as primeiras décadas do século XX. O contraponto no curso das águas do Tietê, em situação de “poluição”, foi destaque recentemente na mídia e flagrada na região do município de Salto, depois das chuvas que aumentaram o nível do rio e carrearam os resíduos despejados irregularmente nas vias .
Responsabilidade compartilhada
Todas essas situações certamente não derivam de geração espontânea. Estamos em 2018 e ainda parece um bicho-de-sete-cabeças falar de responsabilidades compartilhadas, neste contexto, não é?


Sim, gestão pública (municipal, estadual e federal), empresas e sociedade civil. O Projeto Tietê foi proposto para sua despoluição na Região Metropolitana do Estado de São Paulo, desde 1992, com financiamento vultoso do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), e está sendo coordenado pela Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp). A sua concepção foi decorrente de mobilização social, que contou também com um abaixo-assinado com mais de 1 milhão e 200 mil assinaturas, ocorrida na capital, com a iniciativa da rádio Eldorado, do Jornal da Tarde e da SOS Mata Atlântica.


Ao longo do processo, é possível observar que avançou em alguns pontos, com coleta e estações de tratamento de esgotos, mas ainda precisa avançar muito no saneamento, pois depende também das ações municipais. Hoje se encontra na terceira etapa, que deve seguir até 2020 e depois iniciar a quarta etapa.


Durante todos estes anos, o cenário que se vê é de que muitos municípios ainda continuam a despejar esgoto clandestinamente no rio. Ao mesmo tempo, há a falta de educação quanto ao consumo consciente e o despejo em grande volume de resíduos que deveriam ser reciclados. Um ciclo vicioso das lacunas do saneamento ambiental, que envolve diretamente a sociedade.

Existe um antagônico retrato do desenvolvimento principalmente na região metropolitana de São Paulo, com mais de 20 milhões de pessoas, que segue na contramão do que seria esperado de um comportamento civilizado nas cidades. Seja sob temporais ou em períodos de estiagem, esse contexto resulta em um Tietê “sufocado”, que está bem longe de seus áureos tempos em que ainda era totalmente sinuoso (não retificado em seu curso), onde antepassados nadavam, pescavam, andavam de barco, participavam de provas aquáticas e no qual, o ecossistema fluía livre.

Até quando será possível vislumbrar nascentes com água insípida, inodora e incolor, como vi em Salesópolis? A sensação é quase de êxtase e com licença poética para recobrar a inspirada letra da música “Planeta Água”, de Guilherme Arantes, não é? Sem pecar pelo excesso de romantismo. Mas vale repetir o questionamento – até quando? Uma série de pressões vem de todos os lados, acrescentando às fontes poluidoras, os agrotóxicos utilizados em cultivos próximos das águas, em alguns municípios.


O rio carece, em muitos trechos, da falta de matas ciliares, e de florestas nativas. O próprio parque é resultado de regeneração após exploração carvoeira que havia na área anteriormente e se transformou em UC por pressão da sociedade e decisão de uma política pública. Mas não é suficiente. O município também apresenta simultaneamente áreas de reflorestamento com espécies exóticas, devido ao mercado de papel e celulose regional, e carece de mais áreas nativas.



Facetas da poluição


As diferentes facetas da poluição hídrica resultam na “morte” de partes do Tietê. Exagero? Não. Em julho passado, o que se via, era a carga de espuma, retrato da poluição, por exemplo, na mesma Salto e na região de Cabreúva. Em outubro, uma “lama negra”, provavelmente decorrente da abertura de comportas de usinas, como foi destacado em noticiário à época. Mais recentemente o “mar de plásticos”. Os resultados dos comprometimentos físico, químico e biológico são comprovados por análises técnicas.

Onde o rio está morto

Parece redundância, mas falar a respeito dessas situações se repete em relação aos anos e décadas anteriores. Em 2018, o relatório Observando o Tietê, da Fundação SOS Mata Atlântica, expôs que a mancha de poluição era de 122 quilômetros, em sua extensão, entre Itaquaquecetuba e Cabreúva. Isso quer dizer 10,6% dos seus 1.150 quilômetros.

O monitoramento foi feito nas bacias hidrográficas do Alto e Médio Tietê e sub-bacias dos rios Sorocaba, Piracicaba, Capivari e Jundiaí, no período de setembro de 2017 a agosto de 2018. O Tietê deságua no rio Paraná, no município de Itapura (divisa entre São Paulo e Mato Grosso do Sul). Em 2010, esta mancha era de 243 quilômetros. Houve um decréscimo, mas ainda falta muito para melhorar, não é?

Mais um dado a refletir: toda poluição gerada nos 39 municípios da bacia hidrográfica do Alto Tietê, chega a 612 toneladas de Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO)/ dia (dos 62 que compreendem toda extensão do rio). Daí é possível entender por que não é possível ver peixes ou outros tipos de vida nestes trechos. Como resistir a tanto esgoto? Em 63,4% dos 112 pontos de coleta, a condição de água estava regular, segundo o estudo.

Segundo o relatório, a qualidade de água boa foi mantida em 4 pontos de coleta: dois localizados no rio Tietê, nos municípios de Salesópolis e Biritiba-Mirim, em área de manancial e os outros 2 em afluente do rio Caulim e em nascente afluente da represa Billings, no parque Shangrilá, ambas na Capital paulista.

Esse conjunto de dados demonstra que o rio não sairá desta condição, se continuarmos a perpetuar este mesmo modelo de desenvolvimento às avessas nas regiões metropolitanas. Quem ganha com um Tietê morto?

Sucena Shkrada Resk é jornalista, formada há 27 anos, pela PUC-SP, com especializações lato sensu em Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional, pela FESPSP, e autora do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk (https://www.cidadaosdomundo.webnode.com), desde 2007, voltado às áreas de cidadania, socioambientalismo e sustentabilidade.
*crédito da foto: Sucena Shkrada Resk

O novo com velhos hábitos

Por Observatório do Código Florestal – 


Redução da transparência e crescimento econômico a qualquer custo deixam sensação de déjà vu na área ambiental

Quando o cidadão brasileiro, cansado da corrupção, decidiu mudar radicalmente os governantes do país por aqueles que ofereciam uma nova forma de governar, não imaginava que estaria embarcando em uma viagem ao passado. Isso porque, em pleno século XXI, o que espera-se de um governo com a promessa de “novo” vai muito além de sair de uma grande crise econômica causada pela corrupção. Espera-se que um novo governo alavanque o Brasil para uma posição de destaque e liderança global.


Que mude a relação entre governante e governado, ouvindo a opinião pública, aumentando o controle e a participação social, fomentando a transparência e começando a construir uma relação de confiança. Que respeite e fomente as diversidades sociais e culturais, patrimônio do país, e que o crescimento econômico seja duradouro e sustentável, alicerçado na boa gestão dos recursos naturais e na justiça social.


Contudo, a cada episódio da política de 2019, a sensação é que está se vivendo uma reprise. Na esfera ambiental, os capítulos diários têm sido os mais dramáticos. O primeiro susto foi relacionado ao Código Florestal, que já fará 7 anos. Em dezembro de 2018, uma Medida Provisória (MP nº 867, de 26 de dezembro de 2018) adiou para dezembro de 2019, prorrogável por mais um ano, a implantação dos Programas de Regularização Ambiental (PRAs), que visam a adequação de proprietários rurais que desmataram áreas além dos limites legais.

Assim, o início da adequação ambiental em todo o país só vai começar daqui a um ano, o que adia pela quinta vez a implantação do Código Florestal. Tudo isso, dentro de um cenário onde desmatamento florestal voltou a crescer. Para a ex-presidente do Ibama, Suely Araújo, “É fundamental passar para a regularização, isso está atrasado nos Estados. É fundamental que estes planos, que estão muito lentos, comecem a ser executados”.


Mas ao contrário da importância e da necessidade de avanços, na prática tem se usado a marcha ré, principalmente no âmbito do acesso às informações.  Essa ameaça se deve pois a ferramenta mais importante do Código Florestal, o Cadastro Ambiental Rural (CAR), se baseia justamente na transparência dos dados. Ao se inscrever no Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), o dono da terra deve listar várias informações da situação ambiental da propriedade.

Entre elas, o georreferenciamento do imóvel, a extensão das áreas desmatadas e de uso consolidado, os locais que serão restaurados e, se houver, reserva legal e áreas de preservação permanente. A comprovação da propriedade ou posse e os dados do produtor rural também são essenciais no processo de cadastramento.


Na teoria, o CAR é uma excelente ferramenta de geopolítica ambiental. Ele pretende ser um grande mapa, que vai mostrar a conformidade ambiental, ou não, dos imóveis rurais brasileiros. É com base neste mapeamento que as autoridades e a sociedade saberão a extensão das áreas de vegetação natural protegidas legalmente e qual o tamanho do passivo de Reserva Legal e de áreas de preservação permanente (APPs) que existe no país. As dimensões da reserva legal, por lei, variam de 20% a 80% dependendo do tamanho da propriedade. As áreas de preservação permanente estão localizadas nas beiras de rios, nos grandes declives, nos topos de morro e nas nascentes. Por isso, a transparência de dados é considerada atualmente a maior ferramenta de proteção ambiental.

Contudo, a implantação do “Novo” Código Florestal é prejudicada pela instrução normativa 03/2014 que impede a transparência total dos dados. Esta regra coloca em sigilo informações que identificam os proprietários ou possuidores e proíbe a divulgação de dados pessoais em geral, caso do nome, endereço, CPF ou CNPJ. Mais uma ameaça veio da tentativa do Governo federal de alterar, no início deste ano, a regulamentação da Lei de Acesso à Informação (LAI) pelo decreto 9.690, que facilitaria a imposição de sigilos aos dados públicos.

“O decreto lançado pelo Governo amplia o grupo de autoridades que podem classificar informações como sigilosas, e com isso deve facilitar a negação de acesso à informação para a sociedade” explica Alice Thuault, diretora adjunta do Instituto Centro de Vida (ICV). Com a mudança, o diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro e o presidente do Ibama, por exemplo, poderiam definir que documentos sobre a proteção florestal seriam ultrassecretos, ou seja, só acessíveis pela sociedade em 25 anos, e os demais diretores dos mesmos órgãos poderiam definir estes documentos como secretos, acessíveis em 15 anos, conforme esclarece Roberta del Giudice, Secretária Executiva do Observatório do Código Florestal. Na primeira derrota do Governo o decreto foi suspenso no último dia 19 pela Câmara dos Deputados, mas o texto ainda vai para o Senado.


Os especialistas em legislação e meio ambiente sempre defenderam que todos estes dados deveriam ser públicos e divulgados sem subterfúgios a toda a sociedade.  Um bom exemplo de transparência é a disponibilidade de todos os dados do documento de origem florestal (DOF), que mostra o transporte legal de madeira pelo país. O DOF, também cadastrado no Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor) pelo IBAMA, disponibiliza inclusive o cadastro dos fornecedores com CPF. “A transparência é total, para que possamos cumprir o plano de dados abertos”, disse Suely, antes de vivenciar os últimos fatos do novo governo.


Ter acesso a todos os dados ambientais cadastrados tanto via CAR quanto no próprio Sinaflor também é considerado fundamental pelos membros do Ministério Público Federal, para que o desenvolvimento de ações de investigação de crimes ambientais seja feito de forma mais eficiente. Desde junho, o Conselho Nacional do MP assinou um termo de cooperação com o Ministério do Meio Ambiente para utilizar os dados registrados no Sicar. “Foi uma conquista singular para o Ministério Público Brasileiro, segundo Erick Pessoa, membro colaborador do conselho nacional.


O que os procuradores federais esperam é ter uma poderosa ferramenta em mãos para ajudar tanto no controle quanto no combate aos crimes ambientais. “Os dados disponíveis no sistema são de extrema precisão e detalhamento. Vão desde informações dos proprietários de imóveis até o histórico de desmatamento no local, vegetação predominante e topografia. A atuação do Ministério Público ganha um aliado valioso”, afirma Pessoa.

Ele explica, por exemplo, que em um eventual caso de mineração sem licença ambiental ou fora dos padrões autorizados, a utilização dos dados do Sicar como fotografia, informações geológicas e os dados dos proprietários dos imóveis vão facilitar a identificação dos possíveis responsáveis pelo dano. Segundo Pessoa, os resultados já alcançados no cadastro CAR “ilustram de forma incontestável, que esse instrumento revolucionará a questão ambiental nacional”.

Transparência é palavra-chave de governos democráticos e desenvolvidos. A Casa Branca, no primeiro ano do governo Trump, organizou uma Mesa Redonda sobre “Dados Abertos para o Crescimento Econômico”, quando líderes de dados abertos do governo e do setor privado compareceram ao evento como parte do compromisso de longo prazo do governo com a modernização do governo (leia a notícia).

 Apesar do Presidente norte-americano ser inspiração para o nosso governo em muitos aspectos, a experiência de Donald Trump no setor privado deram a ele um reconhecimento da importância da transparência para o crescimento econômico de longo prazo.


Embora a transparência não seja um tema novo, a informatização dos dados e a facilidade de acesso pela sociedade são processos recentes e em constante movimento, com foco no presente e no futuro. Preocupante é voltar-se ao passado e retomar velhos hábitos. A questão do licenciamento ambiental é uma dessas circunstâncias na qual se acena para trás, mesmo quando a tragédia social e ambiental de Brumadinho comove um país inteiro.

O que se está assistindo é que se apresentar como um novo governo não é tão trivial como parece.


Para ser singular, inédito, diferente dos outros, a ordem do jogo deveria ser invertida e o cidadão deveria passar a ter um controle social efetivo.


O crescimento econômico deveria ser sustentável e justo e a promoção da transparência deveria estar no cerne de um novo governo. Caso contrário, fica parecendo promessas não cumpridas de ano novo, o novo com velhos hábitos. Para Alice, “é só quando o governo compartilha com a sociedade os dados públicos que se pode fazer uma boa prevenção de fraudes, combate a corrupção, fiscalização e que se tem insumos para a construção de novas propostas para a gestão social e ambiental”.


*Eduardo Geraque – Jornalista

**Simone Milach – Assessora de comunicação do Observatório do Código Florestal (OCF)

Conheça a primeira aquatória do Brasil

 


Um projeto desenvolvido em Carapicuíba, cidade vizinha a São Paulo, vem chamando a atenção de muitas pessoas, principalmente daquelas que vivem em ambientes urbanos, cercadas por concreto e asfalto. Apelidada de “aquatória” (uma junção entre água e rotatória), a intervenção foi idealizada por Nik Sabey, do Novas Árvores Por Aí, uma iniciativa que tem como objetivo criar mais espaços verdes e permeáveis em cidades.

O Novas Árvores Por Aí desenvolve diversos mutirões para plantio de árvores nativas e construção de jardins e canteiros de chuva. E foi na busca por um local para uma nova intervenção que surgiu a ideia da aquatória.

Nascentes e olhos d’água

Na rua larga e sem saída onde está localizado o canteiro, existe uma nascente, onde brota água limpa constantemente. Essa água costumava correr pelo meio fio e era então descartada direto para uma boca de lobo. Com o olhar treinado de Nik, que já atua com paisagismo e permacultura, viu-se ali uma solução. Por que não utilizar essa água e incorporá-la ao espaço urbano? Assim as plantas não precisariam de rega e o lençol freático seria novamente recarregado.

Após muita persistência e conversas entre a Prefeitura de Carapicuíba e possíveis aliados para o projeto, a ideia do ambientalista então foi colocada em prática: desviaram a água canalizando-a para o centro da rua, criando assim um lago circundado por uma faixa de terra. Toda a água da nascente foi desviada para o local, o excedente corre para a antiga boca de lobo que antes recebia a água diretamente.

Foto: Marcelo Costa | Selvagem Urbano
Depois da obra pronta, foram plantadas espécies de plantas nativas comuns de beira de brejo. Essas espécies gostam de muita água, o que não falta por ali. Dentro do lago foram colocadas plantas aquáticas e até mesmo pequenos peixes.
O resultado da aquatória ficou incrível e surpreendeu a todos. Hoje, apenas três meses após ser implementado, o local é um verdadeiro oásis, cercado por flores e visitado por pássaros e insetos, como borboletas e libélulas.

Foto: Nik Sabey | Novas Árvores Por Aí
Nik falou ao CicloVivo sobre a importância da intervenção paisagística da aquatória. “No ambiente urbano essas nascentes são muito maltratadas e desrespeitadas, ou se enterra, ou se canaliza. Mas são elas que abastecem nossos mananciais. Respeitar uma nascente e usá-la no paisagismo é de extrema relevância para o meio ambiente.”
O projeto também plantou em um terreno próximo diversas espécies nativas da Mata Atlântica e do Cerrado, características do local, que tem bioma misto.  “O relacionamento da vegetação com a água é essencial. Preservando a vegetação, nós preservamos as nascentes e vice-versa”, comentou o ambientalista.

Foto: Nik Sabey | Novas Árvores Por Aí
Marcelo Costa, educador ambiental, participou do projeto e mora em frente à aquatória. “A população do bairro ganhou um meio ambiente bem mais bacana e saudável de se viver, com contato com as plantas e com os animais que a vegetação e a água têm atraído. Aos finais de semana as crianças e famílias têm vindo pra cá, se tornou um cantinho querido aqui na região.”

Foto: Nik Sabey | Novas Árvores Por Aí
A intenção de Nik é que projetos como esse se espalhem pelas cidades. “Essa proposta pode ser aplicada em diversos outros endereços e localidades. Basta praticarmos o exercício da mudança de olhar. Olhar para o espaço, olhar para as nascentes, olhar para o uso da água nesse contexto e inseri-la como protagonista no paisagismo. E por que não mapear onde existem nascentes que podem ser melhor aproveitadas dentro do paisagismo urbano?”, finaliza.
O projeto do Novas Árvores Por Aí contou com a parceria do Projeto Ressavanar, Anjos da Mata Atlântica, Selvagem Urbano, e com o apoio da Prefeitura de Carapicuíba e da Rede Globo, com a iniciativa Verdejando.

Primeiro trem solar da América Latina vai conectar Argentina a Cusco



Em fevereiro de 2018 começaram as instalações de vias que vão receber o primeiro trem solar turístico da América Latina. Chamado de “Tren de la Quebrada”, o veículo sairá da província de Jujuy, na Argentina, uma região famosa pela montanha colorida “Cerro de los 7 Colores”. Este é segundo trem solar que se tem notícia. O primeiro deles foi inaugurado na Austrália, veja aqui.

A primeira parte da construção está prevista para ser concluída em agosto de 2019. Ela unirá a localidade de Volcán com Purmamarca e Maimará, em uma rota de 20 quilômetros pelo norte argentino. O passo seguinte seria chegar à Bolívia e, posteriormente, em Cusco. O destino final será o histórico Machu Picchu.

A primeira ferrovia solar da região inicialmente terá dimensões reduzidas, sendo para um vagão com capacidade aproximada de 240 passageiros. Por ser um trem turístico, ele desenvolverá uma velocidade de apenas 30 quilômetros por hora.
Para o seu funcionamento, painéis fotovoltaicos serão acoplados nos telhados. A propulsão será realizada através de energia solar e diesel hidráulico. O desenvolvimento da tecnologia envolveu especialistas internacionais que participaram da construção do trem solar de Byron Bay, na Austrália.


Modelo de trem solar da Austrália. Foto: Byron Bay Train

“Este é um grande desafio, porque estamos desenvolvendo uma nova tecnologia para o transporte ferroviário do futuro”, afirma o engenheiro Pablo Rodríguez Messina. Segundo ele, “o trem solar seguirá a ferrovia Belgrano Cargas, que foi desativada há 25 anos na Trilha Inca e que foi a primeira rota comercial na América do Sul”.


A Sebraelização do Indigenismo na Amazônia Ocidental como estratégia para a mercantilização e a financeirização, artigo de Lindomar Dias Padilha


A Sebraelização do Indigenismo na Amazônia Ocidental como estratégia para a mercantilização e a financeirização, artigo de Lindomar Dias Padilha


artigo

A Sebraelização do Indigenismo na Amazônia Ocidental como estratégia para a mercantilização e a financeirização

Por Lindomar Dias Padilha[1]

O presente texto tem por intenção expor alguns apontamentos a serem aprofundados sobre uma leitura, talvez peculiar, que fazemos do processo que estamos chamando de “sebraelização[2] do indigenismo”. Em tempos bicudos quanto os atuais, refletir sobre certos temas é antes de tudo um corajoso exercício de releitura quase exegética. Entretanto, como dito anteriormente, o propósito é, talvez, atiçar e provocar as mentes honestas e abertas. Não propomos verdades, mas um olhar mais crítico daquilo que pode se apresentar de forma esverdeada com a intenção de esconder as cinzas sobre as quais os modelos desenvolvimentistas se apoiam.

Se de um lado não propomos verdades, de outro não as admitimos de forma absoluta e inquestionável. Nossa análise, mesmo considerando todo o processo histórico, situa-se nas décadas de 2000/2010 e momento presente. Sempre houve intenção dos governantes, em diversas épocas históricas, inserir os povos indígenas nos seus modelos de desenvolvimento ao mesmo tempo em que se recusavam a admitir a existência de modelos próprios desses povos.

Faz-se relevante destacar que, os Kaxinawa, juntamente com a ONG Comissão Pró-Índio do Acre e outros povos indígenas do estado, criaram uma cronologia de suas histórias e utilizam os seguintes termos: “tempo da maloca”, para designar o período da história em que viviam juntos, antes do contato com os brancos; “tempo das correrias”, para designar o momento em que há invasões das terras indígenas no Acre, e que tentavam fugir; “tempo do cativeiro”, para a época em que foram humilhados, escravizados e serviram como mão de obra para os seringais; e, finalmente, o “tempo dos direitos” para designar o momento em que foi iniciada a luta pelas demarcações de terra, a criação da Constituinte de 1988 e o surgimento do movimento político indígena, bem como suas organizações” (Grifo nosso).  (IGLÉSIAS & AQUINO, 2005).

O texto de Terri Aquino e Marcelo Iglesias indica que se criou uma cronologia histórica para realizar o que chamo aqui de primeira adequação dos povos e comunidades indígenas à lógica do capital e o desenvolvimentismo subjacente a este. Vejamos como essa estrutura teórica justifica a transformação dos povos indígenas em supostos comerciantes de Serviços Ambientais e empreendedores:

Os povos indígenas, via de regra, não possuem um pensamento histórico linear. Esta é uma forma de pensar do Ocidente Europeu, colonialista e expansionista. Segundo (PADILHA. 2016) “Falar em tempos histórico dos povos indígenas nesta lógica é impor-lhes a lógica temporal colonizadora”. É violar a lógica indígena e negar-lhe cientificidade; é ainda impor, pela história, um modelo desenvolvimentista, evolucionista linear, como se a verdadeira história indígena não significasse nada e como se só fosse possível significa-la a partir de uma “criação cronológica de sua história”, sempre dos de fora, do colonizador.

Admitindo esses tempos históricos, admitiremos necessariamente que no Acre se chegou a um tempo, identificado como “tempo dos Direitos”. Este ponto é especialmente crítico porque enfraquece a necessidade de seguir lutando por direitos e, o pior, coloca os povos indígenas como meros receptores desses direitos. Os direitos passam a ser uma dádiva, um presente, uma concessão por parte dos mandatários. Este modelo fora aplicado várias vezes em nossa história. 

Por exemplo, a Princesa Izabel “libertou” os escravos como que em um gigantesco ato humanitário e como se os escravizados nada tivessem feito por sua própria libertação. No caso dos indígenas no Acre a ideia é a mesma: depois que os direitos lhes foram dados por pura generosidade das autoridades do Governo da Floresta, a eles, os povos indígenas, resta apenas a eterna gratidão e subserviência. Destacamos que justamente a partir do ano de 2002/2003, em pleno Governo da Floresta, todos os processos de demarcação de Terras Indígenas no Estado do Acre foram paralisados. E raras foram as vozes que se levantaram contra esse ataque aos direitos dos povos.

A não necessidade de demarcação de novas terras, ou das terras que não foram demarcadas, quer justificar a tese de que o problema dos povos indígenas no Acre não é a falta de terra, mas sim a falta de gestão. Os indígenas, portanto, precisam aprender a serem gestores de suas terras e dos recursos que também “recebem” do governo. Entretanto, a representação tradicional dos povos indígenas não dá conta desta nova demanda já que os caciques quase sempre são vistos como incapazes, incompetentes, não letrados e essas diversas formas preconceituosas de entender a organização sociopolítica dos povos. Por isso se justifica a criação de setores especializados em fomento e gestão.


A partir de então, extingue-se o movimento das lideranças indígenas, formados basicamente por caciques e experientes líderes (a União das Nações Indígenas do Acre, Noroeste de Rondônia e Sul do Amazonas – UNI[3] Acre é falida em 2004), e o poder de representação e consulta fica restrita aos diretores de organizações por vezes sem nenhum vínculo com as comunidades. De outro lado, essa nova forma de se organizar se ajusta melhor às necessidades do governo e das ONGs responsáveis por este “diálogo” já que não precisam mais se dirigir até as aldeias, pois as coordenações dessas ONGs (Indigenistas e indígenas) são sediadas na capital, Rio Branco ou em outros centros próximos ao poder.

Essas ONGs, pelo fato de não terem capilaridade, não chegam até as aldeias e a gestão fica limitada às mesmas ONGs, sem uma prática interna, local, nas comunidades. A alternativa apresentada então é uma: transformar as comunidades ou setores dessas comunidades abrindo-as ao mercado. A questão, portanto, não é os povos indígenas terem acesso a recursos, mas, governos, ONGs e empresas terem acesso aos recursos naturais comuns existentes nos territórios. Para tanto, se faz necessário a criação de uma legislação que regulamente a expropriação:


Art. 1º Fica criado o Sistema Estadual de Incentivos a Serviços Ambientais – SISA, com o objetivo de fomentara manutenção e a ampliação da oferta dos seguintesserviços e produtos ecossistêmicos: I – o sequestro, a conservação, a manutenção e o aumento do estoque e a diminuição do fluxo de carbono; II – a conservação da beleza cênica natural; III – a conservação da sociobiodiversidade; IV – a conservação das águas e dos serviços hídricos; V – a regulação do clima; VI – a valorização cultural e do conhecimento tradicional ecossistêmico; e VII – a conservação e o melhoramento do solo. (ACRE. Lei 2.308 de 22 de outubro de 2010).

Veja que o que se tem por objetivo principal “fomentar a oferta de serviços e produtos”. Os artesanatos e utensílios são um grande exemplo de como tem se dado a sebraelização. Uma senhora que produz artesanatos, por exemplo, é alçada à condição de empreendedora. Os artesanatos, muitos com profunda e íntima relação com o sagrado, passam a ser apenas objeto de comércio, mercadoria. Há uma espécie de dessacralização da natureza, da cultura místico/religiosa.

Art. 5°. O SEBRAE tem por objetivo fomentar odesenvolvimento sustentável, a competitividade e o aperfeiçoamento técnico das microempresas e das empresas de pequeno porte industriais, comerciais, agrícolas e de serviços, notadamente nos campos da economia, administração, finanças e legislação; da facilitação do acesso ao crédito; da capitalização e fortalecimento do mercado secundário de títulos de capitalização daquelas empresas; da ciência, tecnologia e meio ambiente; da capacitação gerencial e da assistência social, em consonância com as políticas nacionais de desenvolvimento. (https://m.sebrae.com.br/Visitado em 17/11/18).(Grifo nosso)

Vejam que curioso. Enquanto o governo do Acre, a serviço de empresas e governos “esverdeados”, fala em “fomentar a oferta de serviços e produtos”, o SEBRAE fala em “fomentar o Desenvolvimento Sustentável e acesso à ‘crédito’ e capitalização”.

A Sebraelização das relações, a mercantilização da cultura, assim como a Financeirização da natureza por meio da economia verde (ou outro nome que soar melhor) tem um vício de origem. Ou seja, não procuram equacionar e resolver os gravíssimos problemas dos povos indígenas, mas procura apenas resolver os problemas de falta de políticas públicas da parte do governo e em vários casos, resolver o problema de caixa de governos e ONGs. Esses projetos tendem ao fracasso especialmente porque não escutam os povos indígenas nem durante a elaboração e muito menos na execução. São sempre vindos de fora, nunca nascem da vontade desses povos e se quer essa vontade é considerada.

É justamente em decorrência desta leitura política e considerando os aspectos perigosos e o desrespeito aos direitos dos povos indígenas, notadamente os direitos Constitucionais, é que o Cimi – Conselho Indigenista Missionário, soltou uma nota pública em 13/03/2012 com o título: “A Sanha do Capitalismo Verde: REDD e as artimanhas contra os povos indígenas” em cujo primeiro parágrafo lemos:

Agora não chegam as caravelas com portugueses, espanhóis, ingleses, franceses e outros do norte desenvolvido. Chegam empresas transnacionais do norte, trazendo a tiracolo os governos de seus países, com propostas “ecologicamente corretas” e carregando em seu bojo a subordinação ainda maior dos povos do sul. A terra, lastro do capital natural, está sendo comercializada em bolsas de valores. Tal sanha também se estende aos outros elementos da natureza, como o ar, a biodiversidade, a cultura, o carbono – patrimônios da humanidade”. (grifo nosso).

A Constituição Brasileira, em seu artigo 231 é clara quanto ao reconhecimento dos direitos dos povos indígenas, não dependendo de nenhuma interpretação, reconstituição supostamente histórica, ou mesmo leis estaduais que venham a lhes “garantir” esses direitos.

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. (…)

§ 2º – As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. (…)

§ 6º – São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.

Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo. (Brasil, CF Art. 231 e 232) (Grifo Nosso)

A intenção de explorar as riquezas existentes nos territórios indígenas e nos territórios de povos e comunidades tradicionais é o que sempre está por trás. Este tem sido o nosso ponto central de críticas e enfrentamentos nestes quase vinte anos últimos, coincidentes com governos da chamada Frente Popular do Acre. Os governos da Frente preferiram fazer ouvido de mercador (sem ironias) a escutar a voz crítica dos povos e comunidades.

A pesquisadora e estudiosa de temas ligados à economia verde e REDD, Juta[4] (KILL 2016) em documento enviado ao MPF – Ministério Público Federal do Acre, no contexto do inquérito Civil nº 1.10.001.000166/2016 – 90, ao falar de financiamento de atividades em terras indígenas do Acre diz:

 “É somente através dessa estrutura incomum de pagamento, que inclui pagamentos por manter o “estoque de carbono” em lugares onde não há risco de o carbono fluir para a atmosfera que o financiamento do REM no Acre foi disponibilizado para financiar atividades em Terras Indígenas (TIs). Esses pagamentossão feitos a atividades em áreas onde não há risco imediato de desmatamento e para as quais o governo do Acre não pode mostrar uma redução verificada do fluxo de carbono para a atmosfera porque não havia risco de tal fluxo acontecer: os povos indígenas vinham mantendo a floresta dentro do seu território demarcado. Os pagamentos são feitos para recompensar a conservação do estoque de carbono, e não para reduzir o fluxo de carbono para a atmosfera, conforme sugerido pela primeira letra na sigla REDD – Redução”. (KILL. Juta, A relação entre o REDD+ e o programa “REDD para pioneiros”- REDD Early Movers, ou REM do banco público alemão KFW, 2016).

Notemos que ela fala em “estrutura incomum de pagamento para manter “estoques de carbono”. No caso dos territórios indígenas o governo do Acre “não pode mostrar uma redução verificada do fluxo de carbono para a atmosfera”. Cito este documento da Juta ao final para indicar o ponto onde paramos neste ano de 2018. Ou seja, saímos de uma desconstrução do modo tradicional de vida dos povos indígenas para uma Sebraelização aprofundada até o limite da mercantilização total chegando à financeirização.

CONCLUSÃO
A complexidade do tema e o interesse de que não nos apropriemos do conhecimento dos riscos relativos ao modelo econômico vinculado à economia Verde e sua consequente Sebraelização, mercantilização e Financeirização da natureza, tem nos levado a estudos cada vez mais aprofundados e ainda os faremos por longo tempo já que uma das estratégias é a troca conceitual frequente e a utilização de linguagem não comum do dia a dia das comunidades.

No nosso entendimento, em relação aos povos indígenas, os processos foram construídos da seguinte forma, resumidamente:

a)         Introdução de uma cronologia histórica apropriada para a alteração profunda na lógica adotada tradicionalmente pelos povos indígenas incutindo em algumas lideranças, notadamente lideranças não tradicionais e formadas em espaços alheios às aldeias incutindo-lhes a ideia de “desenvolvimento”.
b)         Adoção de conceitos como “gestão” territorial e empreendedorismo como forma de transferir as responsabilidades pelo sucesso, ou fracasso, aos próprios povos indígenas, desresponsabilizando o poder público, ONGs empresas e governos não nacionais.
c)         Conversão dos direitos em presentes dados por um governante bonzinho e que olha para os povos da floresta, vela sobre seus sonhos.
d)         Contratação de ONGs que prestam consultoria ao governo na formulação de leis e na aplicação de mecanismos ligados aos interesses mercadológicos.
e)         Desqualificação e desautorização das lideranças tradicionais em benefício de novas lideranças que melhor “dialogam” com essas novas formas do velho capitalismo, “empreendedorismo” e desenvolvimentismo.
f)          Hipoteca das terras indígenas e áreas de conservação com discurso inversamente oposto para confundir.
g)         E, por fim, controle absoluto pelo capital sobre os bens naturais comuns a todos nós por meio da mercantilização e Financeirização da natureza.

Referências:

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.

KILL. Juta, A relação entre o REDD+ e o programa “REDD para pioneiros”- REDD Early Movers, ou REM do banco público alemão KFW, 2017).
NUNES, Rosenilda Padilha. (Org.) Indígenas em espaços urbanos no acre, CIMI, Ed. Mensageiro, Acre 2011.

NUNES, Rosenilda Padilha. Entre o Português e o Jaminawa: o bilinguismo e o ensino da língua oficial. 2013; Dissertação (Mestrado em Mestrado em Ciências da LInguagem) – Fundação Universidade Federal de Rondônia. 

PADILHA, Lindomar D. et al. Dossiê Acre: O Acre que os Mercadores da Natureza escondem, CIMI, DF, 2012. 


[1]Lindomar Dias Padilha é licenciado em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará – UECE e pós-graduado em Desenvolvimento e Relações Sociais no Campo, Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais pela Universidade de Brasília, UnB. E mestrando em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis.

[2] Adoto este termo desde 2012, por ocasião da Rio +20 quando foi publicado o Dossiê Acre. A expressão surge após uma leitura comparativa dos objetivos contidos no estatuto do Sebrae e a forma e objetivos contidos na Lei 2.308, a chamada Lei SISA do Acre. Ao comparar, notei que o estatuto geral do Sebrae em seu capítulo 5º repete para todos os estado a mesma objetividade, acrescendo apenas as siglas referentes às unidades da federação ( TO – Tocantins; AC – Acre) e que o mesmo ocorria com a lei acreana que era apenas adaptadas aos estados, repetindo porém, os objetivos.

[3] O fim da UNI deixa um enorme vazio na política indigenista como um todo e principalmente na política de atenção à saúde, terra e educação. Há uma grande perplexidade sobre os caminhos a serem percorridos e em relação ao Movimento Indígena. Passa a ser urgente a criação de novos espaços para reflexão. Mas, esses espaços são negados e obscurecidos por força da ação político partidária que ainda atua de maneira decisiva e controla os recursos destinados à saúde e aos demais setores da vida indígena.

[4] Jutta Kill é bióloga, ativista e pesquisadora. Sua pesquisa é orientada à ação e apoio aos movimentos sociais e comunidades tradicionais, na análise de novas tendências na conservação da natureza e proteção ambiental e seu impacto sobre as comunidades. Desde 2000 vem documentando os impactos locais de inúmeros projetos de carbono florestal e biodiversidade, em particular os que comercializam compensação de carbono. Combinando pesquisa de campo e análise crítica com fundamento teórico, seu trabalho vem apoiando fortemente a formulação de argumentos contrários aos esquemas de mercantilização e financeirização da natureza, assim como denunciando as violações aos direitos das comunidades indígenas e tradicionais na África e América Latina.

Colaboração de Amyra El Khalili ,in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 21/02/2019

"A Sebraelização do Indigenismo na Amazônia Ocidental como estratégia para a mercantilização e a financeirização, artigo de Lindomar Dias Padilha," in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 21/02/2019, https://www.ecodebate.com.br/2019/02/21/a-sebraelizacao-do-indigenismo-na-amazonia-ocidental-como-estrategia-para-a-mercantilizacao-e-a-financeirizacao-artigo-de-lindomar-dias-padilha/.

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