Pagar por serviço ambiental para conservar a Amazônia será eficaz se invasões de terra acabarem, dizem especialistas
LEI SANCIONADA QUE CRIA A POLÍTICA NACIONAL DE PAGAMENTO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS DEPENDE DE REGULAMENTAÇÃO. PAGAMENTO CONSISTE EM TRANSAÇÃO VOLUNTÁRIA, QUANDO ALGUÉM PAGA PARA SE COLOCAR EM PRÁTICA ATIVIDADES QUE AJUDEM A RECUPERAR, MELHORAR E MANTER O ECOSSISTEMA EM FUNCIONAMENTO.
Financiar a preservação da Amazônia através do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) é visto por especialistas como uma importante ferramenta para que produtores e fazendeiros usufruam de uma economia verde mantendo a floresta em pé.
Porém, o chamado PSA faz parte de uma equação maior de projetos de conservação, sendo que de nada adiantará se as invasões de terra e as atividades grileiras no bioma continuarem.
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“Um público prioritário deve ser os povos indígenas e os nativos da floresta, quilombolas e extrativistas, pois sabem como usar muito bem a floresta. Vivem da floresta, já conhecem, têm capacidade de colher produtos novos, e, portanto, já fazem serviços ambientais e sabem como fazer. Mas nada disso vai adiantar se continuar havendo invasão dentro dessas terras indígenas. São atividades incompatíveis. Para parar a invasão da terra não é PSA, mas sim aplicação da lei. Precisamos dosar mecanismos de punição com de indução, de premiação à atividade correta”, explicou Raul Valle, diretor de Justiça Socioambiental da WWF Brasil.
Inserido no Código Florestal Brasileiro em 2012, o pagamento por serviços ambientais ganhou força este ano ao ser sancionada a lei federal nº14.119/2021, que designa a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA) e trata da implementação de uma política de incentivo à preservação. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vetou alguns artigos do então projeto de lei, mas foram derrubados no Congresso Nacional. A lei ainda depende de regulamentação.
Esse tipo de pagamento, conforme a norma, consiste em uma transação voluntária, pois a pessoa paga para alguém colocar em prática atividades coletivas ou individuais com objetivo de recuperar, melhorar e manter o ecossistema em contínuo funcionamento.
Para André Guimarães, diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), o PSA ajuda a criar incentivos para impulsionar a produção agropecuária sem perdas econômicas, estimulando, em paralelo, a conservação do meio ambiente.
‘”Assim, você harmoniza melhor as atividades humanas com a natureza para permitir que se continue, no futuro, promovendo aquela atividade na mesma região com o mesmo regime de chuva, qualidade de solo e produtividade”, disse.
“(O PSA) é um arcabouço jurídico que cria incentivos para que os usuários da terra continuem utilizando de forma racional as áreas já abertas, mas que também invistam e se dediquem a conservar os ativos ambientais que ainda existem”, reforçou André Guimarães.
O diretor executivo do IPAM avalia a derrubada dos vetos pelo Congresso Nacional como positiva, um marco legal. Esse novo passo, segundo ele, permite que os debates sobre PSA ganhem maiores escalas e pulso jurídico, o que auxiliará, por exemplo, na expansão do serviço entre empresas de estados diferentes ou de um grupo do exterior com um brasileiro.
“A oferta existe, mas há pouca demanda por causa da falta desse arcabouço jurídico. Não é que não existam pessoas, países que queiram investir nos serviços ambientais, mas não temos estrutura jurídica que torne essas transações mais transparentes e formalizadas. Vejo esse processo legislativo com muita esperança, de que não será só uma lei, mas sim grande alavanca para que os negócios dos serviços ambientais tomem proporção e que saiam da escala de projeto ou ações pontuais para uma escala nacional”, complementou André.
“A lei vai aproximar quem esteja precisando de uma brigada de incêndios para proteger mais a sua área com alguém que está buscando projetos para investir em ações dessa natureza. A economia verde passa por essa valorização de serviços e ativos e em formas extrativistas que protegem a floresta”, declarou o advogado Rômulo Sampaio, da Fundação Getúlio Vargas.
Conforme Rômulo, o pagamento por serviços ambientais pode ser visto como um instrumento adicional para corrigir uma falha de mercado. Ou seja, quando se produz algo que causa impacto em um terceiro que não faz parte dessa relação de produção.
“O típico caso de danos ambientais. Quando uma indústria se desenvolve, precisa utilizar o meio ambiente para processar os seus resíduos. Então, joga fumaça no ar, joga reagentes tratados no rio e isso precisa ser controlado, senão causa essa falha de mercado”, disse.
Iniciativas de mercado
Um dos exemplos de PSA é o mercado de crédito de carbono. Com a premissa de diminuir os impactos ambientais e mitigar as mudanças climáticas por meio da compensação dos gases de efeito estufa, esse tipo de mercado pode ser mais uma soma a favor da conservação dos ecossistemas, pois conta com repasse econômico para que se haja uma atitude positiva ao meio ambiente, como sequestrar carbono ou deixar de desmatar.
Porém, na prática, ainda não é regulamentado no Brasil e segue uma linha voluntária no país. Os debates sobre uma possível regulamentação estão previstos para ocorrer na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP 26) em novembro deste ano, na Escócia, quando representantes das nações se reunirão para tentar chegar a um consenso sobre o artigo sexto do Acordo de Paris.
O mercado de crédito de carbono funciona assim: uma organização que emite os gases paga outra que gera créditos para neutralizá-los. Assim, o carbono emitido é compensado. A cada uma tonelada métrica de CO2 não emitida é gerado um crédito. As regras desse mercado, entretanto, dependem da gestão de cada país.
“O Brasil tem todas as possibilidades de ser um dos principais beneficiários de um mercado de carbono internacional. Se bem estruturado, pode sim ser uma ferramenta importante e positiva para se reduzir desmatamento e induzir a restauração florestal”, explicou Raul Valle, da WWF Brasil.
Outra frente de iniciativa ao mercado de pagamento de serviços ambientais é o desenvolvimento de projetos para reduzir as emissões oriundas da degradação ambiental em áreas de preservação. O instrumento que reúne tais projetos é chamado de Redução de Emissões do Desmatamento e Degradação Florestal (REDD +).
A ideia é o pagamento por resultado. Países em desenvolvimento detentores de florestas tropicais fazem a redução das emissões e, em troca, recebem compensação financeira internacional. Além do recuo das emissões, o REDD+ trabalha com a condição de aumentar as reservas florestais de carbono, além de promover a gestão sustentável das florestas e mantê-las de pé.
“O Brasil é um país dependente de serviços ambientais para o sucesso econômico. Praticamente todos os nossos grandes ciclos econômicos, desde o pau-brasil, no século XVI, passando pelo cacau, borracha, café e agora no ciclo recente do agronegócio, são todos ciclos econômicos que dependem dos serviços ambientais. Dependem da chuva, da qualidade do manejo do solo, de se fazer uma boa gestão dos recursos naturais”, reforçou André Guimarães, diretor executivo do IPAM.
Papel do governo federal
Com intuito de consolidar o pagamento por serviços ambientais no Brasil e fomentar o conceito de uma nova economia verde, o programa “Floresta+”, do governo federal, foi instituído em julho do ano passado. A ideia é que o projeto consiga abranger todos os biomas brasileiros, com primeiro passo dado nos estados que compõem a Amazônia Legal. O foco é em áreas de vegetação nativa e engloba terras indígenas, unidades de conservação, assentamentos e propriedades privadas.
Recentemente, por exemplo, um novo eixo do programa entrou em vigor. Batizado de “Floresta+ Empreendedor”, o objetivo é conectar pagadores e prestadores desses serviços. Para colocar em prática trabalhos como orientação técnica aos interessados em aderir ao mercado de pagamento por serviços ambientais, o governo federal firmou cooperação com o Sebrae.
O secretário da Amazônia e Serviços Ambientais, do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Joaquim Leite, explicou que o maior desafio é fazer com que o programa seja relevante aos que protegem a floresta, especialmente produtores rurais.
“O desafio é fazer com que a gente crie e consolide o mercado de serviços ambientais em um país onde 67% do território é preservado com a floresta nativa. O desafio do programa é que atualmente há uma grande possibilidade de que esse mercado seja relevante para todo mundo que protege floresta, tanto aos que protegem floresta em áreas rurais, especialmente áreas rurais, produtores rurais com um volume de área de aproximadamente 218 milhões de hectares de remanescente de vegetação nativa nas propriedades e esses produtores rurais prestam essas atividades e deveriam ser reconhecidos e remunerados”, explicou o secretário.
No contexto do programa, as atividades de serviços ambientais incluem reflorestamento com árvores nativas, conservação de solo, água e biodiversidade, combate e prevenção de incêndios, entre outros. Parcerias com órgãos e entidades, sejam eles públicos ou privados, nacionais ou estrangeiros, poderão ser firmados para desenvolver essas iniciativas.
“O programa Floresta+ inspirou a lei brasileira de pagamentos por serviços ambientais e é um dos caminhos para que a gente possa receber recursos de países estrangeiros mesmo antes de que o artigo sexto do Acordo de Paris esteja regulamentado. Já é uma forma do Brasil receber recursos e essa forma pode ajudar muito não só na preservação da floresta amazônica, mas de todos os nossos biomas”, reforçou o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
O advogado Rômulo Sampaio cita que o governo federal está disposto a aceitar outros mecanismos para conseguir atingir objetivos que ajudem a preservar o meio ambiente. “Esses instrumentos já vinham sendo usados por países desenvolvidos e o Brasil anda agora mais nessa direção. O Floresta+ é um programa muito curto em que o governo diz que estamos dispostos a ir para esse caminho de valorar serviços ambientais proporcionados por essa floresta com um novo conceito de economia verde, partindo de um pressuposto de que se precisa levar dinheiro à floresta, porque tem pessoas que vivem lá”.
Fonte: G1