quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

Brasil promove “leilão do fim do mundo” e ignora clamor por fim dos fósseis

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Brasil promove “leilão do fim do mundo” e ignora clamor por fim dos fósseis

Megaoferta inclui blocos em áreas mais sensíveis, como Amazônia e Fernando de Noronha

12.12.2023 - Atualizado 13.12.2023 às 21:31 | 

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DO OC – A posição contraditória do Brasil em relação ao combate às mudanças climáticas se evidencia às vésperas  de um enorme leilão para a exploração de combustíveis fósseis no país marcado para esta quarta-feira (13/12), ao final da 28° conferência do clima (COP28). São oferecidos 602 blocos e uma área com acumulação marginal, lugar inativo onde a produção foi interrompida ou nem iniciada, no 4° Ciclo da Oferta Permanente de Concessão (OPC). Outros cinco blocos no pré-sal, fronteira de exploração já consolidada no Brasil, serão ofertados na mesma data em regime de partilha.

O leilão é problemático não apenas por promover a expansão da produção de combustíveis fósseis quando o planeta precisa urgentemente reduzi-la. Afinal, as emissões de gases poluentes que intensificam o aquecimento global vêm principalmente do uso de combustíveis fósseis. “A ciência climática é clara: não podemos mais abrir novas áreas de exploração de combustíveis fósseis”, ressalta Délcio Rodrigues, diretor-executivo do Instituto ClimaInfo.

O outro ponto de destaque é o impacto negativo em áreas ambientalmente sensíveis. “O leilão possui ao menos 77 blocos com violações das diretrizes ambientais da ANP [Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis]”, comenta Juliano Araújo, diretor-presidente do Instituto Arayara. A organização publicou no dia 6 de novembro um estudo que detalha as sensibilidades das áreas que serão leiloadas.

As centenas de blocos da OPC estão divididos em nove bacias sedimentares e 33 setores em terra e mar. Ambientalistas têm chamado a oferta de “leilão do fim do mundo”. No entanto, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, celebrou a confirmação do leilão em outubro. Na época, o ministro que quer transformar o país no 4° maior produtor de combustíveis fósseis – atualmente, o Brasil ocupa a 9° posição – argumentou que os leilões vão gerar mais investimentos, empregos e arrecadação que serão revertidos em benefícios para a população. “A transição energética já é uma realidade trabalhada em nosso país, mas ainda temos de buscar novas reservas que são viabilizadas com a Oferta Permanente”, completou.

O discurso de Silveira é rebatido por especialistas. “O Brasil já possui reservas mais que suficientes para atender a demanda nesta fase de transição para fontes renováveis. Temos tudo para promover inovação se pensarmos sob o aspecto socioambiental”, diz Ricardo Junqueira Fujii, especialista em conservação do WWF-Brasil.

“No discurso de abertura da COP28, o presidente Lula afirmou que é hora do Brasil liderar pelo exemplo a agenda climática para pavimentar a descarbonização do planeta. A contradição fica evidente quando, um dia após o término do evento da ONU sobre mudanças climáticas, o governo brasileiro realiza o pior leilão de blocos de petróleo da história do país”, critica Enrico Marone, porta-voz da área de oceanos do Greenpeace Brasil. 


Riscos ambientais

A bacia sedimentar Potiguar é a líder em número de blocos ofertados nesta rodada. São 187 no total. Todos os onze blocos localizados em mar estão na Cadeia de Fernando de Noronha, uma grande cordilheira submarina de 1.300 quilômetros que se estende do norte do Ceará ao Rio Grande do Norte. A cordilheira é composta por 14 formações geológicas, e  as únicas cujo topo fica acima do nível do mar são as que abrigam a Reserva Biológica do Atol das Rocas e o arquipélago Fernando de Noronha, famoso pelo potencial turístico.

Segundo um ensaio encomendado e publicado pelo Observatório do Clima em 2021, a Cadeia de Fernando de Noronha é muito importante para os ecossistemas marinhos, pois peixes e animais invertebrados usam a estrutura para reprodução, alimentação e como berçário e abrigo. A região é importante também para tartarugas marinhas, cetáceos, tubarões, golfinhos e aves marinhas. O estudo ressalta que esse ecossistema é de extrema importância para a sustentabilidade socioeconômica da pesca artesanal do nordeste. 

A pesquisa conduzida por especialistas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) lembra que atividades de exploração de petróleo e gás causam impactos ambientais mesmo sem ocorrência de vazamentos. Um exemplo é a dispersão de contaminantes oriundos de fluídos da perfuração. Em 2021, os blocos foram ofertados na 17° rodada da ANP, mas não receberam lances. O Instituto Arayara está movendo ações na justiça para que blocos em áreas sensíveis sejam excluídos do leilão. Uma das ações é com foco na Cadeia de Fernando de Noronha.

Saiba mais sobre a Cadeia de Fernando de Noronha no vídeo a seguir:

A Bacia Potiguar faz parte da Margem Equatorial, área que tem início no litoral do extremo norte do Brasil com a Bacia Foz do Amazonas e tem atiçado a ambição de petroleiros. Em maio, o Ibama negou à Petrobras uma licença ambiental para explorar o bloco 59 da Foz do Amazonas. 

Os blocos em terra da Potiguar também são problemáticos. Análise feita pelo Instituto Arayara mostra que 123 blocos potiguares estão em área de recursos não-convencionais, o que significa que a extração deve ser feita por meio de fraturamento hidráulico (fracking).  A técnica, mais poluente, consiste na injeção de grandes quantidades de água, areia e produtos químicos para romper a rocha e fazer com que o combustível chegue à superfície. Com exceção das bacias de Santos e Espírito Santo, as outras também possuem áreas de recursos não-convencionais.

A análise do Instituto Arayara destaca uma preocupação por causa dos recursos hídricos da Bahia, especialmente na bacia do Recôncavo. A exploração de combustíveis fósseis pode contaminar águas subterrâneas utilizadas para abastecimento público e irrigação. 

O Brasil não possui uma lei federal que proíba a realização do fraturamento hidráulico. Há leis estaduais no Paraná e Santa Catarina e algumas municipais que vetam a prática. 

Na bacia do Amazonas, além do fracking, há preocupações com a proximidade dos blocos com terras indígenas e áreas de amortecimento de unidades de conservação e desmatamento. Segundo Luiz Afonso Rosário, especialista da 350.org, explorar combustíveis fósseis na Amazônia vai contra o discurso de desmatamento zero. “Eles [exploradores de combustíveis fósseis] têm entrado em mata fechada. Eles têm instalado estruturas imensas. Isso contraria o discurso. Além de tudo, é uma atividade indutora de apropriação de terras”, comenta, ao fazer referência à exploração de combustíveis fósseis já existente na Amazônia.

Um exemplo é o caso da região onde fica o campo do Japiim, que está classificado como área com acumulação marginal neste leilão. A Manifestação Conjunta publicada em 2022 que o colocou como apto para voltar a ser leiloado diz que o campo está em uma área isolada, em meio à floresta amazônica, próximo ao campo Azulão, onde a empresa Eneva já tem infraestrutura para exploração de gás natural. A Petrobras, que era a concessionária do Japiim, estava implementando um plano de recuperação de área degradada onde houve intervenção. 

De acordo com um estudo publicado no Jornal de Economia do Desenvolvimento em junho, a perda de vegetação em torno de 5 km2 ao redor de poços perfurados é em média 0,1 ponto percentual maior nos primeiros anos após a perfuração em comparação ao período anterior à exploração. O desmatamento crescente ocorre para a operação e abertura de vias de acesso.

A pesquisa avaliou 3.101 poços em terra em 55 países, incluindo o Brasil, e de 396 empresas. A imagem abaixo  mostra o desmatamento próximo a poços perfurados na Bacia Amazônica Ocidental entre 1985 e 2015. 

Os blocos, do norte ao sul do país, também podem impactar recifes de corais, manguezais, espécies ameaçadas de extinção e territórios quilombolas. A bacia do Espírito Santo, por exemplo, tem blocos que põem em risco áreas de Mata Atlântica, como o Parque de Itaúnas e a RESEX de Cassusurá, na região de Abrolhos, no extremo sul da Bahia. Além disso, tem  setores próximos aos territórios quilombolas de Linharinho, São Domingos e São Jorge, no Espírito Santo.

Na manhã desta quarta-feira, o Instituto Arayara promove uma mobilização no Rio de Janeiro contra o leilão. “A gente tem cobrado bastante coerência do governo brasileiro, que por um lado traz um discurso de desenvolvimento sustentável e de uma necessidade de transição energética, mas no dia seguinte do final da COP oferta 602 blocos e uma área marginal. São novas fronteiras [de combustíveis fósseis] que não precisam estar sendo expandidas”, diz Nicole Figueiredo, diretora-executiva do Instituto Arayara. (PRISCILA PACHECO)

 


“Começo do fim”: COP28 termina com decisão inédita sobre fósseis

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“Começo do fim”: COP28 termina com decisão inédita sobre fósseis

Sinalização, no entanto, é comprometida por fragilidade do texto final, que não menciona prazos ou garantia de financiamento para transição

13.12.2023 - Atualizado 18.12.2023 às 11:34 | 

DO OC – “Mas já?”

Os observadores que acompanhavam pelo telão da Expo 2020 a plenária final da COP28, em Dubai, levaram alguns segundos para entender o que havia acontecido. Às 11h12 da manhã desta quarta-feira (13), um minuto e quarenta e cinco segundos após a abertura da sessão, o presidente da conferência, Sultan Al-Jaber, bateu o martelo da adoção da decisão mais importante (e polêmica) do encontro: o Balanço Global do Acordo de Paris.  

A velocidade da marretada, imediatamente aclamada pelos delegados de mais de uma centena de países presentes em Dubai, surpreendeu por contrariar o ritual normal das conferências do clima. Em geral, o presidente da COP anuncia o item de agenda que será adotado e, antes de bater o martelo, tem de ouvir discursos de vários países – frequentemente discordando do texto. O fato de isso não ter ocorrido em Dubai foi ainda mais espantoso dado o conteúdo do texto em questão e a quantidade de drama em torno dele nas 48 horas anteriores: afinal, um dos itens de suas 21 páginas fala simplesmente em abandonar os combustíveis fósseis, os causadores da crise climática, que haviam passado 30 anos fora do gancho nas COPs.

Em seu parágrafo 28, o texto do Balanço Global convoca os países a “fazer a transição para longe dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos de uma maneira justa, ordenada e equitativa, acelerando a ação nesta década crítica, de forma a atingir emissão líquida zero até 2050, em linha com a ciência”.

É muito menos do que a “eliminação gradual justa, completa e adequadamente financiada dos combustíveis fósseis”  que a sociedade civil e as nações-ilhas exigiam para que o mundo tivesse a chance de limitar o aquecimento global em 1,5oC, ou o mais perto disso possível. Mas muito mais do que parecia possível na noite de segunda-feira, quando a presidência botou na mesa uma proposta de texto que as nações insulares rejeitaram como sua “sentença de morte”: um cardápio de opções que os países “poderiam” adotar para “reduzir gradualmente” as usinas a carvão mineral que não tivessem suas emissões compensadas ou sequestradas.

O bode colocado por Al Jaber na sala provocou revolta generalizada dos países e levou a intensas negociações que fizeram a COP terminar 24 horas e 12 minutos depois do prazo dado pela presidência, mas que produziram um pequeno milagre da diplomacia: sinalizar o fim da era fóssil numa conferência feita no quintal da Arábia Saudita, liderada pelo CEO de uma empresa de petróleo e com instruções muito claras da Opep (o cartel das nações petroleiras) para melar seu resultado.

As concessões aos fósseis no chamado “pacote de energia” de Dubai, porém, ameaçam a consolidação desse milagre: o texto fala, por exemplo, de “acelerar esforços para reduzir o carvão mineral não-mitigado”, o que não tem nenhuma diferença para o que o mundo já está fazendo e que já havia sido decidido em 2021, na COP de Glasgow; também promove tecnologias que ajudam a manter a produção e o consumo de fósseis, como a captura e armazenamento de carbono (CCS); por fim, num aceno gigantesco aos países petroleiros, o texto de Dubai defende “combustíveis de transição”, que incluem o gás fóssil. Além disso, ficaram de fora do texto final definições sobre prazos para a transição e também quanto ao financiamento dos países ricos para a ação climática dos países em desenvolvimento. 

As fragilidades foram apontadas por Samoa numa intervenção demolidora, que começou questionando o próprio processo de aprovação do texto final. Segundo Anne Rasmussen, negociadora-chefe da nação insular do Pacífico, a decisão foi tomada enquanto o grupo ainda estava do lado de fora da plenária, organizando suas intervenções e demandas. “Não queríamos interromper a ovação quando entramos na sala, mas ficamos confusos quanto ao que aconteceu. Aparentemente as decisões foram tomadas e as pequenas ilhas não estavam na sala”, afirmou. 

Houve o temor de que isso colocasse sob suspeição o consenso dos países, mas Rasmussen logo anunciou que iria apresentar a declaração que grupo de 39 nações insulares pretendia fazer antes da aprovação do texto. E começou apontando os limites do “reconhecimento da ciência” no texto final. “No parágrafo 26, não vemos qualquer compromisso ou mesmo convite às partes para que atinjam seus picos de emissões até 2025. Reivindicamos a ciência ao longo do texto, e mesmo nesse parágrafo, mas nos abstemos de aprovar ações concretas alinhadas ao que a ciência nos diz. Não é o bastante para nós reconhecer a ciência e, depois, fazer acordos que ignoram o que a ciência está nos orientando a fazer”, disse. 

A representante de Samoa criticou ainda trechos do parágrafo 28, como o recorte específico aos “sistemas energéticos” no subparágrafo que aborda a transição dos fósseis. A referência é vista como uma limitação, já que fósseis são utilizados em outros sistemas, como na indústria petroquímica, a produção de plásticos e medicamentos. “O foco exclusivo do parágrafo 28D nos sistemas energéticos é frustrante”, declarou. O parágrafo cita ainda o abatimento e remoção de carbono como “soluções”, consideradas por Rasmussen como distrações que podem “potencialmente nos fazer retroceder, ao invés de avançar”.

Simon Stiel, secretário-executivo da Convenção do Clima da ONU, tampouco se deixou levar pela autoindulgência de Al Jaber: “Embora não tenhamos virado completamente a página dos combustíveis fósseis em Dubai, isso é claramente o começo do fim”, disse. Celebrando comedidamente o resultado, Stiel destacou ainda a necessidade de um olhar para “o que vem a seguir”. Erguendo uma edição impressa do Acordo de Paris, foi aplaudido ao dizer que o caminho, agora, passa por colocar o tratado em pleno funcionamento. O secretário-executivo da UNFCCC lembrou que, na trilha para a COP30, os países precisarão apresentar suas novas contribuições nacionalmente determinadas em 2025. “Cada compromisso sobre finanças, adaptação e mitigação precisa estar alinhado à meta de 1,5ºC”, disse, sinalizando que ainda há muito em que se avançar nos próximos dois anos. 

A ministra brasileira do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, uma das primeiras a discursar na plenária, reforçou o quanto os próximos dois anos serão cruciais para que o planeta tenha uma chance de limitar o aquecimento e evitar o colapso climático. Destacando a necessidade de medidas mais concretas quanto aos meios de implementação (dinheiro, em bom português), cobrou países ricos e suas responsabilidades. 

“Nossa próxima tarefa é alinhar os meios de implementação necessários, assegurando a fundamental premissa da transição justa. É fundamental que os países desenvolvidos tomem a dianteira na transição rumo ao fim dos combustíveis fósseis e assegurem os meios necessários para os países em desenvolvimento poderem implementar suas ações de mitigação e adaptação”, disse.  (CLAUDIO ANGELO E LEILA SALIM)