Entrevista com Jaeder Lopes Vieira
Publicado em julho 28, 2015 por
Redação
“Existem vários fragmentos da Mata Atlântica isolados uns dos
outros e esse isolamento pode levar a floresta à extinção”, adverte o
engenheiro agrônomo.
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Foto: brasilescola.com.br |
Os desafios para
recuperar 85% da Mata Atlântica,
percentual que já foi degradado ao longo dos anos, são enormes, a
começar pelas dificuldades técnicas, visto que hoje não existem “mudas
suficientes para fazer a recuperação da Mata Atlântica.
Mesmo se
tivéssemos dinheiro, há um limite em relação à quantidade de viveiros
suficientes para a empreitada que temos pela frente”, informa
Jaeder Lopes Vieira, na entrevista a seguir, concedida à
IHU On-Line por telefone.
Vieira explica que a
regeneração da Mata Atlântica não depende somente do plantio de novas mudas de árvores, mas é necessário
recuperar a biodiversidade
de modo geral. “A floresta não é só árvore; a floresta que só tem
árvore não é floresta. Floresta tem toda uma biodiversidade de animais e
de plantas interagindo com o ambiente, ou seja, em intensa interação
com o solo e com a atmosfera, reciclando nutrientes e fazendo com que
esses nutrientes se convertam ora em matéria orgânica, ora em matéria
inorgânica. Então, a floresta é muito mais do que a vegetação em si e
que as árvores propriamente ditas; existem
outros elementos não arbustivos que fazem parte da floresta e que são fundamentais para manutenção dela”, esclarece.
Entre os investimentos possíveis para
reflorestar a Mata Atlântica, o engenheiro agrônomo frisa a necessidade de pôr em prática as determinações do
Código Florestal,
a exemplo do pagamento aos produtores rurais para reflorestarem as
áreas degradadas. “Em primeiro lugar precisamos de uma política pública
de incentivo aos proprietários rurais, ou seja, é preciso retirar do
papel o
pagamento dos serviços ambientais, porque a recuperação dessas áreas irá gerar benefícios aos homens”.
Segundo ele, também é fundamental
preservar os outros biomas brasileiros, como a
Caatinga e o
Cerrado,
e investir na recuperação das áreas já degradadas pela agricultura e
pela agropecuária ao invés de abrir novas áreas para plantio. Contudo,
“infelizmente”, pontua, “ao invés de ocupar uma área da Mata Atlântica
que já está degradada, as pessoas seguem para
novas fronteiras que têm floresta, onde o solo ainda tem uma matéria orgânica fértil. Aí as pessoas retiram a floresta, implantam uma
produção agrícola que, inclusive, na Amazônia não passa de três ciclos (três anos)”.
Jaeder Lopes Vieira é graduado em Engenharia
Agrônoma pela Universidade Federal de Lavras e em Biologia pelo Centro
Universitário Geraldo Di Biase – UGB. Atualmente é engenheiro agrônomo
do Instituto Terra, uma associação civil, sem fins lucrativos, que
promove a recuperação da Mata Atlântica no Vale do Rio Doce há 16 anos.
Confira a entrevista.
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Imagem: estudopratico.com.br |
IHU On-Line – Qual é a situação da Mata Atlântica hoje no Brasil? Que percentual dela ainda está preservado?
Jaeder Lopes Vieira – O percentual preservado gira
em torno de 8,5% do remanescente, mas o problema é que esse remanescente
está isolado, ou seja, existem vários fragmentos da
Mata Atlântica isolados uns dos outros e esse isolamento pode levar a floresta à
extinção.
A
degradação da floresta leva à degradação de vários
serviços ambientais que essa floresta proporciona ao homem, ou que
naturalmente proporcionaria se estivesse preservada. Por exemplo, a
limpeza dos rios, que hoje é necessária, seria feita se houvesse mais
áreas de florestas preservadas próximo aos rios, mas muitos serviços
ambientais estão deixando de ser realizados por conta de estarmos
ocupando essas áreas.
IHU On-Line – Em que regiões do país ainda há maior concentração de Mata Atlântica?
Jaeder Lopes Vieira – A Mata Atlântica vai do Rio
Grande do Sul ao Rio Grande do Norte e os fragmentos continuam
espalhados nessas regiões, em alguns lugares mais e em outro menos. Mas o
importante é tentarmos
conectar esses fragmentos; esse é o nosso grande desafio para o futuro. Já temos várias iniciativas, e o
Código Florestal vem ao encontro de buscar essa solução, mas falta, na prática, realizarmos mais ações para recuperar as florestas.
IHU On-Line – Quais são os desafios em torno de regenerar a
Mata Atlântica? O que significa refazer a biodiversidade da floresta?
Jaeder Lopes Vieira – Na verdade existem iniciativas de governo e de organizações não governamentais, como a do
Instituto Terra, e há iniciativas também do setor privado, tanto de empresas quanto de pessoas. Quando pensamos na extensão da
Mata Atlântica
e imaginamos que tem mais de 85% de área a recuperar, percebemos que o
desafio é enorme, ou seja, não há só um desafio técnico, mas também um
desafio financeiro e de mobilização da sociedade, porque grande parte
dessas áreas está nas mãos de
proprietários rurais.
Esses proprietários rurais, no passado, foram incentivados a retirar a
mata, e hoje temos que pensar que a sociedade tem de ajudá-los a
recuperar a Mata Atlântica, porque os custos da
recuperação não são baixos. Evidentemente, há várias técnicas que podem
ser aplicadas, as quais podem diminuir ou aumentar o custo do reflorestamento, mas, de toda sorte, pelo tamanho da área, os recursos não são baixos.
Então, em primeiro lugar precisamos de uma política pública de
incentivo aos proprietários rurais, ou seja, é preciso retirar do papel o
pagamento dos serviços ambientais, porque a
recuperação dessas áreas irá gerar benefícios aos homens. Por isso, os
proprietários rurais deveriam receber um valor para recuperar e
conservar essas áreas. Assim, o primeiro desafio é não aumentar o
desmatamento, ou seja, preservar os fragmentos que aí estão; o segundo é
remunerar o produtor para que ele possa fazer a recuperação das outras
áreas que não foram reflorestadas.
Há um desafio também técnico no sentido de que hoje, por exemplo, nós
não temos nem mudas suficientes para fazer a recuperação da
Mata Atlântica.
Mesmo se tivéssemos dinheiro, há um limite em relação à quantidade de
viveiros suficientes para empreitada que temos pela frente. Depois,
precisamos mapear essas áreas que precisam ser reflorestadas e
protegê-las dos
fatores de degradação. A maior parte
desses fragmentos, que seriam possíveis de se regenerar naturalmente,
não está se regenerando por causa pisoteio do gado e pela entrada de
fogo; esses são dois fatores importantes que temos de combater.
“O caminho para solucionar a crise hídrica é começar a recuperar e conservar as nascentes”
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IHU On-Line – Em que consiste refazer a biodiversidade? O
senhor sempre insiste que não basta plantar árvores. Pode nos explicar
melhor em que consiste essa concepção?
Jaeder Lopes Vieira – A floresta não é só árvore; a floresta que só tem árvore não é floresta. Floresta tem toda uma
biodiversidade de animais e de plantas
interagindo com o ambiente, ou seja, em intensa interação com o solo e
com a atmosfera, reciclando nutrientes e fazendo com que esses
nutrientes se convertam ora em matéria orgânica, ora em matéria
inorgânica. Então, a floresta é muito mais do que a vegetação em si e
que as árvores propriamente ditas; existem outros elementos não
arbustivos que fazem parte da floresta e que são fundamentais para
manutenção dela.
Mas é lógico que, num primeiro momento, quem faz essa conversão da
matéria inorgânica em matéria orgânica são os vegetais; eles são os
únicos capazes de fazer isso, através da fotossíntese. Por isso, o
primeiro passo é aumentar a
proteção da mata para o
solo, ou seja, quando se tem árvores, se consegue, através dessas
árvores, diminuir a primeira degradação da gota da chuva direta no solo,
arrastando esse solo para os cursos d’água e, com isso, é possível
diminuir o assoreamento dos cursos d’água. Desse modo, é preciso
aumentar a cobertura vegetal
para proteger o solo e, evidentemente, devemos ter a maior diversidade
de vegetação possível, porque isso permite a entrada da fauna na
floresta. Ou seja, nós temos que realmente fazer
reflorestamento
visando uma maior diversidade possível para que a fauna possa ter
alimento suficiente ao longo de todo o ano. Plantar é fundamental, mas é
preciso plantar visando um aumento da diversidade da vegetação.
IHU On-Line – Diversas empresas de celulose mantêm projetos
florestais. É possível chamar essas plantações de florestas? Como o
senhor vê esse debate entre as florestas plantadas com espécies nativas e
exóticas?
Jaeder Lopes Vieira – Creio que toda a iniciativa é importante. Acredito que a
monocultura
de qualquer coisa que seja, é impactante, independente de ser pinus,
eucalipto, seringueira, inclusive. As empresas de celulose, hoje, têm
uma responsabilidade socioambiental muito grande, até porque elas
trabalham com commodities. Assim, há a preocupação hoje de não levar o
plantio de eucalipto até, por exemplo, as nascentes e até os cursos
d’água. Para eles é fundamental, inclusive, a preservação dos fragmentos
de floresta. Há uma preocupação muito grande de preservar os fragmentos
e não entrar nas áreas que são mais sensíveis ambientalmente, que são
as áreas que o
Código Florestalidentifica como passíveis de conservação.
IHU On-Line – Como é feita, no Brasil, a reestruturação
ecológica de áreas florestais degradadas? O país tem uma preocupação em
restaurar essas terras? Existe alguma política pública nesse sentido?
Jaeder Lopes Vieira – Existe um instrumento no Código Florestal, que é o
Pagamento por Serviços Ambientais – PSA. Conheço duas iniciativas nesse sentido: uma em
Vitória, no Espírito Santo, do governo do estado, e outra do
governo de Minas Gerais.
Nesses casos, o estado paga por floresta em pé — florestas e fragmentos
já existentes — e também pela restauração e conversão de áreas não
florestais em áreas florestais, com floresta de
Mata Atlântica. Trata-se de uma iniciativa de pagar o produtor para que ele possa converter essas áreas ou então para mantê-las em pé.
Evidentemente que esse valor nunca será maior do que o custo de
oportunidade que o produtor tem na produção dele, mas essas são áreas
que, segundo o
Código Florestal, deveriam estar em
conservação. Assim, essas são iniciativas que incentivam o produtor a
converter essas áreas. Essas duas iniciativas são leis estaduais que têm
gerado um resultado positivo. Creio que deveria ser ampliado para o
governo federal também e até para os municípios.
“Plantar é fundamental, mas é preciso plantar visando um aumento da diversidade da vegetação”
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IHU On-Line – Alguns ambientalistas chamam atenção para a
degradação do cerrado, da caatinga, alertando para o fato de que essas
áreas podem chegar a uma situação de degradação igual a da Mata
Atlântica no futuro. O senhor identifica alguma relação entre a
degradação do cerrado, caatinga e outros biomas com a degradação da Mata
Atlântica?
Jaeder Lopes Vieira – Sim. Quando vemos essas aberturas de novas áreas, não vemos sentido nisso, porque há áreas na
Mata Atlântica com produtividade muito baixa. A área de
pecuária,
por exemplo, é baixíssima, com número de 0,6 cabeças de gado por
hectare, porque o ambiente foi tão degradado que ele já não dá respostas
produtivas. Então, ao invés de abrir novas áreas, é preciso recuperar
essas áreas que já estão abertas e desflorestadas. Infelizmente, ao
invés de ocupar uma área da
Mata Atlântica que já está degradada, as pessoas seguem para
novas fronteiras
que têm floresta, onde o solo ainda tem uma matéria orgânica fértil. Aí
as pessoas retiram a floresta, implantam uma produção agrícola que,
inclusive, na Amazônia não passa de três ciclos (três anos).
Por conta dessa
baixa produtividade nas áreas desflorestadas, o
agronegócio
está buscando novas fronteiras. Entretanto, é possível recuperar essas
áreas tranquilamente, pois já existem tecnologias da Embrapa e de outros
órgãos de pesquisa, as quais viabilizam a recuperação dessas áreas
degradadas para produção.
IHU On-Line – E existem relações entre a crise hídrica e a degradação da Mata Atlântica?
Jaeder Lopes Vieira – Essa relação é direta; não
tenho nenhuma dúvida disso. O que mantém os rios perenes? São as
nascentes; se elas forem perenes, os rios serão perenes. Se protegermos
as
matas ciliares e não deixarmos o arrasto do material
ir para dentro do rio, evitamos que o rio se torne assoreado e ele será
perene também. Então, a relação é direta, e o caminho para solucionar a
crise hídrica é começar a recuperar e conservar as nascentes. Este é o caminho que temos que trilhar o mais rápido possível.
IHU On-Line – Quais as ações do Instituto Terra para reflorestar a Mata Atlântica?
Jaeder Lopes Vieira – Nós temos duas grandes linhas de trabalho: uma é a
restauração de áreas degradadas — e a nossa fazenda funciona como laboratório e como sede da nossa organização —, e a outra é a
recuperação de nascentes fora da fazenda. Atingimos o número de mil nascentes e temos um projeto ambicioso para o
Vale do Rio Doce, que é um Vale com uma superfície do tamanho de Portugal, de 85.000 km². Estimamos que haja
375 mil nascentes no
Vale do Rio Doce, que está localizado entre os estados de
Minas Gerais e
Espírito Santo, e nós estamos apresentando à sociedade um projeto para recuperar essas 375 mil nascentes ao longo dos próximos 30 anos.
Por Patrícia Fachin
(
EcoDebate, 28/07/2015) publicado pela
IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
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da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo,
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