BRASÍLIA
(Reuters) - Uma série de ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do
Banco Central lançaram carta nesta terça-feira com um apelo pela
retomada da economia com responsabilidade social e ambiental, num
momento em que investidores globais têm feito exigências quanto a
contenção de desmatamentos para seguirem colocando recursos no país.
O grupo
“Convergência pelo Brasil”, que reúne integrantes de governos de
diferentes espectros ideológicos, defende que critérios de redução das
emissões e do estoque de gases de efeito estufa na atmosfera sejam
integrados à gestão de política econômica.
Nesse sentido, a carta
pede apoio à economia de baixo carbono, citando a produção de energia
eólica e de biodiesel como iniciativas positivas, além da necessidade de
eliminação dos subsídios a combustíveis fósseis.
A carta também
coloca como desafio o fim do desmatamento na Amazônia e no Cerrado,
argumentando que para além dos danos ambientais e climáticos, o
desmatamento também acarreta impacto reputacional para o país.
Para
o ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola, que ocupou a cadeira
no governo de Itamar Franco e também de Fernando Henrique Cardoso, o
país vive hoje um retrocesso na política ambiental.
Em coletiva
virtual de imprensa, ele avaliou que o momento é de controle e limitação
dos danos ambientais, com necessidade de pressão da sociedade para
tanto. Loyola também ponderou que governos estaduais e municipais podem
ter papel importante para ajudar a mitigar a falta de política ambiental
do governo federal.
“Recado mais importante é para todo mundo
acordar e entender que isso não é jogo de roubar montinho, é um ganha
ganha. Estamos num caminho errado e é tolice insistir nessa direção”,
afirmou o ex-presidente do BC Armínio Fraga, que se disse pessimista,
mas esperançoso “ainda”.
Já o ex-ministro da Fazenda
Joaquim Levy, que atuou na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff,
avaliou ser notável que empresas brasileiras estejam manifestando seu
compromisso e interesse com a questão climática por entenderem que esse é
um aspecto fundamental do negócio.
Ele afirmou que uma
sinalização contundente na direção da responsabilidade social e
ambiental pode ter “retorno muito grande” não só por parte do investidor
estrangeiro, como também do investidor doméstico.
“Ele tendo
confiança que esse é o caminho, isso abre portas para gente voltar a
crescer, trazer (de volta) o nosso investimento que está em níveis
históricos mais baixos que se possa imaginar. A gente precisa
provavelmente aumentar 2, 3, 4 pontos percentuais do PIB em
investimento, que é uma tarefa enorme”, disse Levy.
Rubens
Ricupero, ex-ministro da Fazenda de Itamar Franco, avaliou que o
presidente Jair Bolsonaro recebeu o apoio maciço de grileiros,
desmatadores e mineradores ilegais e que há postura de cumplicidade por
parte do governo.
“Eu acho muito difícil depois de tudo que tem acontecido manter alguma ilusão sobre a posição deste governo”, afirmou ele.
“É
claro que começa a se esboçar uma reação por causa dos danos que isso
já está a causar no exterior, mas até agora é uma operação puramente de
relações públicas”, completou, reforçando que o índice de desmatamento
segue muito alto.
“O máximo que se pode desejar ou esperar na
base de uma pressão crescente e contínua é o que os americanos chamam de
limitar os danos. Porque se não houver isso, esse governo até o fim do
seu mandato fará ainda destruições mais irreversíveis”, disse Ricupero.
Também
assinam a carta Alexandre Tombini, Eduardo Guardia, Fernando Henrique
Cardoso, Gustavo Krause, Henrique Meirelles, Ilan Goldfajn, Luiz Carlos
Bresser-Pereira, Maílson da Nóbrega, Marcílio Moreira, Nelson Barbosa,
Pedro Malan, Persio Arida e Zélia Cardoso de Mello.
Na véspera, o
ministro da Economia, Paulo Guedes, pediu cooperação internacional na
área ambiental, afirmando que o Brasil precisa de apoio e compreensão no
seu esforço de fiscalizar a preservação dos seus recursos naturais.
Em
discurso na sessão de abertura de cúpula ministerial da Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com países da
América Latina e Caribe, Guedes disse que o Brasil é um dos países que
melhor defendem seus recursos naturais e sabe respeitar o meio-ambiente e
os povos indígenas, mas argumentou que o território é grande e que o
governo precisa de apoio para atuar “da melhor forma possível”.
Setor empresarial brasileiro quer ações para reverter atual
percepção negativa da imagem do Brasil no exterior em relação às
questões socioambientais na Amazônia
Em reunião por videoconferência nesta sexta-feira com o presidente do
Conselho Nacional da Amazônia Legal e vice-presidente da República,
Hamilton Mourão, grupo de representantes do setor empresarial brasileiro
reforçou a cobrança por medidas efetivas de combate ao desmatamento
ilegal no país, entre outros pontos, que permitam reverter a atual
percepção negativa da imagem do Brasil no exterior em relação às
questões socioambientais na Amazônia. É preciso implementar ações
imediatas para aplacar as reações negativas de investidores e
consumidores estrangeiros aos negócios em nosso País, afirmaram os
empresários.
No encontro, os executivos apresentaram ao governo a proposta de
maior participação e trabalho conjunto com o Conselho Nacional da
Amazônia em políticas que induzam a uma retomada verde da economia, para
um cenário de baixo carbono. Os empresários também salientaram o que o
setor privado vem realizando e como o desmatamento ilegal prejudica os
negócios.
O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, afirmou que a reuniu
abre um diálogo entre o governo e o setor privado e que está 100%
alinhado com as propostas levadas pelos empresários.
O setor empresarial foi representado nesta reunião por Marina Grossi,
presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento
Sustentável (CEBDS); Marcello Brito, presidente da Associação Brasileira
do Agronegócio (Abag); José Carlos Fonseca, diretor executivo da
Indústria Brasileira da Árvore (Ibá); João Paulo, CEO América Latina da
Natura; Walter Schalka, CEO da Suzano; André Araujo, CEO da Shell; Paulo
Sousa, CEO da Cargill; Marcos Antonio Molina dos Santos, presidente do
Conselho de Administração da Marfrig; Candido Botelho Bracher, CEO do
Itaú; e Luiz Eduardo Osorio, diretor-executivo de Relações
Institucionais, Comunicação e Sustentabilidade da Vale.
A reunião desta sexta-feira foi confirmada pelo presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal depois que o Comunicado do Setor Empresarial Brasileiro
veio a público, na última terça-feira (7). Além do Conselho Nacional da
Amazônia Legal e Vice-Presidência da República, o documento foi
protocolado aos presidentes do Supremo Tribunal Federal, Senado Federal e
Câmara dos Deputados, e ao procurador-geral da República. Na ocasião, o
documento contava com a assinatura de CEOs de cerca de 40 companhias e
grupos empresariais dos setores industrial, agrícola e de serviços, além
de quatro organizações: CEBDS, Abag, Ibá e Associação Brasileira das
Indústrias de Óleo Vegetal (ABIOVE). Atualmente, o posicionamento – que é
aberto e busca o maior engajamento possível – conta com a adesão de 50
grandes companhias e, com a inclusão da Rede Brasil do Pacto Global,
somando cinco entidades.
Ainda durante a reunião, Mourão comprometeu-se a assumir e anunciar
metas semestrais contra desmatamento, queimadas e grilagem. Assumiu o
compromisso de não aceitar ilegalidades.
Prejuízo ao Brasil
Os executivos alertam que a imagem negativa tem enorme potencial de
prejuízo para o Brasil, não apenas do ponto de vista reputacional, mas
de forma efetiva para o desenvolvimento de negócios e projetos
fundamentais para o país. Além de uma maior resistência e até fuga de
investimentos externos, há riscos de aumento da suspeita sobre a
procedência da carne bovina e boicotes silenciosos, com a dificuldade da
entrada de produtos brasileiros em alguns mercados.
O desmatamento de 1 hectare na Amazônia custa de R$ 800,00 a R$ 2
mil, dependendo da densidade arbórea da mata. Se considerar os 9,2 mil
km2 (920 mil hectares) desmatados em 2019, o custo do desmatamento
ilegal variou de R$ 740 milhões a R$ 1,8 bilhão.
Potencial de negócios
Por outro lado, há um elevado potencial de negócios ainda não
totalmente dimensionado da floresta em pé. Estudo publicado ano passado
pela revista Perspectives in Ecology and Conservation
e endossado por mais de 407 cientistas brasileiros, de 79 instituições
de pesquisa – apontou que os 270 milhões de hectares de vegetação nativa
preservados em propriedades rurais – entre áreas desprotegidas e de
Reserva Legal – rendem ao Brasil R$ 6 trilhões ao ano em serviços
ecossistêmicos, como polinização, controle de pragas, segurança hídrica,
produção de chuvas e qualidade do solo.
Os serviços oferecidos pelos sistemas naturais têm impacto na
segurança alimentar, energética e hídrica; na produtividade da cadeia
agrícola e servem de estoque e sumidouro para o carbono.
Relatório da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços
Ecossistêmicos sobre restauração de paisagens aponta que um hectare de
floresta em pé na Amazônia, por exemplo, gera em média R$ 3,5 mil por
ano e no cerrado em torno de R$ 2,3 mil por ano. Em sistemas
agroflorestais esse rendimento pode chegar a mais de R$ 12 mil anuais.
Já o mesmo hectare desmatado para a pecuária daria um lucro de R$ 60 a
R$ 100 por ano. Se usado para soja, o valor seria de R$ 500 a R$ 1 mil
por ano.
Soluções
Além do efetivo combate ao desmatamento ilegal, são apontados pelo
documento como focos prioritários de ação: (i) inclusão social e
econômica de comunidades locais para garantir a preservação das
florestas; (ii) minimização do impacto ambiental no uso dos recursos
naturais, buscando eficiência e produtividade nas atividades econômicas
daí derivadas; (iii) valorização e preservação da biodiversidade como
parte integral das estratégias empresariais; (iv) adoção de mecanismos
de negociação de créditos de carbono; (v) direcionamento de
financiamentos e investimentos para uma economia circular e de baixo
carbono; e (vi) pacotes de incentivos para a recuperação econômica dos
efeitos da pandemia da Covid-19, condicionada a uma economia circular e
descarbonizada.
Amazônia: Com falta de fiscalização e inteligência no combate aos
danos ambientais, queimadas em Terras Indígenas registraram aumento de
76%
Por Rebecca Cesar*
No dia 30 de julho, a Amazônia registrou mais um triste recorde:
1.007 focos de calor em um único dia. Esse é o número mais alto
registrado no mês de julho desde 2005. Neste mesmo dia, no ano passado,
foram 406 focos. Agora, dados consolidados de julho mostram um aumento
expressivo nos focos de calor.
“O fato de ter mais de mil focos de calor em um único dia, recorde
dos últimos 15 anos para o mês de julho, mostra que a estratégia do
governo de fazer operações midiáticas não é eficaz no chão da floresta.
Somente em julho, foram registrados 6.804 focos de calor na Amazônia, um
aumento de 21,8% quando comparado ao mesmo mês do ano passado. A
moratória, que proíbe no papel as queimadas, não funciona se não houver
também uma resposta no campo, com mais fiscalizações.
Afinal, criminoso
não é conhecido por seguir leis. Assim como a GLO aplicada sem
estratégia e sem conhecimento de como se combate as queimadas, também
não traz os resultados que a Amazônia precisa”, comenta Rômulo Batista,
porta-voz da campanha de Amazônia do Greenpeace.
Um levantamento feito pelo Greenpeace Brasil aponta que dos focos de
calor registrados em julho, 539 foram dentro de Terras Indígenas, um
aumento de 76,72% em relação ao ano passado, quando foram mapeados 305
focos. Além disso, 1.018 atingiram Unidades de Conservação, um aumento
de 49,92% em relação ao mesmo período do ano passado.
“O desmatamento precisa ser combatido durante todo o ano,
principalmente considerando que as queimadas na Amazônia não são
resultado de um fenômeno natural, mas da ação humana. O fogo é uma das
principais ferramentas utilizadas para o desmatamento, especialmente por
grileiros e agricultores, que o usam para limpar áreas para uso
agropecuária ou especulação. A prática se tornou ainda mais comum com a
falta de fiscalização e o desmantelamento dos órgãos ambientais. Estamos
observando uma tendência de alta nas queimadas neste ano. Além da
ameaça do coronavírus, com a temporada de fogo, os povos indígenas
estarão ainda mais vulneráveis, pois a fumaça e a fuligem das queimadas
prejudicam ainda mais sua saúde”, completa Rômulo.
Acesse imagens de queimadas da Amazônia em 2020 aqui
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Uma nova pesquisa mostra que a mudança climática está impulsionando
quantidades crescentes de água doce no Oceano Ártico. Nas próximas
décadas, isso levará ao aumento da água doce no Oceano Atlântico Norte, o
que pode atrapalhar as correntes oceânicas e afetar as temperaturas no
norte da Europa.
• Por Kelsey Simpkins*
University of Colorado Boulder
O artigo, publicado em 27 de julho de 2020 na Geophysical Research
Letters , examinou o aumento inexplicável de água doce do Ártico nas
últimas duas décadas e o que essas tendências podem significar para o
futuro.
“Ouvimos muito sobre mudanças no Ártico em relação à temperatura,
como ecossistemas e animais serão afetados”, disse Rory Laiho , co-autor
e estudante de doutorado em ciências atmosféricas e oceânicas. “Mas
este estudo em particular fornece uma perspectiva adicional sobre o que
está acontecendo fisicamente ao próprio oceano, o que pode ter
implicações importantes para a circulação e o clima do oceano”.
Desde os anos 90, o Oceano Ártico registrou um aumento de 10% em sua
água doce. São 2.400 milhas cúbicas (10.000 quilômetros cúbicos), a
mesma quantia necessária para cobrir todos os EUA com quase 1 metro de
água.
A salinidade no oceano não é a mesma em todos os lugares, e as águas
superficiais do Oceano Ártico já são algumas das mais frescas do mundo
devido a grandes quantidades de escoamento de rios.
Essa água doce é o que torna possível o gelo do mar: mantém a água
fria na superfície, em vez de permitir que esse líquido mais denso
afunde abaixo da água morna e menos densa. Dessa maneira, o Oceano
Ártico é muito diferente de outros oceanos. Porém, à medida que mais
água doce sai do Ártico, esse mesmo mecanismo de estabilização pode
atrapalhar as correntes oceânicas no Atlântico Norte que moderam as
temperaturas de inverno na Europa.
Tais rupturas ocorreram antes, durante as “grandes anomalias de
salinidade” das décadas de 1970 e 80. Mas esses foram eventos
temporários. Se muita água fria do Ártico fluir continuamente para o
Atlântico Norte, a rotação do oceano poderá ser interrompida de forma
mais permanente.
Ironicamente, isso mitigaria os impactos do aquecimento global
durante o inverno no norte da Europa por um tempo. Mas interromper as
correntes oceânicas pode ter efeitos negativos no clima a longo prazo e
nos ecossistemas do Atlântico Norte.
A principal missão da pesquisa para Alexandra Jahn , autora principal
do novo estudo e professora assistente do Departamento de Ciências
Atmosféricas e Oceânicas e do Instituto de Pesquisa Ártica e Alpina , e
sua aluna de graduação, Laiho, era diferenciar os ciclos de
variabilidade natural nas quantidades de água doce do Ártico e no
impacto das mudanças climáticas. Eles examinaram os resultados de um
conjunto de modelos realizados entre 1920 e 2100.
“Quando analisamos todas as simulações juntas, podemos ver se todas
fazem a mesma coisa. Nesse caso, isso se deve a uma resposta forçada ”,
disse Jahn. “Se essas mudanças são grandes o suficiente para não
ocorrerem sem o aumento de gases de efeito estufa nas simulações de
modelos, é o que chamamos de emergência de um sinal claro de mudança
climática. E aqui vemos sinais tão claros de mudanças climáticas para a
água doce do Ártico durante a década atual. ”
Seus resultados mostraram que o Estreito de Nares, que fica entre a
Groenlândia e o Canadá e é o portal mais ao norte entre o Ártico e os
oceanos mais ao sul – será o primeiro lugar a observar um aumento nas
exportações de água doce atribuível às mudanças climáticas na próxima
década. Outros estreitos mais ao sul e leste, incluindo os estreitos de
Davis e Fram, serão os próximos a mostrar esse sinal.
Os pesquisadores também executaram os modelos em diferentes cenários
de emissões para ver se essas mudanças serão afetadas pelas escolhas de
emissões humanas nas próximas décadas. Eles analisaram o cenário
“negócios como de costume” (aquecimento de mais de 4 graus Celsius até o
final do século) e o que aconteceria se os humanos limitassem o
aquecimento a 2 graus Celsius, o limite superior das metas do IPCC
(Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) para Este século.
Eles descobriram que a mudança de água doce no Oceano Ártico e as
quantidades que se deslocam pelo estreito do norte não foram afetadas,
pois estarão sujeitas a um aumento de água doce antes dos anos 2040 – e
as decisões tomadas globalmente nas próximas décadas não os
influenciarão, como essas mudanças climáticas já estão em movimento. Mas
na segunda metade deste século, os dois cenários divergiram, e aumentos
nas quantidades de água doce foram observados em mais locais no cenário
de alto aquecimento do que no cenário de baixo aquecimento.
“O que este trabalho está nos mostrando é que provavelmente já
estamos enfrentando a primeira dessas mudanças, mas ainda não podemos
dizer pelas observações diretas”, disse Jahn.
Toda a água do Oceano Ártico acaba no Atlântico Norte. Mas o tempo é
tudo. Ser capaz de prever o momento do surgimento dos sinais das
mudanças climáticas permitirá que os cientistas monitorem as próximas
mudanças em tempo real e entendam melhor como as mudanças no Oceano
Ártico podem impactar o clima em todo o mundo.
“Ele preenche uma lacuna no nosso entendimento atual e nos ajuda a
fazer novas perguntas sobre o que está acontecendo fisicamente no
Ártico”, disse Jahn.
Referência:
Jahn, A., & Laiho, R. (2020). Forced Changes in the Arctic Freshwater Budget Emerge in the Early 21st Century. Geophysical Research Letters, 47, e2020GL088854. https://doi.org/10.1029/2020GL088854
* Tradução e edição de Henrique Cortez, EcoDebate.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 03/08/2020
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Checamos as falas e os números do diretor da Embrapa
Territorial, que faz a cabeça de Jair Bolsonaro e do ministro Ricardo
Salles sobre o uso da terra no Brasil
Em meados de janeiro, enquanto o ministro do Meio Ambiente
questionava na imprensa os dados de desmatamento do Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais e dizia que o Brasil era “credor” na proteção das
florestas, viralizou nas redes sociais um vídeo
que parecia completar essa narrativa. Era uma palestra de 25 minutos
feita no ano passado em Curitiba pelo agrônomo Evaristo Eduardo de
Miranda, chefe da Embrapa Territorial. Seu argumento: o Brasil tem tanta
floresta conservada que ficou sem espaço para a agropecuária. Para
Miranda, o quinto maior país do mundo “ficou pequeno”.
Na palestra, Miranda utilizou uma argumentação familiar aos que
acompanharam a reforma do Código Florestal, no começo da década, quando a
bancada ruralista se apoiou nos números do pesquisador: somando
unidades de conservação, áreas indígenas, assentamentos de reforma
agrária e florestas com obrigação legal de preservação em imóveis
rurais, tem-se um país “campeão absoluto” em preservação, mas
inviabilizado para “o desenvolvimento”. Cada um desses argumentos está
errado, e abaixo nós mostramos por quê.
As falhas tornam-se mais graves pelo fato de Evaristo Miranda ter
virado uma espécie de cientista de estimação do presidente Jair
Bolsonaro. Convidado a ser ministro do Meio Ambiente, declinou, mas
operou a transição da pasta juntamente com o ora ministro Ricardo Salles
(Novo-SP) depois que o presidente demitiu a equipe originalmente
encarregada da tarefa. É Miranda quem abastece Salles de “inteligência
territorial”, como ele próprio já afirmou, e vieram provavelmente dele
as afirmações equivocadas sobre preservação feitas por Bolsonaro em seu
discurso-relâmpago no Fórum Econômico Mundial, na última terça-feira.
Nesta edição do Agromitômetro, o Observatório do Clima e o Instituto Socioambiental
verificaram algumas das afirmações feitas por Miranda no vídeo. Para
isso, usamos dados de diversas fontes, principalmente de um levantamento
do MapBiomas, uma rede de 15 instituições que produziu mapas detalhados
de satélite de todas as mudanças ocorridas no uso da terra no Brasil
desde 1985. O resultado está abaixo.
*
“O Brasil, que era grande, ficou pequeno, porque tem muita terra atribuída.”
FALÁCIA– O
Brasil continua sendo grande, mesmo tendo terra legalmente atribuída. Ao
atribuir terras, o que o governo faz é destacar terras que geralmente
já são públicas e destiná-las a alguma coisa, seja à conservação
ambiental (como as unidades de conservação), seja à agricultura familiar
(caso dos assentamentos de reforma agrária), seja à produção de madeira
(caso das Florestas Nacionais) ou ainda à regularização fundiária. O
país não “encolhe”; apenas fica mais diverso no uso do solo.
“Nós temos atualmente 1.871 unidades de conservação
incluindo APAs [Área de Proteção Ambiental] [154 milhões de hectares].
Áreas indígenas, terras indígenas têm exatamente 600, agora, 14% do
Brasil [117 milhões de hectares]. Então 30% do Brasil é área protegida,
cadastrada, mapeada, definida, pronto, consagrada. Isso está fora da
produção.”
NÃO É BEM ASSIM – Os dados do SNUC (Sistema Nacional de unidades de Conservação) mostram que, contando unidades de conservação e terras indígenas,
o Brasil tem 259 milhões de hectares de áreas protegidas. Só que esse
número é inflado pela inclusão das APAs (Áreas de Proteção Ambiental),
uma categoria de unidade de conservação que permite propriedades
privadas e quase todo tipo de atividade econômica, inclusive com
desmatamento. Por exemplo, 80% do território do DF está numa APA.
Portanto, não dá para dizer que a totalidade desse território está “fora
de produção”.
Quando se exclui as APAs, as unidades de conservação e terras
indígenas perfazem 216 milhões de hectares, o que dá 25% do território,
não 30%.
Mas não é só isso: as áreas protegidas têm uma distribuição
assimétrica no Brasil: desses 216 milhões de hectares, 90% (196 milhões
de hectares) estão na Amazônia, frequentemente em áreas remotas e sem
nenhum interesse para a agropecuária, como o Parque Nacional Montanhas
de Tumucumaque, no Amapá – que sozinho tem 3,8 milhões de hectares.
Excluindo a Amazônia, apenas 5% do território nacional está sob áreas
protegidas. E 90% da produção agropecuária acontece fora da Amazônia.
Por fim, certas categorias de unidade de conservação permitem a
exploração econômica sustentável. É o caso das Florestas Nacionais
(Flonas) e as Reservas Extrativistas (Resex). No caso das Flonas
inclusive existe mineração (a maior mina de ferro do mundo fica dentro de uma Flona no Pará) e há também concessões para operação da indústria madeireira.
Mina de ferro do S11D, o maior projeto da Vale, dentro da Flona Carajás (Foto: Vale)
“Nós protegemos 30%, eu não sei se é muito ou se é pouco
30%, mas é o campeão em termos absolutos e em termos relativos. Não sei
se é muito, mas apanhar dizendo que o Brasil não protege suas florestas,
ser acusado de não proteger a sua vegetação nativa é um absurdo porque é
um país que protege três vezes mais do que os outros países.”
MENTIRA – Uma
comparação com outros países mostra que o Brasil não tem nada de tão
extraordinário no percentual de áreas protegidas em relação a outros
países. Há 51 nações com mais área protegida que nós,
segundo o Banco Mundial. nossos vizinhos amazônicos Peru, Equador,
Colômbia e Bolívia têm, todos eles, mais de 40% de seu território
protegido. Mas, OK, dirá Miranda, são países pobres. Olhemos então o
mundo industrializado: Reino Unido e Japão têm 29% do território
protegido; a França, um dos dez maiores produtores de alimentos do
mundo, tem 26%; a Alemanha, 38%; a Austrália 20%.
A Rússia, apesar de ter formalmente menos áreas de conservação que o
Brasil, possui 48% do seu território coberto por florestas – uma área
verde quase do tamanho do Brasil. Quando somadas as áreas de estepes
(campos naturais) e alagados, a cobertura nativa chega a 70% do país
Ainda que Miranda estivesse correto e o Brasil protegesse “três vezes
mais” do que todo mundo, isso faria pleno sentido: afinal, o país detém a
maior variedade de espécies terrestres do planeta. A chamada
biodiversidade também é um ativo essencial para proteger os recursos
hídricos para a geração de energia e a produção agropecuária.
“Por que a gente protege tanto? Por um monte de razões, mas também por razões como essa – Farms Here, Forest There.
Esse aqui é um documento de oitenta páginas. O que eles dizem nesse
documento? Eles dizem o seguinte: nos próximos 20 ou 30 anos vai ter um
mercado adicional de alimentos no mundo de 40 bilhões de dólares. São os
EUA que têm que ficar com esse mercado, os agricultores dos EUA. O
único país que pode pegar grande parte desse mercado da gente é o
Brasil. Então ao invés de dar subsídios pra nós – está escrito aqui -,
ao invés de me dar subsídios, dê dinheiro para as ONGs do Brasil impedir
a expansão da agricultura brasileira.”
MENTIRA – O
documento citado por Miranda tem uma década de idade e é um queridinho
dos teóricos da conspiração do agronegócio – que, no entanto, parecem
não tê-lo lido. Foi feito por uma empresa de consultoria sob encomenda
da Farmers Union dos EUA e pela ONG Avoided Deforestation Partners, e
diz simplesmente, com base em dados frágeis, que as políticas globais de
combate à mudança do clima, ao promoverem a redução do desmatamento
tropical, acabariam por beneficiar o agro americano (e gerar empregos de
qualidade nos trópicos, muito a propósito – veja a página 5). O próprio
argumento não para de pé, já que o PIB do agronegócio brasileiro subiu 75% e a produção de carne e soja na Amazônia cresceram
no período em que o desmatamento na floresta caiu 80%, entre 2004 e
2012. Em nenhuma das suas páginas (que aliás são 56 e não 80) há
qualquer coisa que chegue perto de sugestão de financiar ONGs. O
documento completo pode ser lido aqui.
“No Brasil quase 9.500 assentamentos que detêm uma área de
88,5 milhões de hectares. 10% do Brasil está na mão do INCRA e
institutos correlatos, em alguns estados. Quer dizer é um Terrabrás, o
INCRA. O maior latifúndio do país. Se você tirar aqueles 30% que não
pode usar, na realidade o INCRA tem quase 20% do Brasil. Pode ser que
falte ainda em algum lugar, mas nós já demos bastante terra, vocês não
acham? 20% do Brasil, não está de bom tamanho?”
MENTIRA – Os
assentamentos têm 45,7 milhões de hectares, muito menos do que o
estimado por Miranda. Difícil saber de onde ele tirou esses 88,5 milhões
de hectares. Uma possibilidade é que a diferença esteja na soma de
áreas de reservas extrativistas (Resex) e Reservas de Desenvolvimento
Sustentável (RDS) que já estavam computadas como unidades de conservação
de uso sustentável e foram somadas novamente como assentamentos.
Além da confusão com os números, a matemática de Miranda traz um bom
tanto de ideologia. Assentamentos de reforma agrária, afinal, não são
áreas protegidas: são áreas de produção, cujo uso segue as mesmas normas
de propriedades particulares. Muitos assentamentos do Incra praticam
agricultura convencional e em modelo de cooperativa, não muito diferente
do que é feito nos Estados do Sul do Brasil, onde predominam pequenas
propriedades. Ao considerar assentamentos áreas “perdidas” para
agricultura, Miranda deixa entrever uma ótica exclusiva da agricultura
industrial, que é importantíssima, mas não é a única no país.
Usar a expressão “latifúndio” para as terras da reforma agrária é uma
perversão da linguagem, já que o Incra existe justamente para combater
distorções geradas pelo latifúndio. Tal liberalidade poderia fazer com
que alguém chamasse erroneamente de “latifúndio improdutivo” os mais de 7
milhões de hectares de áreas militares, por exemplo.
“Nós atribuímos terras para quilombos. Eu lembro a
constituinte que dizia que era de 8 a 12, um quilombo em Trombetas,
outro não sei aonde. Bom, é 296 já, quase 3 milhões de hectares.”
VERDADE– Os territórios quilombolas reconhecidos ou em fase de reconhecimento somam 3,3 milhões de hectares.
“Então quando a gente olha, nós temos hoje 12.500 terras
legalmente atribuídas. – É bom já ir se acostumando, né – 37% do país
está legalmente atribuído.”
MENTIRA – As
áreas legalmente atribuídas incluem todas as áreas privadas e públicas
que estão legalmente definidas e regularizadas, inclusive as
propriedades rurais privadas. As áreas não atribuídas legalmente
perfazem menos de 20% do território.
Mesmo assumindo que o termo tenha sido utilizado como referência a
áreas públicas com algum tipo de restrição de uso, essa extensão
corresponderia a 27% do país que está em unidades de conservação, terras
indígenas, áreas quilombolas e áreas militares.
“O governador do Amapá, ele só anda nesse cinza aqui, no
vermelho ele não entra. O governador do Amapá não entra porque é Parque
Nacional, depende de ICMBio, é área indígena, ele precisa de autorização
da Funai. Então ele só anda dentro desse cinzinha aqui. Pra desenvolver
o Estado ele tem esse cinza. Roraima tem isso. Só que nessa área ainda
tem que ter 80% de reserva legal, porque como o Estado não está quase
protegido é importante que a agricultura preserve 80% da área que
sobrou.”
MENTIRA– Este é
um sofisma, antes de tudo. O governador do Amapá, como qualquer outro
cidadão, não entra em nenhum lugar que não seja público sem autorização
do proprietário, dos usufrutuários ou gestores, seja unidade de
conservação (cujo “dono” somos todos nós, representados pelo Instituto
Chico Mendes), terra indígena ou propriedade privada.
As áreas protegidas não são território separado do território
estadual e quem vive nelas é tão cidadão quanto quem vive em cidades ou
fazendas.
Sobre “desenvolver” o Estado, Miranda demonstra uma noção muito
estreita do que seja “desenvolvimento”, já que é possível, por exemplo,
criar uma próspera economia florestal mantendo a floresta em pé, ou
desenvolver a mineração, como fez o próprio Amapá, ou a indústria, como
fez o vizinho Amazonas.
Ao lidar com um território grande como o brasileiro, também corre-se o
risco de não enxergar números absolutos importantes: o “cinzinha” do
Amapá ao qual Miranda se refere é uma área de 89 mil quilômetros
quadrados, quase o dobro do território da Holanda. E a Holanda, com seus
míseros 42 mil quilômetros quadrados, é um dos três maiores exportadores de alimentos do planeta por valor de produção.
Por fim, o pesquisador se refere aos 80% de preservação no “cinzinha”
na forma de reserva legal. O Código Florestal de fato estabelece que,
na Amazônia, 80% da área de uma propriedade rural precise ser deixada
com floresta na forma de reserva legal. Não se trata de uma área
intocável: ela pode ser explorada economicamente, na extração de madeira
e de outros produtos. Só não pode virar pasto nem lavoura. Ocorre que,
por pressão justamente dos parlamentares de Roraima, a reforma do Código Florestal de 2012
determinou que, em Estados que têm mais de 65% de seu território
cobertos por áreas protegidas – o que é o caso de Amapá e Roraima – e em
municípios com mais de 50% do território sob proteção, a reserva legal
possa ser reduzida de 80% para 50%.
“[O Cadastro Ambiental Rural é ] o maior trabalho escravo da
história do Brasil. Quer dizer 5 milhões de pessoas obrigadas, sem
ganhar nada, a fazer esse trabalho sob coação, sob ameaça de perda de
crédito, tudo. Coagidos.”
MENTIRA – O
Cadastro Ambiental Rural, ou CAR, é uma exigência do novo Código
Florestal, aprovado em 2012, e resultou de uma negociação política de
três anos. É preciso entender suas origens: a reforma do código foi uma
reação do setor rural a um decreto de 2008 que determinava que
desmatamentos irregulares seriam todos multados. Em vez de cumprir a
lei, a bancada ruralista no Congresso resolveu alterá-la, diminuindo as
exigências de recuperação ambiental e anistiando desmates feitos antes
de 2008. Miranda não tem direito à memória curta neste caso, porque ajudou a instrumentalizar os ruralistas no debate sobre a mudança da lei no Parlamento.
Para serem dispensados de multa, os proprietários precisariam provar
que desmataram antes de 2008 e entrar em programas de recuperação. Só há
um jeito de fazer isso: mapeando com satélites quanta floresta existe
na propriedade. Cada produtor do país declarou quanto tinha de vegetação
remanescente em sua área, quanto era reserva legal e quanto era área de
preservação permanente. Essas informações autodeclaradas foram
inseridas no cadastro de cada propriedade, o CAR. (É como uma declaração
de renda: o contribuinte pode mentir à vontade, mas se ele for pego na
mentira será punido.)
É falso falar em “coação”, portanto, já que se trata de um registro
autodeclaratório feito em troca de um benefício do Estado (isenção de
multa). Quem não desmatou ilegalmente não perde nada.
A bancada ruralista no Congresso vem, desde 2013, postergando a
entrada em vigor do CAR. Ou seja, até hoje, seis anos após a mudança no
Código Florestal, nenhum proprietário foi multado. Por fim, falar com
trabalho escravo relacionado ao CAR é brincar com um tema muito sério.
“Então o agricultor brasileiro é o único no mundo que
cultiva metade. Todo agricultor que tem uma propriedade rural ele usa
não sei quanto, no mundo inteiro. No Brasil, só metade. Na Amazônia
menos que a metade, aqui no sul mais que metade, mas no país todo dá
isso.”
FALÁCIA –
Restrições ao uso da propriedade, não apenas no campo, mas também em
área urbana, são um princípio da Constituição. O Brasil não é o único
país a impor esses limites: em vários lugares do mundo
proprietários rurais são impedidos de desmatar, ou precisam de
autorização especial, ou são obrigados a manter matas ciliares. Na
África do Sul, por exemplo, a fiscalização do desmatamento é feita pelos
departamentos de Meio Ambiente e de Água e Saneamento, que criaram um
grupo especial de fiscais, os Blue Scorpions, para monitorar a
manutenção de matas ciliares (áreas de preservação permanente) em
propriedades privadas.
Como já explicado anteriormente, as áreas de reserva legal das
propriedades são áreas de uso econômico, porém com atividade florestal.
As únicas áreas fechadas para produção agropecuária são as áreas de
preservação permanente, que perfazem em média cerca de 10% das
propriedades.
“O total disso, 218 milhões de hectares [no CAR]. Dá 25,6% do território nacional preservado pelos produtores rurais.”
NÃO É BEM ASSIM –
A área de vegetação nativa nos imóveis cadastrados no CAR soma 188
milhões de hectares, 30 milhões a menos que a estimativa de Miranda. O
pesquisador da Embrapa Territorial se baseia nas declarações dos
proprietários no CAR, e não nas imagens de satélite, como faz o projeto
MapBiomas.
Isso representa um terço das florestas do Brasil e pouco mais de 50%
da área de todos imóveis cadastrados em terras privadas. De fato, na
média, as propriedades privadas continham em 2015 metade da sua área com
vegetação natural, mas com grande variação entre biomas (65% na
Amazônia, 30% na Mata Atlântica).
Isso não quer dizer que estas áreas vêm sendo preservadas. De fato,
os dados do MapBiomas mostram que pelo menos 1 em cada 5 hectares da
floresta existente nas propriedades privadas foi desmatado ou degradado
apenas nos últimos 30 anos. Já nas unidades de conservação e terras
indígenas a perda foi inferior a 1%, e nas demais áreas públicas,
inferior a 5%.
“Então nós temos essa base de dados da Embrapa que nós fomos
calculando município por município, imóvel por imóvel, qual o valor
patrimonial que o agricultor está imobilizando em prol do meio ambiente.
Bem, o total deu 3 trilhões, cento e tantos bilhões. Então eu pergunto
pros senhores, qual categoria profissional no Brasil, bombeiro,
jornalista, pesquisador, militar, dentista, médico… Qual categoria
profissional dedica do seu patrimônio pessoal, privado, imobiliza 3
trilhões em prol do meio ambiente. Qual? Eu não conheço.”
FALÁCIA – A
conta parte de uma premissa falsa: a de que os agricultores poderiam
usar 100% de suas propriedades em qualquer hipótese e estariam abrindo
mão dos ganhos por imposição ambiental. Mal comparando, é como se um
morador de um bairro residencial onde só se permite a construção de
casas lamentasse o “patrimônio imobilizado” por não poder construir um
arranha-céu comercial em seu terreno. Trata-se de manobra retórica, já
que, mesmo que não houvesse nenhuma limitação legal, as terras variam
conforme inclinação, aptidão agrícola e outras características que
impedem seu uso total.
“Quando junta área protegida com área preservada dá metade do Brasil: 49,8% ou 423 milhões de hectares.”
VERDADE, MAS – A
soma das áreas protegidas com as áreas destinadas à vegetação nativa
dentro de imóveis rurais cadastrados se aproxima de 50% do Brasil. Mas
isso de maneira nenhuma limita a atividade agropecuária, como sugere o
autor.
Os mapas do MapBiomas mostram que o Brasil tem hoje 245 milhões de
hectares dedicados à produção agropecuária – excluindo as áreas de
vegetação nativa nos imóveis rurais. É o equivalente a quase uma
Argentina. Se contarmos as pastagens naturais do Pantanal e do Pampa,
que são usadas para a pecuária, essa área sobe para 295 milhões de
quilômetros quadrados. É quase 35% do Brasil. Coerente com média mundial
de 37% de área agropecuária.
Em extensão, isso é muita terra. Mas, de novo, não é uma
excepcionalidade: o Brasil é o quarto maior produtor de alimentos do
mundo (atrás de China, EUA e Índia), então é perfeitamente esperado que
tenha, como tem, a terceira maior extensão de terras sob produção
agropecuária. Perdemos nesse quesito apenas para a China (482 milhões de
hectares) e os EUA (327 milhões de hectares). Considerando área
agrícola por habitante, o Brasil ganha de todo mundo: a China tem 0,34
hectare por morador, os EUA têm 1 hectare e o Brasil tem 1,17 hectare.
Além disso, é consenso entre especialistas, inclusive da Embrapa,
que as terras no Brasil são muito mal aproveitadas. Dois terços das
áreas de agropecuária são pastagens ainda com produtividade média-baixa,
que poderiam ser intensificadas ou ocupadas por lavouras. Foi
exatamente o que aconteceu no Estado de São Paulo, onde a agricultura
dobrou sua área em relação ao ano 2000 ocupando áreas de pasto mas
mantendo a produção pecuária e ainda aumentando levemente a cobertura
florestal.