Impactos do Pacto Ecológico Europeu nos setores produtivos no Brasil
Por Lucas Mastellaro Baruzzi*, Jeferson Manhaes** e Thiago Munhoz Agostinho***
[EcoDebate] Em meio aos esforços para enfrentar a pandemia do novo coronavírus, a União Europeia (UE) avançou em passos largos na estruturação de um conjunto de incentivos e obrigações visando a proteção dos recursos naturais, reunidos no chamado Pacto Ecológico Europeu (o European Green Deal). O Pacto, que já vinha sendo discutido pela Comissão e pelo Parlamento Europeus, ganhou fôlego com o recém-aprovado Plano de Recuperação Econômica (o Recovery Fund), tendo agora o Pacto Ecológico um novo cronograma que antecipou a implementação de ações não só no campo do uso dos recursos naturais, mas também no aprimoramento do sistema tributário, dos serviços digitais e das políticas comerciais externas.
O Pacto Ecológico é fruto do Acordo de Paris, ratificado em 2016 pela União Europeia, e da Lei Europeia do Clima que, por sua vez, estabeleceu a meta de neutralidade de emissões de carbono até 2050 e, já para 2030, uma redução entre 50 a 55% das emissões (ano base 1990). Para conseguir cumprir tais as metas, diversos instrumentos integrantes do Pacto Ecológico serão lançados num curto prazo, entre 2020 e 2021.
Esse Pacto tem ambições ambientais que vão além das fronteiras europeias: ele tem por objetivo proteger a sua população de produtos estrangeiros que possam ser degradantes ao meio ambiente e à saúde. É também um pacto geoestratégico, ao reafirmar a liderança europeia na vanguarda da proteção ambiental. Exercendo uma espécie de “pré-sanção ambiental”, a UE vai impor a adoção de políticas e ações compatíveis às do Bloco como pré-requisito para as relações comerciais entre os países da UE e terceiros. O Pacto Ecológico terá um impacto direto na economia brasileira, dado que, em 2018, 66% do total de investimentos estrangeiros diretos foram provenientes da União Europeia. Além disso, o Bloco Europeu é o segundo maior parceiro comercial do Brasil.
Segundo o World Resources Institute (WRI/CAIT), o Brasil figura entre os 10 maiores emissores de CO2, sendo a agricultura (no qual se inclui alterações no uso do solo e desflorestamento) o setor que mais contribui com emissões. Nesse contexto, certamente, o Brasil será pressionado para adotar ações claras para reduzir a emissão de CO2, sob pena de não acessar o mercado Europeu. Para além da agropecuária, para continuar sendo um importante ator econômico no cenário internacional, produtos intensivos em energia, como cimento e aço, terão que aumentar a utilização de fontes renováveis em sua produção, visando a progressiva transição para uma matriz energética mais limpa.
A título de compreender o alcance do Pacto, fazem parte do European Green Deal o estabelecimento de políticas setoriais, que incidirão dos produtos agropecuários aos aparelhos eletrônicos. Por exemplo, o programa Da Fazenda ao Garfo (From Farm To Fork), que se refere aos produtos agropecuários, cujo propósito é fortalecer os requisitos de sustentabilidade da cadeia de alimentos – englobando desde a produção, até o transporte, distribuição e consumo – de modo a assegurar que tenha um impacto ambiental neutro ou positivo com relação aos recursos naturais (solo, água, ar, fauna, bem-estar animal).
A medida vai de encontro, por exemplo, com estudo recém-publicado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) na revista Science, segundo o qual cerca de 20% das exportações de soja e carne, pelo Brasil para a União Europeia, provém de áreas de desmatamento. Já o mecanismo de ajuste de carbono na fronteira (Carbon Border Adjustment Mechanism – CBAM), por exemplo, estabelece que produtos manufaturados fora do Bloco Europeu paguem uma “taxa de carbono” ao ingressarem no Mercado Europeu caso não tenham incorporado ações para redução das emissões em seu processo produtivo ou adquirido créditos de carbono no mercado. A finalidade é evitar o que está sendo chamado de carbon leakage, ou “vazamento de carbono” e impedir uma competição desigual, tendo setores produtivos Europeus já se posicionado em apoio ao mecanismo – a exemplo da entidade setorial para tubos de aço (a European Steel Tube Association – ESTA).
Em que pese não ser possível ainda antever os reflexos do Pacto Europeu no âmbito do comércio internacional, bem como se processos contenciosos surgirão em face dos Acordos e Tratados internacionais existentes, tem ficado cada vez mais evidente a postura da União Europeia e de seus Estados-membros, mantendo o seu protagonismo “verde”, em exigir de todos a adoção de boas práticas, principalmente ambientais, em suas relações bilaterais e multilaterais. Vide, por exemplo, o Comunicado da Comissão Europeia sobre o European Green Deal, que é enfático ao afirmar que muitos parceiros internacionais não compartilham da mesma ambição que a UE e que a resposta aos desafios climáticos deve ser global. Em razão disso, afirma o Comunicado que o sistema de comércio internacional – por meio da Organização Mundial do Comércio (OMC), de acordos bilaterais e de fóruns multilaterais do G7 e G20 – será palco de forte atuação e influência europeia com relação aos temas da agenda do Pacto Europeu.
Especificamente com relação ao acordo UE-MERCOSUL, firmado em 2019 e cuja ratificação tem encontrado resistências, a questão ambiental desempenhará papel relevante para essa definição, ainda que não seja o único fator a determinar a conclusão ou não do Acordo. O acordo UE-Mercosul, quando e se ratificado, abrangerá 25% do comércio global e, aproximadamente, 1 bilhão de pessoas.
A preocupação também abrange investidores privados, como evidencia o recente episódio envolvendo entidades gestoras de fundos de investimento estrangeiros, que solicitaram ao Governo brasileiro esclarecimentos sobre sua política ambiental para proteção das florestas e, especificamente, da Amazônia.
Nota-se também, nesse movimento de adoção de standards socioambientais mais rigorosos, compromissos já divulgados por grandes grupos empresariais – a exemplo da Apple, que anunciou que a meta de emissões neutras de CO2 até 2030. Políticas sustentáveis atreladas a expressivos investimentos em utilização de materiais recicláveis, energia renovável, diminuição de desperdício de recursos e maior controle da cadeia de fornecedores vem sendo igualmente anunciadas por inúmeros setores produtivos, voltadas sempre à diminuição do impacto climático e ambiental e a manutenção do acesso a consumidores cada vez mais exigentes.
Independentemente do desfecho do acordo UE-MERCOSUL, o fato é que o Pacto Ecológico, por meio de seus instrumentos definidos unilateralmente, impactará sensivelmente os setores produtivos brasileiros exportadores para o Bloco Europeu e também as empresas multinacionais europeias com operações no Brasil, que terão que se adequar aos protocolos e diretivas da matriz.
Ao mesmo tempo em que parece ser inevitável que aspectos do Pacto Ecológico acabem sendo questionados junto à OMC, não há como se negar que é reflexo de uma tendência de que, progressivamente, cadeias produtivas inteiras terão que se adaptar para que produtos eletrônicos, proteínas animais, grãos, minérios, papel e celulose, dentre outros tantos produtos sejam produzidos de forma mais sustentável para acesso aos mercados – como no caso do Mercado Europeu. A adoção das boas práticas, tais como as previstas no Pacto Ecológico, será determinante e obrigatória para que as empresas e Países continuem inseridos na cooperação econômica multilateral e bilateral.
Evidentemente, o atendimento às diretrizes do Green Deal coloca-se como desafio adicional para a conclusão do acordo UE-Mercosul. No entanto, não se pode deixar de destacar a oportunidade igualmente apresentada ao Governo e ao setor produtivo brasileiro, no sentido de fortalecer sua agenda de sustentabilidade, bem como os mecanismos de cooperação internacional que visem a desenvolver pesquisa e tecnologia de ponta para lidar com as questões ambientais do futuro e o acesso a recursos naturais finitos. Além disso, o cumprimento das regras do Pacto e a introdução de mecanismos de “geocompliance da cadeia produtiva” garantirão uma parceria comercial crucial para a economia do país no futuro – mesmo apesar da difícil relação diplomática que o país mantém com o bloco atualmente.
*Lucas Mastellaro Baruzzi é advogado do escritório BFAP Advogados, cientista político, mestrando em Políticas Públicas no King’s College London, mestre em Direito pela USP, advogado (PUC-SP) e cientista político (USP) e atua com políticas públicas e relações governamentais
**Jeferson Manhaes é mestre em Relações Internacionais (Sorbonne), mestrando em Eco-Inovação (Paris-Saclay), especialista na intersecção entre Inovação e Sustentabilidade e seu impacto em policy, com longa experiência internacional, atua na co-criação de soluções que impactam tecnologia e meio-ambiente
***Thiago Munhoz Agostinho é advogado do BCBO – Buccioli Braz Oliveira Advogados Associados, especialista em Direito Tributário (FDUSP) e atua em temas regulatórios e possui grande experiência em serviços prestados a empresas, principalmente italianas, de grande, médio e pequeno porte
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 07/08/2020