Pelo menos dois mananciais, o Melchior e o Ponte
Alta, receberam a pior classificação do Conama. Córregos também pedem socorro.
O crescimento urbano desordenado é a principal causa do problema, que põe em
alerta a qualidade do abastecimento
No Rio Melchior, entre Samambaia e Ceilândia, uma
espuma branca de poluição se forma por metros: sem perspectivas de recuperação José Soligenito pegou uma bactéria que o afastou
das atividades cotidianas
Os rios do Distrito Federal pedem ajuda. O alto grau de poluição das
águas condenou praticamente dois mananciais à morte e pelo menos oito estão com
a qualidade abaixo dos parâmetros exigidos. O Melchior e o Ponte Alta têm usos
restritos e a recuperação de suas águas representaria um custo econômico
elevado, o que os enquadra na pior classificação do Conselho Nacional do Meio
Ambiente (Conama) — classe 4 —, sem perspectivas futuras de recuperação.
Córregos, como Sobradinho, São Bartolomeu e Descoberto, estão em sinal de
alerta por conta da qualidade regular das águas e precisam de olhar atento para
evitar que os danos ambientais tornem-se irreversíveis.
A grave situação hídrica local pode resultar em problemas de
abastecimento e de qualidade da água que chega às torneiras dos
domicílios brasilienses. Com consumo alto e disponibilidade hídrica por
habitante baixa, a perda de água potável tornou-se um problema na capital do
país.
Especialistas alertam que medidas precisam ser tomadas para evitar o
colapso ambiental, uma vez que o DF ainda conta com mananciais limpos e que podem
ser contaminados.
Além disso, no território distrital nascem afluentes de
importantes bacias brasileiras — como as do Rio São Francisco, do Rio Paraná e
do Tocantins-Araguaia. Dessa forma, a preservação hídrica no DF é essencial
para garantir o fornecimento em todo o país.
Embora Brasília tenha sido planejada, em 55 anos de
existência, a capital foi, aos poucos, reproduzindo os modelos equivocados de
urbanização de outras cidades brasileiras, como o descontrole na ocupação do
solo, a grilagem e a falta de planejamento. O crescimento populacional, a uma
taxa de aproximadamente 2,2% ao ano, quase duas vezes maior que a média
nacional, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
demonstra a pressão habitacional que o DF ainda sofre.
A urbanização desregulada e o uso intenso dos
recursos são as principais causas da queda de qualidade e de disponibilidade
das águas. No Brasil, de acordo com estimativas da Agência Nacional de Águas
(ANA), 48% da água urbana são considerados de padrão regular a péssimo.
Na zona
rural, esse índice cai para 9%. No DF, a Agência Reguladora de Águas (Adasa)
monitora o índice de qualidade da água por trimestre. De uma maneira geral,
2015 começou com qualidade entre média e ruim.
Com o início das chuvas, a marcação
média prevaleceu no segundo trimestre. No terceiro, a área com água de boa
qualidade cresceu, mas níveis médios e ruins continuaram a aparecer em certas
regiões, como Samambaia, Taguatinga, Ceilândia e Sobradinho.
Segundo estudo do pesquisador da Embrapa e
presidente do Comitê da Bacia do Paranoá, Jorge Werneck, o grau de urbanização
em que o rio está inserido determina diretamente a qualidade de sua água. Em
rios com mais de 20% de área urbanizada ao redor, a água tende a ser menos
potável e mais restritiva ao abastecimento humano.
No DF, das 41 unidades
hidrográficas, 11 estão nesse contexto, como, por exemplo, o Rio Melchior, o
Ribeirão Ponte Alta, o Ribeirão Sobradinho e o Rio Santa Maria. “A
classificação dos rios em classes é uma ferramenta de planejamento — dos rios
que queremos com o rio que podemos ter.
Ninguém quer ter dois rios classe 4,
como ocorre no DF. E quem está impulsionando essa situação é o crescimento das
cidades”, explica Werneck.
Retrato do descaso
O Melchior e o Ponte Alta são vítimas da intensa urbanização do DF. O
Ponte Alta, próximo ao Gama, sofre a pressão do crescimento da região nos
últimos 10 anos. As chácaras da Ponte Alta estão sendo parceladas, e a
quantidade de moradores cresce rapidamente.
Já o Melchior está localizado entre
as três regiões administrativas que adensaram intensamente nos últimos anos —
Samambaia, Taguatinga e Ceilândia. Dessa forma, o rio não pode ser mais
aproveitado para usos nobres, como abastecimento, e não há perspectiva de
alteração dessa realidade, até porque o novo aterro sanitário do DF fica
próximo às suas águas.
O Melchior recebe uma carga de esgoto muito elevada, sua
água é turva e o cheiro, ruim. Como ele é um rio de vazão baixa, o esgoto
excessivo, mesmo tratado, polui a água.
“A Caesb tira o que pode de poluente.
Temos um dos tratamentos mais avançados do Brasil. Mas sempre fica resíduo,
como o de fósforo, que a gente não consegue remover completamente; vai ficando
0,5%, 1%, e isso em um rio pequeno prejudica, porque a capacidade de diluição é
menor”, explica Fábio Bakker, gerente de Gestão de Bacias de Mananciais da
Caesb.
A situação do Melchior é tão precária que nenhum
tipo de contato primário entre a água e os humanos pode ocorrer. Próximo à
estação de tratamento da Caesb, uma intensa espuma branca cobre a superfície do
rio de tal forma que não é possível ver a cor da água.
BLOG do CHIQUINHO DORNAS
A Caesb afirmou que a
espuma é “normal” e que se dissipa em 100 metros. Porém, o Correio esteve no
local e constatou que a espuma permanecia por uma distância maior e escorria
rio adentro, lembrando cenas de rios que comumente estão associadas a São
Paulo. Próximo às pedras, formam-se espumas com as bordas pretas.
O casal José Soligenito de Almeida, 42 anos, e
Joana Paula de Sousa, 34, mora em uma chácara próxima ao Melchior há 25 anos.
“Quem sabe do dia a dia dessas águas somos nós, que vivemos aqui, que sentimos
o mau cheiro e ficamos doentes por causa da água poluída. É um desrespeito”,
comenta José. Ele e a família tiravam água de um poço artesiano próximo ao
Melchior.
A contaminação do rio chegou a tal proporção que contaminou o solo e
a água do poço. “Peguei uma bactéria e até hoje não consegui melhorar. Quase
morri, estou até afastado da faculdade e do trabalho. Agora, estamos tirando
água mais distante.” A família de José também parou de plantar próximo ao rio
por temer o contágio.
Joana de Paula conta que, outro dia, um grupo
resolveu nadar no Melchior. “Saíram se coçando. Eu disse que não podia”,
comenta.
Camila Campos, coordenadora de Informações Hidrológicas da Adasa
informa que o esgoto recebido no Melchior é maior que a capacidade do rio. “O
Melchior é um rio condenado, não tem diversidade de vida, só espécies muito
resistentes”, afirma. “As soluções para limpar rios como o Melchior são pouco
viáveis. Ou tira a população da onde ela está para parar de jogar dejetos na
água, ou exporta o esgoto para outro rio, o que tem um custo alto, ou importa
água para diluir o esgoto. Por isso, o Melchior está no enquadramento vermelho”,
explica Werneck.
Classificação
Segundo informações da Agência Nacional de Águas, os rios federais não
estão classificados conforme o Conama — em classes —, por isso, não é possível
ter um parâmetro nacional da quantidade de rios em situação vermelha. Cabe a
cada unidade da Federação fazer a projeção de classificação de seus rios.
Fonte: Flávia Maia – Fotos: Gustavo
Moreno/CB/D.A.Press – Correio Braziliense