Eis
o resumo do debate presidencial promovido pela Globo: energizado pelo
Datafolha que o recolocara horas antes na briga por uma vaga no segundo
turno, Aécio Neves saiu-se melhor do que Marina Silva. Dilma Rousseff
cumpriu tabela. E Luciana Genro, destaque do pelotão de ‘nanicos’,
esforçou-se para mostrar à platéia que Aécio, Marina e Dilma não têm
(apenas) telhado de vidro. Para a candidata do PSOL, os presidenciáveis mais
bem-postos na disputa têm paletó de vidro, gravata de vidro, blusas de
vidro, calças de vidro, calcanhares de vidro…
Dos cinco debates
ocorridos no primeiro turno, o da noite passada foi o mais eletrizante. O
tema central tem a idade das caravelas: corrupção.
Sitiada, Dilma deu
as respostas padronizadas que seu marqueteiro formulou. São 100% feitas
de hipocrisia. Mas as pesquisas indicam que pelo menos 40% do eleitorado
já engoliu a versão segundo a qual Dilma é parte da solução, não do
problema.
Marina chegou sorridente. Mas seu riso duraria pouco.
Atacada por Dilma, Aécio e Luciana Genro, ela crispou o cenho.
Revelou-se uma debatedora menor do que os ressentimentos que colecionou
durante a campanha. Rodopiando em torno dos estereótipos fabricados pela
central de demolição petista, Marina perdeu duas de suas melhores
qualidades: a serenidade e a objetividade.
A substituta de Eduardo
Campos parece ter perdido também o bom senso. Há dois dias, ao
discursar para aliados, repetira três vezes a frase: “Nós já estamos no
segundo turno.” Durante o debate, pendurou em sua retórica uma promessa
que denuncia o grau da sua insegurança:
“Nós temos uma proposta
que é de dar o 13º salário para aquelas pessoas que hoje recebem o Bolsa
Família, porque a pior coisa que tem é chegar no Natal e não ter como
sequer dar uma ceia para os seus filhos. Nós, no nosso governo, vamos
dar o 13º salário para o Bolsa Família, que isso vai melhorar a condição
de vida das pessoas.” José Serra prometera a mesma coisa em 2010.
Flertou com o ridículo.
Aécio, ao contrário de Marina, escapou dos
velhos alçapões construídos pelo petismo para capturar tucanos. Dilma
sacudiu o lençol do fantasma das privatizações. Ela repetiu que o
tucanato quebrou o Brasil três vezes. Pintou os governos tucanos com
cores demofóbicas. Disse cobras e lagartos de Armínio Fraga, o
ex-presidente do Banco Central que Aécio já anunciou como ministro da
Fazenda do seu hipotético governo.
Diferentemente do que fizeram
José Serra e Geraldo Alckmin em disputas pretéritas, Aécio defendeu o
legado tucano com raro desassombro. Mais: anunciou a presença de
Fernando Henrique Cardoso nos estúdios da Globo. Declarou-se “honrado''.
Ouviram-se aplausos. O moderador William Bonner teve de ralhar com o
auditório para restabelecer o silêncio.
Debates entre os presidenciáveis
2.out.2014
- A candidata à reeleição, presidente Dilma Rousseff (PT), e o
candidato Aécio Neves (PSDB) participam de debate promovido pela TV
Globo na noite desta quinta-feira
Leia mais Ricardo Moraes/Reuters
A
refrega da noite começou com uma pergunta de Luciana Genro para Dilma.
“O escândalo da Petrobras é resultado das alianças que vocês fizeram com
a direita?”, inquiriu, sem rodeios, a filha de Tarso Genro, governador
petista do Rio Grande do Sul. Dilma escorou-se no manual de marketing.
“Nessa
campanha, eu propus medidas concretas contra a corrupção”, disse a
presidente. Ela enumerou os cinco projetos anti-roubalheira que anunciou
faz uma semana. Somando-se os mandatos de Lula e Dilma, as propostas
chegaram com 12 anos de atraso. Há nos escaninhos do Congresso pilhas de
proposições análogas. As propostas avalizadas por Dilma visam ajustar o
discurso, não a legislação.
Além dos projetos elaborados em cima
da perna, a desconversa de Dilma incluiu duas alegações: 1) “eu demiti”
Paulo Roberto Costa, o ex-diretor da Petrobras encrencado na Operação
Lava Jato; 2) “os roubos só aparecem porque eu autorizei que, em todas
as questões relativas à Petrobras, houvesse ampla e total abertura para
investigações.”
Na réplica, Luciana Genro foi à canela:
“Acontece,
Dilma, que é o tesoureiro do PT que está envolvido nesse escândalo.”
Dilma engoliu a menção à tesouraria petista e disse coisas assim: “Não
acredito que tem alguém acima da corrupção. Acho que todo mundo pode
cometer corrupção. As instituições é que tem de ser virtuosas e
impedirem que isso ocorra.”
Na sequência, aproveitando-se de uma
levantada de bola do Pastor Everaldo, Aécio evocou um documento que
desdiz Dilma: “
O mais grave em relação à Petrobras é que a presidente
acaba de repetir aqui, alguns segundos atrás, que demitiu o senhor Paulo
Roberto da Petrobras. Não é o que diz a ata do Conselho” da estatal.
“Está
aqui em minhas mãos”, prosseguiu Aécio. “A ata do Conselho da Petrobras
diz que o diretor renunciou ao cargo e, pasme meu caro pastor, senhoras
e senhores, recebe elogios pelos relevantes serviços prestados à
companhia no desempenho das suas funções. Esse senhor está sendo
obrigado a devolver R$ 70 milhões roubados da Petrobras. E o governo do
PT o cumprimenta pelos serviços prestados à companhia.''
Dilma
voltaria ao tema minutos depois. Para não deixar Aécio sem resposta, ela
enfiou a Petrobras dentro de uma resposta a Eduardo Jorge. O candidato
do PV a questionara sobre aborto. “Primeiro, gostaria de fazer um
esclarecimento'', desviou-se Dilma. “Foi dito aqui que eu teria mentido a
respeito do demissão do diretor da Petrobras.” Ela içou da pasta trecho
de um depoimento de Paulo Roberto Costa à CPI da Petrobras. Coisa de
junho.
No trecho lido por Dilma, Paulo Roberto conta que foi
chamado à presença do Ministério Edison Lobão (Minas e energia). “Aí o
ministro me falou: ‘Paulo, é o seguinte: nós estamos tendo uma mudança.
Mudanças na diretoria. Nós resolvemos que precisamos ter uma nova pessoa
na diretoria de Abastecimento’. E o ministro falou: ‘Eu gostaria que
você fizesse uma carta de demissão’. Eu disse: nenhum problema, eu
faço.'' Encerrada a leitura, Dilma arrematou: “Os fatos são esses.
Insistem em negá-los. É má-fé…”
Num pedaço do debate em que as
perguntas tinham tema definido por sorteio, calhou de Dilma ter de
inquirir Aécio sobre o papel das estatais. “Sei que, ao longo de todo o
período em que o senhor foi líder do PSDB no Congresso, defendeu as
políticas de privatização. Levantou a hipótese inclusive de, em algum
momento, no futuro, privatizar a Petrobras…”
Noutros tempos, os
tucanos costumavam recolher o bico. Hoje, o ataque do petismo às
privatizações é corda em casa de enforcado. Aécio apertou o nó: “A
senhora acaba de dizer que o seu ministro das Minas e Energia [Edison
Lobão, afilhado de José Sarney] chamou o então diretor da Petrobras.
‘Oi, Paulo, entrega aqui, faz aqui uma carta de demissão. Vamos
acreditar nisso. Não é a melhor forma de tratar alguém que assaltou a
nossa maior empresa. Mas faltou a senhora explicar quais foram os
relevantes serviços prestados à companhia. Foi com esse documento que
ele foi pra casa. Depois, pra cadeia. Então, essa historia precisa ser
contada com maior clareza.”
Em seguida, Aécio especulou sobre o
destino das velhas estatais brasileiras se, em vez de privatizadas,
estivessem submetidas à administração do PT. “Privatizamos setores que
deveriam ser privatizados. Imagine o setor de telefonia, que já funciona
tão mal, nas mãos do Estado. A senhora nomeando os dirigentes dessas
empresas. Imagine uma Embraer, a grande empresa que compete, hoje, com
êxito, em outras partes do mundo, nas mãos do PT. Nós fizemos as
privatizações de setores importantes. No meu governo, a Petrobras vai
ser devolvida aos brasileiros.”
Dilma chegou a estranhar a
naturalidade com que o rival abordou um tema outrora tão espinhoso para
os tucanos. “…Acho estranho que trate com tanta leveza a questão das
privatizações. Foi no governo do senhor que um alto funcionário de um
banco público disse que estavam tratando as privatizações no limite da
irresponsabilidade…”.
Aécio sapateou: “Candidata Dilma Rousseff,
[...] vocês entregaram a nossa maior empresa, quem diz é a Polícia
Federal, a uma quadrilha, a uma organização criminosa… O diretor está
preso, as denúncias não cessam, porque não ficam apenas nele. Esse é o
saldo perverso do aparelhamento da máquina pública, que é a pior marca
do governo do PT.”
Noutro trecho do debate, Aécio dirigiu uma
pergunta a Marina. Soprou: “Você tem reagido aos graves ataques que lhe
tem feito a candidata do PT, e com razão.” Depois, mordeu: “Mas quero
lhe lembrar que essa sempre foi a forma de agir do PT. Inclusive durante
os 24 anos em que a senhora esteve no PT. A senhora entrou com uma ação
na Justiça Eleitoral para tirar minha propaganda do ar simplesmente
porque eu lembrava que a senhora militou durante 24 anos no PT e,
durante o mensalão, lá permaneceu. Onde estava, candidata, a nova
política naquele instante?”
Dessa vez, foi Marina quem puxou a
corda. Mas o fez de forma atabalhoada. Confundiu os estúdios da Globo
com o plenário do Senado. E pôs-se a tratar Aécio de forma
inexplicavelmente cerimoniosa: “…Vossa Excelência também esteve dentro
de um partido que praticou o mensalão, quando foi da votação da
reeleição. Foi ali que começou o mensalão. No entanto, Vossa Excelência
também permaneceu nesse partido. Nunca vi fazer critica à origem do
mensalão.”
Com o raciocínio turvado, Marina errou na escolha do
paralelo. Em vez da compra de votos, que jamais foi investigada, deveria
ter citado o mensalão tucano de Minas Gerais, estrelado por Eduardo
Azeredo. Depois de renunciar ao mandato de deputado federal para fugir à
inexorável condenação do STF, Azeredo declarou-se um feliz apoiador das
pretensões presidenciais de Aécio.
Do meio para o final de sua
resposta, Marina troca o Vossa Excelência pelo você: “Eu saí do PT
exatamente para manter as minhas convicções. Eu não vi você fazer
nenhuma crítica ao expediente da reeleição. E e ainda não vi fazer
nenhuma crítica ao mensalão da compra de voto.”
A má escolha da
analogia facilitou a vida de Aécio: “Me surpreende que a senhora faça
essa defesa do mensalão do PT, ao compará-lo a denúncias que jamais
foram comprovadas. Mas eu vou em frente. A senhora tem falado que vai
governar com os bons. Até aí, o óbvio. Nunca vi ninguém falar que vai
governar com os maus. Mas tenho duvidas sobre seu conceito sobre os
bons.”
Aécio prosseguiu: “Quando a senhora foi ministra, montou
sua equipe. O presidente do Ibama era um candidato do PT derrotado ao
governo do Amazonas. O secretário de Desenvolvimento Sustentável era um
deputado derrotado do PT do Mato Grosso, o secretário de Recursos
Hídricos era um vereador do PT de Belo Horizonte, substituído por um
candidato derrotado do PT em São Paulo. Nada mais antigo, nada mais
velho na política do que nomear para cargos públicos aqueles que foram
demitidos nas urnas pelo povo brasileiro.”
Marina fez sua pose
preferida. A pose de vítima. Misturou o Vossa Excelência e o você na
mesma frase: “Em primeiro lugar, candidato Aécio, você falou que eu fui
atacada injustamente pelo PT, mas eu também fui atacada injustamente por
Vossa Excelência. Pela primeira vez na história desse país se uniu com o
PT para tentar me desconstituir, como está dizendo aqui.”
Arrematou:
“Existem pessoas honradas, sim, que são derrotadas, pessoas
competentes, que prestam trabalho sério. Está cheio dessas pessoas
dentro do seu partido. Se algum deles perder a reeleição, você vai
chamá-los de velha política só pelo fato de eles perderem a eleição. É
isso que dá a visão de poder pelo poder.”
A certa altura, Marina
animou-se a questionar Dilma. Foi ao ponto: “Nas eleições passadas, você
assumiu vários compromissos: diminuir os juros, fazer o país continuar
crescendo, combater a corrupção… E nada do que você se comprometeu está
sendo cumprido. Por que você não conseguiu viabilizar seus
compromissos?”
E Dilma: “Acredito que cumpri todos os meus
compromissos. Hoje o Brasil pratica a menor taxa de juros de toda a sua
história, Marina.” Saltando a inflação e o PIB mixuruca, Dilma foi ao
item seguinte: “Não houve governo que mais combateu a corrupção como o
meu. Eu não escondi debaixo do tapete, não varri e não engavetei. Demos
autonomia pro Ministério Público investigar, reconhecemos a autonomia
que ele tem, blá, blá, blá…”
Marina voltou à carga: “Dilma, você
não cumpriu seus compromissos de campanha. A corrupção foi varrida pra
baixo do tapete. [...] Você diz que foi o próprio diretor da Petrobras
que disse que ia sair porque tinha recebido um recado. Foi negociação
premiada. Existem a delação premiada. Houve uma demissão premiada,
negociada no seu governo?”
Enquanto Marina falava, Dilma marcava
com a caneta um texto sobre a bancada. Foi ao microfone para moer a
antagonista: “Marina, vamos colocar os pingos nos ‘is’. O seu diretor,
nomeado por você [no Ministério do Meio Ambiente], diretor de
Fiscalização do Ibama, foi afastado no meu governo por crime de desvio
de recursos. E eu não saí por aí, Marina, dizendo que você conhecia a
corrupção e tinha acobertado a corrupção. Sejamos corretas na condução…”
Marina
perdeu as estribeiras. Embora as regras a impedissem de replicar, ela
não se deu por achada. “Da forma como você fala, toda atrapalhada, é a
maior…” Dilma permaneceu defronte de sua rival. Se cercassem, virava um
ringue. William Bonner interveio: “Candidatas, por favor, já acabou…
Candidatas, por favor, por favor…”
Chamado ao centro do palco,
Pastor Everaldo dirigiu-se a Marina. Perguntou-lhe, de novo, sobre
Petrobras. Ambos reiteraram as críticas ao descalabro que tisnou a
imagem e conspurcou os cofres da estatal. Marina poderia ter utilizado
parte do seu tempo para rebater a acusação que Dilma fizera minutos
antes. Silenciou. E deixou boiando diante das câmeras a acusação de que
um diretor nomeados na sua época de ministra foi ao olho da rua por
desvio de verbas.
Vamos e venhamos, não é algo que possa ficar sem
resposta há poucas horas do encontro do eleitor com a urna.