Catástrofes geradas por mudanças climáticas custam cada vez mais caro, diz ONG
No relatório foram contabilizados apenas os
danos cobertos por seguros. A maior parte das perdas econômicas não
estava assegurada, segundo a Christian Aid.
As 10 catástrofes naturais
mais caras de 2020 geraram prejuízos de quase US$ 150 milhões (cerca de
R$ 780 milhões). O valor, superior a 2019, reflete o aumento do impacto
da crise climática, segundo a ONG britânica Christian Aid. Os desastres
também deixaram 3.500 mortos e 13,5 milhões desabrigados, segundo o
relatório anual da organização.
Dos incêndios monumentais na Austrália aos furacões em série no
Caribe, o verdadeiro custo das catástrofes climáticas em 2020,
reforçadas pelo aquecimento global,
é na realidade muito mais elevado. No relatório foram contabilizados
apenas os danos cobertos por seguros. A maior parte das perdas
econômicas não estava assegurada, segundo a ONG.
Sem surpresa, os países pobres arcaram com o preço mais alto, com
apenas 4% das despesas pagas pelas seguradoras, contra 60% nos países
ricos. O relatório cita um estudo recente publicado na revista The
Lancet.
Responsabilidade
Muitos países atingidos por catástrofes climáticas não têm grande responsabilidade pelo aquecimento global.
Um exemplo é a Nicarágua, afetada pelo furacão Iota, o mais forte da
temporada no Atlântico, e as Filipinas, atingida por Goni e Vamco.
Catástrofes desse tipo já ocorriam no planeta antes do aumento das mudanças climáticas
provocadas pela humanidade, mas o aumento da temperatura em ao menos
1,1º C desde o começo da era industrial aumentou a frequência e os
impactos.
“Sejam inundações na Ásia,
gafanhotos na África ou tempestades na Europa e na América, a mudança
climática continua a destruir em 2020”, disse Kat Kramer, responsável
Clima da Christian Aid.
As cinco catástrofes mais caras de 2020 estavam ligadas
principalmente a chuvas das intensas monções ocorridas na Ásia. “As
inundações de 2020 foram as piores da história de Bangladesh, e deixaram
mais de um quarto do país sob as águas”, diz Shahjahan Mondal,
climatólogo da Universidade de Engenharia e Tecnologia de Bangladesh.
Tempestades e desastres
Um grande número destes desastres causaram danos de ao menos US$ 5
bilhões (cerca de R$ 25 bilhões), como o ciclone Amphan no golfo de
Bengala, em maio, os incêndios do oeste dos Estados Unidos durante o
verão e o outono, ou os da Austrália, em janeiro.
Em 2020, o número de furacões no oceano Atlântico bateu um recorde,
com 30 tempestades que provocaram pelo menos 400 mortes e US$ 41 milhões
(cerca de R$ 200 milhões) em perdas nos Estados Unidos, na América
Central e no Caribe, segundo o representante da ONG.
Entre as perdas mais importantes deste ano, a Christian Aid destaca
também duas tempestades que varreram a Europa causando um total de
prejuízos de US$ 5,9 bilhões: Ciara, no Reino Unido e na Irlanda em
fevereiro, e Alex, na França e Itália em outubro.
O aumento das catástrofes climáticas
corresponde a previsões científicas e aos progressos feitos nos últimos
anos pela ciência conhecida como “de atribuição”, que permite avaliar
quantas vezes é provável que um evento específico causado pelas mudanças climáticas aconteça.
O acordo de Paris sobre o clima prevê limitar o aquecimento
a 2º C, se possível 1,5º C, em relação à era pré-industrial, mas os
compromissos de redução de gases do efeito estufa dos Estados ainda são
insuficientes para atingir estes objetivos.
O pequeno inseto de 1 mm que salvou economia de um país
Antes de os pesticidas químicos serem
inventados, os agricultores dependiam de predadores locais para
controlar as pragas que devastavam plantações, mas agora a prática está
sendo revitalizada.
Espalhados entre as florestas com alta biodiversidade
do Sudeste Asiático, milhões de fazendeiros tiram seu sustento do
cultivo de mandioca. Essa safra comercial — cultivada tanto por pequenos
agricultores que possuem apenas um ou dois hectares de terra, quanto
por fazendas industriais que se estendem por milhares de hectares — é
vendida sobretudo para fabricantes que usam o amido do tubérculo em
plásticos e colas.
Quando a mandioca foi importada pela primeira vez da América do Sul
para o Sudeste Asiático (como aconteceu com a África algumas décadas
antes), ela era capaz de ser cultivada sem a ajuda de pesticidas.
Mas, em 2008, um inseto
chamado cochonilha acompanhou o tubérculo até a região e começou a
devastar as lavouras. Para compensar as perdas, agricultores começaram a
avançar pela floresta no entorno de seus terrenos na tentativa de obter
uma produção um pouco maior em suas terras.
“Algumas dessas áreas estão sob
pressão significativa do desmatamento”, afirma Kris Wyckhuys,
especialista em controles biológicos do Instituto de Proteção de Plantas
da Academia Chinesa de Ciências Agrícolas em Pequim.
“O Camboja tem uma das taxas mais altas de desmatamento tropical”, acrescenta.
A chegada da cochonilha não só teve um grande impacto no sustento
daqueles que cultivam mandioca, como também afetou as economias dos
países da região e pode ter reverberado em outros lugares.
Produtos alternativos no mercado de amido, como milho e batata,
aumentaram de preço. O preço da fécula de mandioca triplicou na
Tailândia — o maior exportador mundial do produto.
“Quando um inseto reduz a produção agrícola em 60-80%, você tem um grande choque”, diz Wyckhuys.
A solução foi encontrar o inimigo natural da cochonilha, uma vespa parasita de 1 mm de comprimento (Anagyrus lopezi), em sua terra natal, a América do Sul.
Essa vespa é extremamente seletiva no uso da cochonilha como
hospedeiro de suas larvas. No fim de 2009, ela foi introduzida nas áreas
de cultivo de mandioca na Tailândia e começou a agir sobre as
cochonilhas.
Não há informações detalhadas sobre quão rápido a vespa conteve a população de cochonilhas no país. Mas, em meados de 2010, “as vespas
parasitas estavam sendo criadas aos milhões e liberadas em massa em
toda a Tailândia, inclusive por avião, e podemos supor que seu impacto
sobre as populações de cochonilhas pôde ser sentido com bastante
rapidez”, afirma Wyckhuys.
Quando a mesma vespa
foi usada para controlar as cochonilhas na África Ocidental no início
dos anos 1980, ela suprimiu imediatamente os níveis da praga — de mais
de 100 em cada extremidade da mandioca para menos de 10-20.
Menos de três anos depois, a vespa havia se dispersado efetivamente
por mais de 200 mil km² no sudoeste da Nigéria e podia ser encontrada na
grande maioria das plantações de mandioca da área.
Esse tipo de intervenção é denominado controle biológico clássico.
Você encontra um predador natural e o introduz em uma plantação para
conter a propagação de uma praga.
Wyckhuys calcula o benefício econômico para os agricultores em 26
países da Ásia-Pacífico em cerca de US$ 14,6 bilhões a US$ 19,5 bilhões
por ano.
“A ação de uma vespa de 1 mm ajudou a resolver um impacto financeiro significativo no mercado global de amido”, diz ele.
Nosso conhecimento sobre os benefícios que o predador certo pode
trazer para terras agrícolas remonta a centenas de anos, embora o
biocontrole tenha saído de moda nas práticas agrícolas modernas.
“O controle biológico foi o padrão por milhares de anos, então é
engraçado pensar nisso como algo novo”, diz Rose Buitenhuis, cientista
da organização científica independente de horticultura, Vineland
Research and Innovation Centre, em Ontário, no Canadá.
Se o controle biológico pode ser tão bem-sucedido, por que agora é um
método pouco usado no combate a pragas? O que acontece quando dá
errado? E por que os pesquisadores estão fazendo pressão para mudar
isso?
Para as civilizações pré-colombianas da Mesoamérica, os sapos-cururu
existiam em algum lugar entre a vida e a morte — e eram reverenciados
como mediadores do submundo. Os anfíbios produzem uma toxina poderosa
capaz de induzir experiências alucinógenas que os sacerdotes usavam em
rituais para se comunicar com seus ancestrais mortos.
A civilização maia é famosa por cultuar cobras e aves de rapina, que
aparecem em exemplares primorosos da arte Mesoamericana. Mas os maias e
outros povos indígenas também retrataram o sapo em seu artesanato,
muitas vezes sorrindo alegremente como se estivesse desfrutando dos
efeitos de sua própria toxina psicodélica.
Os maias esculpiram sapos e rãs em potes e vasos. Como animais
semiaquáticos e arautos da chuva — essenciais para a saúde das
plantações — eles eram sinônimo de água e, portanto, de vida. A
metamorfose dos ovos em girinos e sapos indicava o início da estação das
chuvas, emergindo da água como se emergisse do mundo subterrâneo.
O sapo também era visto como um aliado poderoso para manter afastadas
as pragas que destroem as plantações. Eles eram bem-vindos em milharais
e silos, onde agiam como predadores naturais de besouros e pequenos
roedores que podiam dizimar uma plantação.
Mas a mesma neurotoxina, a bufotenina, que os sacerdotes usavam como
alucinógeno também era a principal defesa do sapo-cururu contra seus
próprios predadores — e é venenosa o suficiente para matar um ser humano
se ele for descuidado.
Os povos indígenas da Mesoamérica compreenderam a dualidade do mundo
natural. O sapo-cururu representava tanto a vida quanto a morte. Pintado
em um vaso maia está um sapo-cururu que apresenta uma bandeja com um
olho, osso e mão humanos para um jaguar e uma serpente que dançam
alegremente no submundo.
Os maias respeitavam o poder do sapo e saudavam sua presença. Eles
também sabiam que mexer com a natureza pode ter consequências perigosas.
O sapo-cururu é odiado na Austrália. Importado das Américas como um
biocontrole em 1935, ele prosperou em seu novo ambiente, as plantações
de cana-de-açúcar no nordeste do país. A abundância de sua presa
favorita, o besouro-da-cana, junto com outros insetos australianos nativos, e a ausência de predadores adequados, levaram a um boom de sapos-cururu.
Em 2007, estimou-se que o sapo-cururu cobria cerca de 1,2 milhão de
quilômetros quadrados de selva australiana, com 1,5 bilhão de
representantes da sua espécie. E é provável que seu alcance aumente com
as mudanças climáticas.
O resultado foi devastador. As populações de predadores despencaram —
espécies que normalmente se alimentariam de sapos nativos, como quolls,
um tipo de marsupial, e goannas, um lagarto-monitor grande, morreram
por causa da toxina do sapo-cururu. O governo australiano e ativistas
locais destroem milhões de sapos todos os anos.
A reputação do sapo-cururu é tão ruim no país que o drama do anfíbio tem sido tema de livros infantis irônicos.
“Os sapos foram soltos contrariando os pareceres científicos da época”, afirma Wyckhuys.
Liberar os sapos “era algo que nunca deveria ter sido feito e é
totalmente impossível no biocontrole moderno — você não libera
predadores vertebrados generalistas, polífagos. Não é um alerta vermelho
pequeno, é um alerta vermelho enorme”.
O sapo-cururu não está sozinho. Há pelo menos dez casos de
biocontroles que se tornaram espécies invasoras ao longo da história. Na
Segunda Guerra Mundial, as forças japonesas e aliadas liberaram
peixes-mosquitos para atacar larvas de mosquitos na tentativa de reduzir
a propagação da malária entre as tropas nas ilhas do Pacífico.
Esses pequenos peixes de aparência inofensiva são agora uma espécie
invasora naquela área, onde se dispersaram rapidamente e desbancaram as
espécies locais. O mesmo se aplica à joaninha asiática na Europa,
introduzida para controlar afídeos.
Como resultado de desfechos como esses, o uso de controles químicos —
pesticidas — ganhou força na primeira metade do século 20. Mas, com um
punhado de exceções, a imagem controversa dos biocontroles é amplamente
infundada. As introduções bem-sucedidas de biocontroles superam as
falhas em pelo menos 25 vezes.
Por isso, alguns pesquisadores estão tentando mudar agora a percepção
em relação aos controles biológicos. E dizem que os dias dos pesticidas
estão contados.
Será o fim dos pesticidas?
“Os controles químicos resolveram muitos problemas nas décadas de 1930, 1940 e 1950”, diz Buitenhuis.
“Os agricultores não precisavam trabalhar tanto. Eles podiam
simplesmente ir até o armário, pegar um spray e as pragas morreriam.”
O problema com os controles químicos é que as espécies de pragas se
reproduzem rapidamente, o que significa que um indivíduo resistente a um
pesticida pode produzir descendentes resistentes muito rápido.
Os produtores de pesticidas precisam então aperfeiçoar constantemente
seus produtos apenas para estar à altura da praga — o que Buitenhuis
chama de esteira da resistência a pesticidas, e é conhecido em outros
lugares como “efeito Rainha Vermelha”, em referência à personagem de
“Alice Através do Espelho”.
O número de pesticidas disponíveis para os agricultores está se
esgotando. Em 2018, três inseticidas de uma classe de substâncias
químicas chamadas neonicotinoides foram proibidos de forma definitiva
pela União Europeia, tendo seu uso já severamente restringido em 2013.
Esses produtos químicos, que têm uma estrutura semelhante à da
nicotina, revestem as sementes para protegê-las de pragas no solo. No
entanto, conforme a plantação cresce, o pesticida é absorvido e se
espalha por todo o tecido da planta, se acumulando no pólen e no néctar.
Polinizadores selvagens e domesticados que se alimentam dessas plantas
são então expostos ao pesticida.
Os críticos da proibição apontam que limitar os pesticidas para o
tratamento de sementes pode acabar levando à sua substituição por
pesticidas em spray, que podem ser igualmente prejudiciais para os
polinizadores e são mais caros para os agricultores.
“Há uma grande variedade de fatores sociais e ecológicos negativos associados aos pesticidas”, diz Wyckhuys.
“Dos gases de efeito estufa usados para produzir e distribuir
produtos químicos — emissões significativas de gases do efeito estufa —
às implicações para a saúde dos agricultores e consumidores. Os impactos
não se restringem apenas às plantações ou às fazendas, mas são
amplificados pela paisagem [por lixiviação] , propagados pela água ou
poeira, absorvidos no ar por aerossóis. “
Resíduos de pesticidas foram encontrados na floresta nublada da Costa
Rica e na Grande Barreira de Corais na Austrália. E quando os
pesticidas aparecem no lugar errado, eles se tornam biocidas — algo que
mata a vida.
Ao contaminar o meio ambiente ao redor das terras agrícolas, eles
simplificam comunidades biológicas e degradam ecossistemas. O que atrai
os cientistas, como Wyckhuys, na técnica de biocontrole é que sua
aplicação pode ser muito mais direcionada.
Caroline Reid, líder técnica da Bioline Agrosciences, produtora de
controle biológico no Reino Unido, concorda. Se você somar à
especificidade dos biocontroles a redução no número de produtos químicos
seguros para uso e o incentivo à agricultura sustentável por toda a
União Europeia, você vai entender por que os biocontroles estão ganhando
cada vez mais força.
Mas como eles funcionam?
Controles biológicos
Há basicamente três tipos de biocontroles: predadores, parasitoides e
patógenos. Sapos-cururu são um exemplo de biocontrole predatório. Eles
se alimentam de besouro-da-cana, mas infelizmente não são muito
exigentes (são “polífagos”), e na Austrália começaram a se alimentar de
outros insetos nativos que não eram pragas.
Os parasitoides são um pouco mais macabros. Frequentemente, esse tipo de biocontrole é feito por espécies de vespas
ou moscas parasitas que colocam seus ovos dentro de lagartas ou
besouros apenas para que as larvas resultantes escapem do abdômen do
hospedeiro, matando-o no processo.
Já os patógenos podem assumir a forma de fungos, vírus ou bactérias
que matam ou tornam seu hospedeiro infértil. Eles tendem a ter como alvo
espécies bastante específicas de pragas, o que os torna uma escolha
popular para pesquisas modernas de biocontrole, uma vez que há um risco
menor de atacarem outras espécies inofensivas com consequências
indesejadas. Embora, como todos nós descobrimos recentemente, os vírus
podem de vez em quando saltar de espécies com bastante sucesso.
Biocontroles bem-sucedidos devem ter uma alta taxa de reprodução,
para que possam se multiplicar rapidamente ao detectar uma praga, ser
bem específicos no que se refere às espécies que têm como alvo e capazes
de buscar suas presas com eficiência.
Na prática, nenhum controle biológico é perfeito. Então, os pesquisadores pesam os riscos associados a cada um deles.
Há ainda três maneiras como os controles biológicos podem ser
aplicados a uma plantação: clássica, de conservação e abordagem
aumentada.
O sapo-cururu é um exemplo (embora um tanto ruim) do biocontrole
clássico — em que uma nova espécie é introduzida no meio ambiente.
“A forma clássica de biocontrole é voltada especificamente para o manejo de espécies invasoras”, diz Wyckhuys.
O biocontrole oferece a opção de voltar à região de origem daquela
praga, estudar os inimigos naturais coevoluídos e escolher os organismos
que são altamente eficazes no seu controle.
“Não queremos introduzir um organismo que vai atacar outros
organismos. Selecionamos um biocontrole eficaz que seja altamente
específico”, explica Wyckhuys.
Alternativamente, em abordagens de conservação, pode-se ajudar
predadores que já existem numa região ao proteger seu habitat. Isso pode
ser feito aumentando a quantidade de cercas-vivas ou pradarias ao redor
de uma plantação.
Em um estudo sobre o cultivo de repolho, onde havia uma alta
proporção de pradarias ao redor de uma plantação, o número de lagartas
comedoras de repolho foi menor. Isso provavelmente se deve à maior
presença de vespas parasitas nesses ambientes, dizem os pesquisadores.
No entanto, em outros casos, as pradarias promoveram a presença de
espécies de pragas como afídeos e besouros-pulga. Não é tão simples
quanto introduzir mais pradarias para reduzir as pragas — a dinâmica
entre as terras agrícolas e as terras selvagens precisa ser administrada
com cuidado.
Biocontroles de conservação como este também se limitam ao controle
de pragas nativas do ambiente local. Como os biocontroles clássicos,
muitas espécies de pragas foram introduzidas pela primeira vez em seu
ambiente pelo homem — elas já não estavam lá necessariamente. Como os
países importam sementes e safras do mundo todo, é fácil presumir que
uma ou outra praga venha junto acidentalmente. Agora, quando se
encontram em um novo ambiente sem um predador natural, elas prosperam.
Finalmente, em abordagens aumentadas, um patógeno ou parasita é
introduzido em uma plantação em um momento chave — talvez quando as
pragas começam a se reproduzir ou botar ovos, ou até mesmo antes da
chegada da praga — de modo que as espécies de controle rapidamente
anulem sua ameaça, antes que sejam reduzidas e também extintas naquela
área. A vantagem dessa abordagem é que você pode ser muito específico ao
atacar as espécies de pragas.
“O controle aumentado é muito popular no setor de estufa europeu”, diz Wyckhuys.
“Em algumas áreas, o uso de pesticidas é zero.”
As estufas são reduto dos biocontroles há décadas, mesmo quando os
pesticidas químicos tiveram seus anos de boom. Elas têm a grande
vantagem de ser um sistema mais ou menos fechado, não permite que um
biocontrole predatório saia voando por aí. Depois, há o fato de que as
plantações em estufa tendem a ter um valor mais alto — tomates,
pimentões e pepinos são vendidos por um valor mais alto por unidade de
área do que os cereais, por exemplo.
Nos últimos anos, a popularidade dos biocontroles se espalhou para
outros setores, como floricultura, viticultura (cultivo de uva) e de
frutas ao ar livre, como morangos.
“No Canadá, fizemos um
levantamento em 2017/2018, 92% dos floricultores usam o biocontrole como
principal estratégia de controle de pragas”, diz Buitenhuis.
“É uma história de sucesso incrível e surgiu por causa da resistência aos pesticidas, especialmente no Canadá.”
Buitenhuis e Reid sabem que quando os agricultores de grandes áreas
de plantio passarem a adotar biocontroles para seus cereais e grãos, os
ventos terão voltado a soprar a seu favor.
“Se um agricultor de culturas arvenses decidiu que um controle
biológico pode ser usado no trigo ou na cevada, nós resolvemos a
questão”, afirma Reid.
Da mesma forma, Buitenhuis diz que convencer países como Colômbia,
Equador e Quênia a adotar tais abordagens seriam “grandes vitórias”.
“Está chegando”, diz Buitenhuis.
“Usar apenas produtos químicos não é uma estratégia sustentável de longo prazo.”
As espécies escondidas nas profundezas do Atlântico que a ciência desconhecia até agora
Estudo de quase cinco anos no Atlântico
profundo revelou novos moluscos, musgos e corais — muitos dos quais são
ameaçados pelo impacto das mudanças climáticas nas águas marítimas.
Um estudo que investigou as profundezas do oceano Atlântico durante quase cinco anos revelou detalhes sem precedentes de 12 espécies até então desconhecidas da ciência.
Trata-se de musgos marinhos, moluscos e corais que não tinham sido descobertos até agora porque o fundo do mar é ainda muito inexplorado, afirmam os cientistas.
Mas os pesquisadores alertam que os animais recém-descobertos já podem estar sob a ameaça das mudanças climáticas, que estão mudando a composição das águas marítimas.
O dióxido de carbono absorvido pelo oceano está tornando-o mais ácido, causando a corrosão dos esqueletos dos corais.
Os cientistas envolvidos no projeto, chamado de Atlas, enfatizaram que “não é tarde demais para proteger essas espécies especiais” e os importantes habitats que elas ocupam.
Algumas descobertas importantes da missão no Atlântico:
Novas espécies: “Pelo menos” 12 novas espécies
de águas profundas. A equipe também encontrou cerca de 35 novos
registros de espécies em áreas onde antes eram desconhecidas
Mudanças climáticas: o aquecimento dos oceanos,
a acidificação e a diminuição da disponibilidade de alimentos irão se
combinar para mudar significativamente e reduzir a disponibilidade de
habitats adequados para as espécies do fundo do mar até 2100
Fontes hidrotermais: os
cientistas descobriram um campo destas fontes termais no fundo do mar
nos Açores, em Portugal. Os campos hidrotérmicos são áreas importantes
de produtividade biológica relativamente alta, que hospedam comunidades
complexas no meio do vasto oceano profundo
Cidades das profundezas
Como observou o professor George Wolff, químico oceânico da
Universidade de Liverpool que esteve envolvido no projeto, “ainda
podemos dizer que temos mapas melhores da superfície da Lua e de Marte
do que do fundo do mar”.
“Então, sempre que você vai para o fundo do oceano, você encontra algo novo — não apenas espécies individuais, mas ecossistemas inteiros.”
O professor Murray Roberts, da Universidade de Edimburgo — que
liderou o projeto Atlas—, disse à BBC News que quase cinco anos de
exploração e investigação revelaram alguns “lugares especiais” no oceano e “como eles funcionam”.
“Encontramos comunidades inteiras formadas por esponjas ou corais, que formam as cidades do fundo do mar”, explicou.
“Elas sustentam a vida. Portanto,
peixes realmente importantes usam esses locais como áreas de desova. Se
essas cidades forem danificadas por usos humanos destrutivos, esses
peixes não terão onde se reproduzir e a função de todos esses
ecossistemas será perdida para as gerações futuras.”
“É como entender que a floresta tropical é um lugar importante para a
biodiversidade terrestre. O mesmo vale para o fundo do mar: há lugares
importantes que precisam ser protegidos — e, o mais importante, todos
estão conectados.”
Diminuindo a velocidade das correntes oceânicas
O projeto envolveu pesquisadores de 13 países ao redor do Atlântico — combinando química e física oceânica, além de descoberta biológica, para descobrir como o ambiente do oceano está mudando com o aquecimento mundial e como os humanos exploram mais do fundo do mar para pesca e extração de minerais.
O estudo das correntes oceânicas e dos depósitos de fósseis no fundo do mar revelou que as principais correntes do Atlântico Norte diminuíram drasticamente em resposta às mudanças climáticas.
“As implicações disso são complicadas, mas potencialmente as conexões
entre os ecossistemas estão sendo reduzidas”, explicou o professor
Roberts, porque as correntes oceânicas são as rodovias que ligam
diferentes habitats na vastidão do oceano profundo.
Fora de vista
“O valor de todo esse conhecimento nos permite entender o que podemos
arriscar e perder”, disse a professora Claire Armstrong, economista de
recursos naturais da Universidade de Tromsø, na Noruega.
“O fundo do oceano pode estar tão
longe da vista e da mente que não temos consciência do que estamos
fazendo aos seus ambientes e das consequências do que fazemos.”
Com uma população global em crescimento, poluição crescente e áreas
emergentes de atividade comercial no fundo do mar, incluindo a
prospecção para produtos médicos e industrialmente úteis, os cientistas
marinhos dizem que é vital preencher as lacunas em nosso conhecimento
sobre o oceano.
O oceano não é um recurso
infinito, acrescentou o professor Armstrong. “Conservar e saber o que
podemos precisar no futuro é muito, muito difícil.”
O projeto que tenta resolver ‘briga’ entre agricultores e arara ameaçada de extinção na Caatinga
Espécimes de arara-azul-de-lear cresceram em
número, para alívio de conservacionistas; mas, como seu habitat natural
está desmatado, elas se voltaram aos milharais da região para se
alimentar.
Graças a projetos de recuperação e proteção de sua população, o número de exemplares de arara-azul-de-lear
(Anodorhynchus leari) — uma espécie ameaçada de extinção, que vive
exclusivamente na região conhecida como Raso da Catarina, na Caatinga do
Nordeste da Bahia — aumentou de apenas 60 para mais de 1,7 mil nos
últimos 40 anos.
É uma boa notícia, sem dúvida, mas que trouxe um efeito colateral indesejado, não previsto.
Devido à escassez de sua comida natural preferida, o coquinho licuri
(coquinho pequeno que dá em cachos grandes), as aves se voltaram aos
milharais, entrando em conflito com os agricultores do entorno da área de proteção onde vivem.
De acordo com a agrônoma e mestre em Ciências Florestais Kilma Manso
Raimundo da Rocha, da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), que atua
na região desde 2005, a conservação da arara-azul-de-lear
se deve a um conjunto de esforços de diferentes instituições,
responsáveis, dentre outras ações, pela proibição do tráfico de animais
silvestres e à caça furtiva; preservação do habitat da espécie;
pesquisas sobre ela e seu ambiente; mitigação dos conflitos com
produtores rurais e educação ambiental.
“O aumento da população de araras é o resultado direto da integração
dessas ações, quer desenvolvidas em conjunto ou de forma isolada, há
mais de três décadas”, diz.
Mas com o aumento do número das aves vieram os conflitos com os agricultores, principalmente com os plantadores de milho, que, na região, serve de alimentos para as pessoas, o gado e as galinhas.
E agora, contra a vontade dos produtores, alimenta também as araras-azuis-de-lear.
“Infelizmente, a espécie é considerada praga por eles na região do Raso
da Catarina, por atacar sistematicamente milharais”, conta Kilma.
Segundo ela, os ataques às lavouras de milho ocorrem em diversas
fases de cultivo, mas principalmente durante o período de amadurecimento
das espigas.
“E por causa do grande número de
araras que compõem os bandos que atacam os milharais, os danos costumam
ser bastante severos, resultando em perda de praticamente toda a área
cultivada e, por conseguinte, acarretando sérios prejuízos aos agricultores“, explica Kilma.
Um bando grande delas, por exemplo, é capaz de destruir um hectare de
lavoura (cerca de 1,5 campos de futebol) em um ou dois dias.
No contra-ataque em defesa de suas plantações, os produtores usam pedras, paus e até armas de fogo.
Desmatamento
Segundo Kilma, os conflitos ocorrem por dois motivos principais: o
crescimento vertiginoso da população de araras, principalmente nos
últimos 15 anos, e o aumento significativo das áreas desmatadas, com a
destruição da vegetação nativa, que fornecia alimentos para as aves.
Entre as plantas que oferecem comida para as araras-azuis-de-lear e que tiveram sua área diminuída está a palmeira licurizeiro, que produz o coquinho licuri, a iguaria preferida delas.
Também contribuíram as secas, cada vez mais constantes e prolongadas, que reduzem a oferta de alimentação natural na caatinga.
“Então temos por um lado, um
número muito maior de araras em busca de comida e de outro um aumento
contínuo da área desmatada”, explica Kilma.
“Resumindo, temos mais aves e menos alimentos da vegetação nativa. Então, com isso elas se lançam nas áreas agrícolas.”
Recompensa
Para mitigar o conflito entre os agricultores
e as aves, Kilma criou a ONG ECO — Organização para Conservação do Meio
Ambiente, que desenvolve o Projeto para Ressarcimento de Danos aos
Milharais Decorrentes de Ataques de Araras-Azuis-de-Lear, que repõe aos produtores a mesma quantidade milho que elas destroem.
“O objetivo principal da iniciativa é evitar atitudes hostis (muitas
das quais resultantes em morte das aves) contra as araras, por parte dos
agricultores que têm suas lavouras atacadas e, muitas vezes,
completamente destruídas”, explica Kilma.
A iniciativa foi concebida, em 2005, pela americana Linda Wittkoff,
hoje falecida, que veio morar no Brasil com o marido, William, em 1961, e
na época presidia a Fundação Lymington. Ela e a Parrots International,
uma ONG de preservação dos Estados Unidos, se tornaram as instituições
pioneiras no financiamento do projeto.
Hoje, o projeto é financiado também por outras instituições nacionais e internacionais.
Kilma diz que a iniciativa tem contribuído para evitar conflitos entre as araras e os agricultores,
assim como, indiretamente, para o aumento da oferta de alimentos
disponíveis para as aves, pois os produtores de milho, por terem a
certeza de que serão ressarcidos dos danos em suas lavouras, terminam
por permitir que elas se alimentem livremente das plantações.
“Isso acaba favorecendo a melhoria das condições de vida delas, pois é
maior a oferta de alimentos para a totalidade de sua população nativa
existente na região”, explica.
Os resultados do Projeto para Ressarcimento de Danos aos Milharais Decorrentes de Ataques de Araras-Azuis-de-Lear
mostram a distribuição de, aproximadamente, 8,3 mil sacas de milho de
60 kg, que beneficiaram cerca de 1 mil agricultores familiares, cujas
lavouras foram destruídas pelos ataques das aves ao longo dos últimos 15
anos.
Por isso, a situação está hoje mais controlada, ainda que os ataques
tenham alcançado uma área de abrangência muito maior que no começo do
projeto.
“Mesmo com um maior número de
milharais atacados e, por conseguinte, um número igualmente maior de
agricultores afetados, a percepção negativa que eles tenderiam a
construir e manter sobre essas aves é sistematicamente desconstruída
pelas nossas ações”, comemora Kilma.
Isso ocorre principalmente porque os danos provocados aos milharais
são integralmente ressarcidos, ao que se soma o fato de que os agricultores
e demais moradores das áreas rurais abrangidas pelo projeto passam a
ter um melhor entendimento de todo o contexto dos ataques às lavouras.
“Eles agora entendem que é uma resposta das araras à falta de
alimentos oferecidos pela vegetação nativa da Caatinga, que tem sido
bastante desmatada”, diz Kilma.
Em 2017, a prefeitura de Salvador, na
Bahia, criou o Plano Diretor de Arborização Urbana e como parte das
ações lançou uma cartilha bem completa para quem deseja fazer plantios
nos espaços urbanos.
Quais espécies são mais indicadas e
como plantar árvores em calçadas são algumas das dúvidas respondidas no
documento. Apesar de ser intitulado “Manual Técnico de Arborização Urbana de Salvador”, a cartilha pode ser aproveitada por moradores de qualquer cidade, especialmente os que vivem no bioma Mata Atlântica.
Veja alguns destaques do manual:
Orientações técnicas – Para
plantios em passeios, por exemplo, o manual destaca a necessidade de
verificar a largura do corredor, para harmonizar a circulação dos
pedestres e o desenvolvimento da árvore. No caso de Salvador foi
considerado as ruas estreitas e calçadas ainda mais estreitadas. Além
disso, é preciso usar espécies com sistemas radiculares que reduzem
danos nas calçadas e sistemas subterrâneos como água, esgoto e
telefonia.
Fatores a considerar na hora do plantio
– Porte, formato da copa (reduzindo a demanda constante e dispendiosa
por podas) e adaptação ao clima. A distância da árvore de mobiliários
urbanos como sinalização de trânsito, semáforos e hidrantes, é outro
elemento importante considerado no manual.
Guia de espécies – Um dos
diferenciais do documento é o guia com fotografias e a ficha técnica
contendo informações e características de cada uma das de 50 espécies
indicadas para serem plantadas em ambiente urbano, como ambiente de
origem, porte, locais para plantio e folhagem. Todas as plantas citadas
são nativas da Mata Atlântica.
Quantas espécies de aves e mamíferos foram salvas da extinção nos últimos 30 anos?
Paolla Yoshie 17/12/2020
Por Suzana Camargo, Mongabay –
Grupo de pesquisadores analisou o impacto das ações de conservação
desde a Eco-92. Segundo o estudo, pelo menos 21 espécies de aves e 7 de
mamíferos no mundo escaparam de desaparecer.
Cinco espécies de aves salvas da extinção vivem no Brasil, entre
elas o mutum-de-alagoas (Pauxi mitu), a arara-azul-de-lear
(Anodorhynchus leari) e a ararinha-azul (Cyanopsitta spixii).
Enquanto algumas espécies voltaram à natureza, outras entraram em extinção durante as duas últimas décadas.
Os pesquisadores acreditam que o estudo possa se tornar uma
importante fonte científica para a elaboração de novas políticas de
conservação.
Em 1992, líderes globais reunidos durante a Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro,
assinaram a chamada Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), para
promover o desenvolvimento sustentável. Dezoito anos mais tarde, em
2010, em outro encontro, desta vez na província de Aichi, em Nagoya, no
Japão, 193 países assinaram um compromisso com 20 metas para reduzir a
pressão global sobre o mundo natural. Entre as chamadas Metas de Aichi para
a Biodiversidade, a número 12 estabelecia que, até 2020, fosse evitada a
extinção de espécies ameaçadas, especialmente aquelas com população em
declínio, e que seu status fosse melhorado e mantido.
Interessados em saber não apenas se esse compromisso foi atingido,
mas também quantificá-lo, um grupo de pesquisadores internacionais,
liderados por cientistas da Newcastle University, do Reino Unido,
fizeram um levantamento para descobrir quantas espécies de aves e
mamíferos deixaram de ser extintas graças a esforços de conservação.
“Queríamos identificar quantas extinções foram evitadas desde 1993,
quando entrou em vigor a Convenção sobre Diversidade Biológica, e desde
2010, quando foram adotadas as últimas metas relativas a ela, incluindo
aquela sobre prevenção de extinções. Nosso objetivo era saber como a
política impactou o número de extinções evitadas”, explica Rike Bolam,
principal autora do estudo, publicado na revista Conservation Letters.
Os pesquisadores decidiram focar apenas em aves e mamíferos, pois são
os grupos de animais mais estudados pela ciência, com maior quantidade
de dados globais disponíveis. Só foram analisadas espécies que
constassem na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação
da Natureza como “extintas na vida selvagem”, “criticamente ameaçadas”
ou “ameaçadas”.
Após um extenso levantamento, o time apurou que ações de conservação
evitaram entre 21 a 32 extinções de aves e 7 a 16 de mamíferos desde
1993, e entre 9 a 18 extinções de aves e 2 a 7 mamíferos desde 2010.
Apesar do trabalho de governos e organizações não governamentais em
prol da conservação, dez espécies de aves e cinco de mamíferos entraram
em extinção nos últimos 17 anos (ou há fortes suspeitas de que isso
tenha acontecido).
Todavia, os cientistas ressaltam que se nada tivesse sido feito, essas taxas poderiam ter sido entre 2,9 a 4,2 mais altas.
“É animador que algumas das espécies que estudamos tenham se
recuperado muito bem. Nossa análise, portanto, fornece uma mensagem
positiva de que a conservação reduziu substancialmente as taxas de
extinção de pássaros e mamíferos. Embora extinções também tenham
ocorrido no mesmo período de tempo, nosso trabalho mostra que é possível
preveni-las”, afirma Bolam.
Que espécies desapareceram e quais foram salvas da extinção
Entre as espécies de mamíferos que suspeita-se terem sido extintas na
natureza desde 1993 estão uma espécie de marsupial de Papua-Nova Guiné,
um golfinho de água doce da China e um macaco da África. Já o morcego Pipistrellus murrayi e o pequeno roedor Melomys rubicola, ambos
da Austrália, têm sua extinção assegurada pela ciência. Vale ressaltar
que esse é um processo que leva tempo, algumas vezes muitos anos para se
ter a confirmação definitiva
Quanto às aves possivelmente extintas na vida selvagem, há uma brasileira, a caburé-de-pernambuco (Glaucidium mooreorum), uma pequena coruja nativa do estado que leva seu nome. Os cientistas também acreditam que a arara-azul-pequena (Anodorhynchus glaucus), que era observada não apenas no Brasil, mas ainda em áreas da Argentina, Paraguai e Uruguai, também tenha sido extinta.
“Todas as espécies de pássaros que desapareceram viviam em ilhas como
Galápagos ou Havaí, ou na América Central ou do Sul. Para as aves de
ilhas, as principais ameaças foram espécies invasoras em combinação com a
perda de habitat. Para as da América Central ou do Sul foi
principalmente perda de habitat, muitas vezes em combinação com a caça”,
revela a pesquisadora da Newcastle University.
Do lado das boas notícias, os cientistas conseguiram apurar que espécies como o lince-ibérico (Lynx pardinus); o condor-da-califórnia (Gymnogyps californianus); o porco-pigmeu (Porcula salvania), nativo da Índia; o cavalo-de-przewalski (Equus ferus przewalskii), equino selvagem da Mongólia; e o papagaio-de-porto-rico (Amazona vittata), dentre outras, conseguiram aumentar o número de suas populações.
O cavalo-de-przewalski (Equus ferus przewalskii), equino
selvagem da Mongólia, chegou a ser extinto na natureza na década de
1960. Após ações com indivíduos em cativeiro, a espécie foi
reintroduzida e hoje conta com cerca de 400 exemplares em liberdade.
Foto: Garrett Ziegler/CC BY-NC-ND 2.0.
Ações de conservação com melhores resultados
Além de fazer o levantamento de quais animais conseguiram ser salvos
da extinção nas últimas décadas, os cientistas avaliaram ainda quais
foram as estratégias preservação mais bem-sucedidas. Segundo Rike Bolam,
entre as mais efetivas estão o controle de espécies invasoras, proteção
de áreas naturais e conservação ex-situ. Esta última envolve ações
realizadas fora do ambiente natural de uma espécie, como por exemplo, a
reprodução em cativeiro.
Dos casos analisados, 20 espécies de aves se beneficiaram de
trabalhos feitos em zoológicos e refúgios de vida silvestre. Um exemplo é
o do papagaio-de-porto-rico. A população do Amazona vittata chegou
a ter apenas 13 indivíduos na natureza. Entretanto, em 2006, iniciou-se
um processo de reintrodução no Parque Estadual Río Abajo. Sete anos
mais tarde, as estimativas indicam que já sejam entre 80 e 100 aves,
distribuídas em duas áreas distintas.
Bem longe do continente americano, na Mongólia, outro projeto de reintrodução obteve ótimos resultados. O Equus ferus przewalskii, um
tipo de cavalo selvagem, foi extinto na década de 1960. Após trinta
anos, exemplares criados em cativeiro foram soltos na natureza e, em
1996, nasceu o primeiro filhote. Atualmente são aproximadamente 400
cavalos-de-przewalski livres em seu habitat original.
Rike Bolam destaca que um dos objetivos do estudo internacional era
se tornar uma importante fonte científica para a elaboração de novas
políticas de conservação: “Precisamos evitar as causas subjacentes que
estão levando à extinção de espécies, como a perda de habitat por meio
da expansão agrícola. Existem modelos que sugerem que podemos conseguir
isso ao mesmo tempo que garantimos a segurança alimentar, por exemplo,
minimizando o desperdício de alimentos. Outro ponto necessário são as
ações de conservação voltadas para as espécies mais ameaçadas, como as
do nosso estudo, muito próximas da extinção”.
Os bons exemplos do Brasil
As 32 espécies de aves cuja extinção foi provavelmente evitada entre
1993 e 2020 são endêmicas de 25 países, incluindo seis da Nova Zelândia,
cinco do Brasil e três do México. É preciso ressaltar que dos dez
países do planeta com o maior número de espécies de aves, seis ficam na
América do Sul. Colômbia, Peru e Brasil aparecem no topo dessa lista.
Ao longo das últimas décadas, entidades não-governamentais, órgãos
públicos e criadores particulares têm trabalhado em parceria para
preservar a diversidade e a sobrevivência de muitas aves brasileiras.
O estudo global menciona que cinco delas conseguiram melhorar seu
status graças a esses esforços. São elas a choquinha-de-alagoas (Myrmotherula snowi), o mutum-de-alagoas (Pauxi mitu), o mutum-de-bico-vermelho (Crax blumenbachii), a arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari) e a ararinha-azul (Cyanopsitta spixii).
Ave símbolo da Caatinga, há mais de 20 anos a ararinha-azul não é
mais vista voando no bioma. Mas um programa de reintrodução da espécie,
que contou com criadores internacionais e muita polêmica, conseguiu
fazer com que 52 indivíduos, vindos da Alemanha, fossem levados para a Bahia em março deste ano.
Atualmente passando por um processo de adaptação com o clima e a
alimentação locais, há expectativa que eles sejam soltos em uma reserva
de proteção em Curaçá no ano que vem.
Extinto na natureza desde a década de 1980, o mutum-de-alagoas já
voltou a colorir áreas da Mata Atlântica. A história de sucesso começou
em 1979, quando o criador Pedro Nardelli resgatou cinco mutuns de uma
área prestes a ser desmatada. Nos anos seguintes, uma rede que contou
com a participação de especialistas e institutições de vários estados,
como o Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo e a Crax –
Sociedade de Pesquisa do Manejo e da Reprodução da Fauna Silvestre, em
Belo Horizonte (MG), conseguiu aumentar bastante o número de animais
existentes em cativeiro.
“Foram muito importantes os trabalhos genéticos realizados, que
tiveram foco no aconselhamento para os melhores acasalamentos, de modo a
preservar o máximo possível da variabilidade genética ao longo das
gerações e aumentar os níveis de heterozigose do plantel”, diz Mercival
Roberto Francisco, biólogo da Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar), uma das entidades envolvidas na reintrodução.
No ano passado, finalmente, após 40 anos, três casais de
mutuns-de-alagoas foram soltos na Reserva Particular do Patrimônio
Natural (RPPN) Mata do Cedro, no município de Rio Largo, próximo à
cidade de Maceió.
Entretanto, o trabalho de reintrodução ainda está longe do fim. “As
aves serão monitoradas, permanentemente, por rádio transmissor.
Precisamos acompanhar as principais informações sobre a biologia da
espécie e, também, evitar a caça e ou captura”, revela Roberto Azeredo,
da Crax.
Garantir a segurança da área de soltura é certamente um dos maiores
desafios no processo de reintrodução de qualquer animal. “A caça ainda é
uma prática muito comum em diversas partes do Brasil e no estado de
Alagoas isto não é diferente”, diz Francisco.
Se tudo der certo, o plano é introduzir mais três casais na natureza,
por ano, até 2024. “Devido ao fato de não haver mais áreas contínuas de
Mata Atlântica no Nordeste brasileiro, muito possivelmente deverão ser
formadas algumas populações em diferentes fragmentos de mata. Embora no
momento ainda seja difícil prever, acreditamos que um número de 30
casais reprodutivos por área seria um número seguro”, prevê o biólogo.
A Crax também é a responsável pelo trabalho feito em relação a outro mutum, o do bico-vermelho.
Essa lindíssima ave, com o corpo negro, a crista imponente, e o bico
chamativo, quase foi dizimada. Nos últimos 40 anos, a equipe de Azeredo
conseguiu reproduzir centenas de indivíduos em cativeiro. Cerca de 400
deles já voltaram à vida selvagem.
Imagem do banner: Mutum-de-bico-vermelho (Crax blumenbachii). Foto: Leonardo Merçon.