Conheça as empresas que pediram os novos pesticidas ‘extremamente tóxicos’
Contaminação de
funcionários, irregularidades na produção e doações para bancada
ruralista compõem histórico das multinacionais do mercado de
agrotóxicos; menos conhecidas, corporações nacionais também foram
beneficiadas pelas liberações do governo Bolsonaro
Por Julia Dolce
O recorde de novos pesticidas certificados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) em menor período, batido pelo governo Bolsonaro após aprovar 86 novos produtos em pouco menos de dois meses, é comemorado por um grupo seleto de empresas. Além de colecionarem pedidos de registros, as corporações por trás desses agrotóxicos e seus sócios — ambos negligenciados pela imprensa brasileira — têm em comum históricos de conflitos agrários, processos e denúncias de contaminação.
Quais são elas?
E o número de pedidos e aprovações só cresce: em 2005 foram apenas 91 registros deferidos; em 2018, esse número saltou para 450. A perspectiva é que o Brasil chegue neste ano à primeira centena somente nos primeiros meses do mandato de Bolsonaro. Em janeiro foram 131 solicitações divulgadas. No dia 4 de fevereiro, o Mapa teve 78 novas solicitações de registro de agrotóxicos. No dia 15, onze dias depois, foram feitos mais 31 pedidos.
O recorde de novos pesticidas certificados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) em menor período, batido pelo governo Bolsonaro após aprovar 86 novos produtos em pouco menos de dois meses, é comemorado por um grupo seleto de empresas. Além de colecionarem pedidos de registros, as corporações por trás desses agrotóxicos e seus sócios — ambos negligenciados pela imprensa brasileira — têm em comum históricos de conflitos agrários, processos e denúncias de contaminação.
Quais são elas?
Na lista das que mais tiveram novos produtos registrados
estão multinacionais e empresas brasileiras pouco conhecidas do público
em geral, como a israelo-chinesa Adama, sétima maior produtora de
químicos agrícolas do mundo (com faturamento anual no Brasil estimado em
US$ 600 milhões). Ela é a responsável pelo pedido de dois novos
produtos classificados como classe I ou extremamente tóxicos, o Voraz EC
e o Hexazinona Técnico Adama BR, além de dois produtos altamente
tóxicos e um medianamente tóxico. A empresa alemã Helm teve o pedido de
dois venenos classe I aceitos pelo Mapa.
Entre as campeãs em novas certificações desponta uma velha
conhecida: a Syngenta Proteção de Cultivos Ltda. A multinacional suíça,
cujo faturamento total, por ano, chega a US$ 10 bilhões, foi adquirida
em 2017 pela estatal chinesa ChemChina. No Brasil, é responsável pelo
pedido de dois produtos “extremamente tóxicos”: o Elatus Trio, indicado
para as culturas de milho e soja, e o Avicta 500 FS PRO, indicado para
as mesmas culturas, além dos plantios de algodão e cana-de-açúcar.
Esse último pesticida é produzido com o ingrediente ativo
abamectina, que já teve a legalidade de seu uso questionada pelo
Ministério Público Federal (MPF), em março de 2015, e pela 7ª Vara da
Justiça Federal do Distrito Federal, no ano passado, por causar danos à
saúde humana e ao ambiente.
A relação traz ainda empresas brasileiras como a Agroimport do Brasil
Ltda, pertencente ao Grupo Ferrarin, responsável por uma variação do
glifosato conhecida como Topatudo, outro pesticida extremamente tóxico
aprovado neste ano. Confira na outra reportagem da série: “Um dos agrotóxicos liberados em janeiro pelo governo Bolsonaro chama-se Topatudo“.E o número de pedidos e aprovações só cresce: em 2005 foram apenas 91 registros deferidos; em 2018, esse número saltou para 450. A perspectiva é que o Brasil chegue neste ano à primeira centena somente nos primeiros meses do mandato de Bolsonaro. Em janeiro foram 131 solicitações divulgadas. No dia 4 de fevereiro, o Mapa teve 78 novas solicitações de registro de agrotóxicos. No dia 15, onze dias depois, foram feitos mais 31 pedidos.
‘EXTREMAMENTE TÓXICOS COLOCAM EM RISCO OS TRABALHADORES’
No caso dos produtos classificados
pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como extremamente
tóxicos, 21 deles foram aprovados pelo atual governo em quatro atos
publicados no Diário Oficial da União (DOU) em janeiro e fevereiro. De
acordo com o procurador do trabalho Pedro Luiz Serafim, coordenador do
Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, a legislação
brasileira determina que os novos agrotóxicos registrados pelo Mapa
sejam cada vez menos perigosos:
– A Constituição diz que a lei deve procurar substitutivos cada vez menos tóxicos, o contrário do que está acontecendo. Os extremamente tóxicos colocam em risco os trabalhadores – nas etapas de fabricação, transporte, aplicação – e o meio ambiente. Não existe uso seguro, por isso queremos trabalhar para que cada vez mais as empresas sejam responsabilizadas, dando instrumentos ao Estado para proteger a saúde das pessoas.
– A Constituição diz que a lei deve procurar substitutivos cada vez menos tóxicos, o contrário do que está acontecendo. Os extremamente tóxicos colocam em risco os trabalhadores – nas etapas de fabricação, transporte, aplicação – e o meio ambiente. Não existe uso seguro, por isso queremos trabalhar para que cada vez mais as empresas sejam responsabilizadas, dando instrumentos ao Estado para proteger a saúde das pessoas.
A avaliação da categoria “extremamente tóxico” no Brasil é
baseada no perigo agudo que a substância representa, o que já indica uma
subnotificação dos riscos crônicos causado pelos químicos.
“Os piores venenos também estão nos menores frascos”,
afirma Luiz Cláudio Meirelles, pesquisador e professor em saúde pública
da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Ele ocupou por treze anos o cargo de
gerente geral de toxicologia da Anvisa. “Ou seja, é preciso uma dose
muito pequena para causar muito dano, é isso que norteia a
classificação”, explica. “Mas há também riscos crônicos de doenças
congênitas e outros danos diversos à saúde”. Meirelles foi exonerado em
2012 após denunciar um esquema de corrupção na agência.
A Organização Mundial da Saúde (OMS), segundo ele, vem
recomendando, há tempos, que os pesticidas altamente perigosos sejam
retirados do mercado: “Não é interessante para o país autorizar uma
série de substâncias que caiam nesse perfil, não é adequado do ponto de
vista do risco sanitário, o que impacta até mesmo em questões
econômicas”.
ASSASSINATO, CONTAMINAÇÃO DE CRIANÇAS E PERSEGUIÇÕES
A Syngenta foi condenada em dezembro pelo homicídio do sem-terra Valmir Mota de Oliveira e pela tentativa de assassinato da camponesa Isabel Nascimento de Souza. A decisão, confirmada em segunda instância pelo Tribunal de Justiça do Paraná, determinou que a empresa deveria indenizar as famílias das vítimas por danos morais e materiais. O assassinato ocorreu no município de Santa Tereza do Oeste, em um campo de experimentos com transgênicos. A área estava ocupada por 150 integrantes da Via Campesina, articulação de movimentos sociais do campo, que denunciava a suposta ilegalidade das pesquisas da transnacional. Os militantes foram atacados a tiros por cerca de quarenta agentes de uma empresa contratada, a NF Segurança.
Também no ano passado, a Syngenta foi condenada a indenizar
em R$ 150 mil os 92 alunos, professores e funcionários da Escola
Municipal Rural São José do Pontal, em Rio Verde (GO), atingidos em 2013
pela pulverização aérea do agrotóxico EngeoTM. Usando serviços da
Aerotex Aviação Agrícola, a empresa despejou o veneno em uma cultura de
milho localizada ao lado da escola municipal, que faz parte do Projeto
de Assentamento Pontal dos Buritis, em uma área da União, como explicou
De Olho nos Ruralistas em reportagem publicada na época.
A Syngenta já teve mais de 1 milhão de quilos e 150 mil
litros de agrotóxicos apreendidos pela Anvisa em 2009, no município de
Paulínia (SP), devido a uma série de irregularidades encontradas nos
produtos, como datas de fabricação e validade adulteradas. Em 2006, a
multinacional teve 143 hectares de terra, irregularmente utilizados para
testes com soja e milho transgênicos, desapropriados pelo governo do
Paraná. Em 2017, a Anvisa proibiu a comercialização de um dos principais
herbicidas da Syngenta, o paraquat, relacionado ao desenvolvimento de
câncer e Parkinson.
Em outros países a corporação foi considerada responsável
por irregularidades e contaminação. Seus pesticidas, proibidos, devido à
sua extrema toxicidade. Em maio, a Syngenta foi condenada a indenizar
produtores de milho nos EUA em US$ 1,5 bilhão, após vender uma semente
modificada para a China antes de o país asiático aprovar sua
regulamentação, o que gerou prejuízo aos produtores dos Estados Unidos. A
empresa se envolveu em polêmicas também no Reino Unido, após a
descoberta de que uma de suas fábricas na região exportava o agrotóxico
Gramoxone, cujo princípio ativo é o paraquat, proibido na ilha.
Um dos casos mais graves atribuídos à multinacional é a
perseguição ao cientista Tyrone Hayes, difamado pela Syngenta após um
estudo realizado a pedido da própria empresa, sobre o herbicida
atrazina. Nos anos 80, o pesquisador concluiu que o agrotóxico impedia o
desenvolvimento sexual dos sapos. A empresa tentou comprar os dados da
pesquisa para mantê-los em segredo. Sem sucesso, deu início a uma ampla
campanha para destruir a reputação profissional do cientista, como
relatou a revista New Yorker, em reportagem publicada em 2014.
À frente do Ministério da Agricultura, a ruralista Tereza
Cristina, apelidada de “musa do veneno”, possui ligações indiretas com a
Syngenta. Sua campanha ao cargo de deputada federal nas últimas
eleições teve como um de seus maiores financiadores o empresário Celso
Grieseang, um dos proprietários da Sementes Tropical, empresa que
comercializa fungicidas em parceria com a Syngenta, e doou R$ 37,5 mil à
candidatura da ministra.
COMPONENTE DO AGENTE LARANJA É PRODUZIDO NO SUL
De Olho Nos Ruralistas pesquisou o histórico das demais
empresas, brasileiras e multinacionais, por trás dos novos agrotóxicos
aprovados neste ano, na média de dois a cada três dias, que, em breve,
contaminarão a comida e o solo dos brasileiros.
Uma delas, a Adama, já entrou em conflito com camponeses. A
empresa teve sua fábrica ocupada pelo Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem-Terra (MST) em 2010. A ação foi parte da Jornada Nacional de
Lutas das Mulheres Camponesas da Via Campesina em defesa da soberania
alimentar, como forma de denúncia contra o modelo de agronegócio que
consideram prejudicial à vida das camponesas.
A multinacional é uma das maiores empresas de agroquímicos
do sul do país, produtora de princípios ativos de agrotóxicos para
sementes, incluindo o 2,4-D, que já foi proibido no Brasil por ser
cancerígeno. O ingrediente é um dos principais componentes do agente
laranja, arma química utilizada no Vietnã, responsável até hoje pelo
nascimento de crianças com malformações congênitas no país asiático.
Uma fusão da brasileira Milena Agrociências com o grupo
israelense Makhteshim Agan, posteriormente comprada pela ChemChina, a
Adama já foi multada pela adulteração de 2,5 milhões de litros de
agrotóxicos, em 2010, após uma fiscalização realizada nas fábricas
localizadas nos municípios de Londrina (PR) e Taquari (RS). O CEO da
Adama Brasil, Rodrigo de Souza Dias Gutierrez, é pecuarista e
administrador da empresa Lucas de Souza Dias Gutierrez, que controla uma
fazenda de criação de gado no município de Platina (SP).
A empresa está por trás da doação de dinheiro para
representantes da bancada ruralista no Congresso. Nas eleições de 2014, a
empresa doou R$ 75 mil para o PR, repassados à campanha do ex-deputado
federal Alex Canziani (PTB-PR), parlamentar que integrava a bancada. Em
uma entrevista
de 2012, o pesquisador Meirelles apontava Canziani como um dos maiores
lobistas da Câmara para a liberação de agrotóxicos, sendo o deputado que
mais pressionava técnicos da Anvisa para a aprovação de registros.
Nas mesmas eleições, a empresa doou R$ 60,2 mil para o PSD,
repassados para a campanha do falecido deputado federal Rômulo Gouveia
(PSD-PB), integrante da Comissão Especial sobre os pesticidas, destinada
a dar parecer ao Projeto de Lei (PL) que mudava a palavra utilizada
para descrever os produtos, de agrotóxicos para “defensivos
fitossanitários”.
NO CEARÁ, ANEMIA, DEPRESSÃO E SUICÍDIO
Na opinião do procurador Serafim, os parlamentares
ruralistas incorporam cada vez mais a linguagem dos fabricantes de
agrotóxicos:
– Eles vêm com o discurso de quem está ganhando mais
com a venda do produto, que é o fabricante. É importante que a sociedade
tenha a compreensão de que o agronegócio reproduz essa fala, mesmo
colocando em risco a saúde dos brasileiros e do meio ambiente e
atrapalhando até mesmo a subsistência da atividade deles. As
multinacionais dominam de várias formas, e a interferência na questão
política é uma das principais. Nós precisamos tomar medidas para
interromper isso.
A empresa australiana Nufarm, responsável pela produção do
“extremamente tóxico” Tamiz, doou R$ 35 mil, em 2014, para a campanha do
deputado federal Raimundo Matos (PSDB-CE), que já ocupou o cargo de
vice-presidente dessa Comissão Especial, agora responsável por analisar o
projeto apelidado como PL do Veneno, que propõe a flexibilização da
regulamentação de agrotóxicos no Brasil. Em seu sexto mandato, o
ruralista foi acusado, no ano passado, de receber R$ 100 mil em propinas
da JBS, segundo delação de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de
abastecimento da empresa, como também reportou o observatório.
Em 2007, a Nufarm comprou a brasileira Agripec Química e
Farmacêutica S.A, adquirindo seu portfólio de agrotóxicos. A empresa
pertencia à família de Jorge Alberto Vieira Studart Gomes, conhecido
como Beto Studart, que concorreu ao cargo de vice-governador do Ceará em
2006. Na época, ele possuía terras utilizadas como haras e declarou
possuir um total de R$ 449 milhões em bens.
A Nufarm foi acusada de contaminar o ambiente e intoxicar
pessoas no município de Maracanaú, sede de uma de suas das fábricas. Em
2006, o Ministério Público do estado solicitou um estudo à Universidade
Federal do Ceará para avaliar o nível de poluição emitido pela empresa,
após moradores denunciarem um cheiro “insuportável” vindo do prédio da
indústria, que produzia o inseticida Strom, cujo princípio ativo é o
químico metamidofós. Uma agente de saúde registrou aumento no casos de
anemia, depressão, suicídio e malformações congênitas entre os moradores
da região.
O relatório do estudo, entregue em 2009, foi produzido em
cooperação científica com a Fundação Jorge Duprat Figueiredo, de
Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro-MG) e trazia como solução
efetiva para a eliminação do risco a suspensão da produção do
inseticida. Também em 2006, a empresa foi apontada como responsável pelo
descarte de material tóxico na estrada da Cascalheira, em Camaçari
(BA), e denunciada ao MP estadual. Três anos depois, a Agripec foi
condenada na 1ª Vara Civil de Resende (RJ) a pagar um salário mínimo a
cada pescador do Rio Paraíba do Sul, impedidos de exercer suas
atividades profissionais em consequência de vazamento de produtos
tóxicos por parte da empresa.
A Sipcam Nichino Brasil S.A. é formada por 50% do capital
Sipcam, empresa do Grupo Sipcam-Oxon, atuante no mercado agroquímico
brasileiro desde 1979, e por 50% do capital da Nihon Nohyaku Co. Ltd,
tradicional companhia japonesa. Fabricante dos produtos classe I
Difenoconazole Técnico SUP e Difenoconazole Técnico SNB, ela teve o
parecer técnico de um consultor – contratado pela própria empresa, na
época pertencente à italiana Isagro – adotado pelo Mapa. O documento
argumentava contra o banimento do agrotóxico cihexatina, utilizado na
citricultura.
A adoção do parecer de uma iniciativa privada gerou
polêmica, mesmo com uma recomendação da Anvisa para que o produto não
fosse mais utilizado por fazer mal à saúde de consumidores e lavradores.
Dois anos depois, em 2010, a Anvisa apreendeu 50 mil litros irregulares
da fábrica da empresa em Uberaba (MG), encontrando problemas que iam
desde a adulteração nos prazos de validade até a falta de controle de
qualidade dos produtos.
Outras multinacionais responsáveis pelos registros de
agrotóxicos categorizados como classe I são relativamente pouco
conhecidas. Entre elas está a Arysta Lifescience do Brasil, dos Estados
Unidos, recentemente vendida para a indiana Platform Specialty Products,
que conseguiu a aprovação dos agrotóxicos Agile e Metomil Técnico
Volcano. A alemã Helm do Brasil Mercantil teve os produtos
Difenoconazole JS Técnico Helm e Diquat ZF Técnico Helg aprovados no
segundo ato sobre agrotóxicos registrados pelo Mapa, no dia 17 de
janeiro.
A Rotam do Brasil, com sede em Hong Kong, é autora do
pedido do pesticida Abamectin, aprovado no terceiro ato, publicado no
dia 4 de fevereiro. Finalmente, a chinesa Rainbow Defensivos Agrícolas,
com sede brasileira em Porto Alegre, produz do classe I Sonyaguard XTRA.
EMPRESA TEVE PRODUTO BANIDO DO RIO GRANDE DO SUL
Não apenas as multinacionais do ramo dos agrotóxicos têm
seu currículo manchado. A brasileira BRA Agroquímica (BRA Defensivos
Agrícolas), com sede em Piracicaba (SP) e filial em Redenção (PA), é
produtora dos “extremamente tóxicos” Zardo e Clorotalonil Técnico. Ela
tem, entre seu corpo de sócios, empresários envolvidos com a política
institucional e com empresas que atuam em áreas opostas à da produção
dos agrotóxicos.
É o caso do sócio Milton Alexandre Teixeiras Vargas, que,
nos anos 2000, foi um dos donos de uma empresa já fechada de consultoria
ambiental, a Bioagri Consultoria Ambiental. Ou de Jorge Luiz Alberici,
do MDB de Londrina (PR) e sócio de uma consultoria de registro de
produtos, a AG Brasil Consultoria e Registro de Produtos. O sócio Álvaro
Augusto Teixeira Vargas é presidente do Museu de Ciência e Tecnologia
de Piracicaba.
A América Latina Tecnologia Agrícola Ltda (Alta), que
conseguiu a certificação de uma variação do 2,4-D, apesar de brasileira,
tem imbróglios a nível internacional. A empresa faz parte do grupo
Agrihold Management Corp, offshore baseada em Bahamas denunciada como
uma das offshores mapeadas no escândalo do Panamá Papers. O
representante legal da Agrihold Investments Ltd no país, Ernesto Eugênio
Bellotto, trabalhou em outras distribuidoras de agrotóxicos, como Sinon
e a Sipcam, além das multinacionais Monsanto, Dow e Dupont.
Em maio, a empresa teve a comercialização de um produto, o
herbicida Paraquate Alta 200 SL, banido do Rio Grande do Sul por decisão
do Supremo Tribunal Federal (STF). Na época, a ministra Cármen Lúcia
considerou comprovada a ameaça de grave risco à saúde e ao ambiente. Com
isso ela suspendia os efeitos de liminar concedida à empresa pelo
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que permitia a comercialização
do agrotóxico.
O início da controvérsia ocorreu após a Fundação Estadual
de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler negar o cadastramento do
produto, que já havia obtido registro junto ao Ministério da
Agricultura. A empresa, então, impetrou um mandado de segurança,
alegando o direito de vender o agrotóxico no estado gaúcho.
A BRASILEIRA NORTOX E O ENVENENAMENTO DE INDÍGENAS
A Nortox S.A é outra companhia brasileira que compila
irregularidades. Seu produto “altamente tóxico” 2,4-D Técnico Nortox CH,
de origem chinesa, foi aprovado na última leva de certificações do
Ministério da Agricultura, publicada no Diário Oficial da União em 18 de
fevereiro. A empresa já registrou neste ano dois outros produtos
medianamente tóxicos e um altamente tóxico.
Em Arapongas (PR), a fábrica da Nortox recebeu a
fiscalização após o superaquecimento de um reator provocar o lançamento
de gases que causaram mau cheiro no município paranaense. O resultado da
fiscalização, realizada pela Anvisa, foi a interdição de 370 mil litros
de agrotóxicos após a identificação de alterações de componentes que os
tornavam diferentes dos registros autorizados pelo governo.
A contaminação humana faz parte do histórico da empresa brasileira. Ela foi citada no relatório da ONG Repórter Brasil sobre
envenenamento de indígenas no Mato Grosso do Sul. As principais vítimas
foram crianças da Terra Indígena Guaiviry. “Quando eles passam veneno
nas lavouras, geralmente o Nortox, as pessoas passam muito mal”,
afirmou Cirso Jorge, liderança local.
“Principalmente as crianças. Pega
em todo mundo, dá umas fístulas cheias de pus, depois a pele da gente
fica toda marcada”.
A empresa entrou em conflito com o MST em 2006, quando
aproximadamente cem integrantes do movimento interromperam o tráfego na
BR-369 para protestar contra a doação da Nortox à campanha do deputado
federal Abelardo Lupion (PFL-PR, hoje DEM). Foram R$ 50 mil doados em
1998, segundo o movimento campesino, “com o objetivo de flexibilizar a
utilização de agrotóxicos no Brasil”. Os manifestantes protestaram nas
proximidades da Fazenda Santa Rita, propriedade do político em Santo
Antônio da Platina (PR).
A empresa foi autuada em 2 de fevereiro de 2009 e 29 de
junho de 2010 por produzir o pesticida Endossulfan Técnico Nortox de
forma diferente da autorizada pela Anvisa. Considerado de risco Classe
I, o agrotóxico teve seu uso associado a problemas reprodutivos e
endócrinos identificados em trabalhadores rurais. No fim do ano passado,
a Nortox teve uma de suas unidades fechadas em Rondonópolis (MT), por
não apresentar o Estudo e Relatório de Impacto Ambiental.
A empresa foi vencedora do Prêmio Chico Mendes de
Responsabilidade Socioambiental por três anos consecutivos (2014, 2015 e
2016), por seu projeto socioambiental Olho D’água, que tem como
objetivo recuperar minas e nascentes.
Outra brasileira responsável pelos pedidos de químicos
registrados pelo governo Bolsonaro é a Companhia das Cooperativas
Agrícolas do Brasil (CCAB Agro S.A), associada ao grupo francês InVivo
Agrosciences desde 2016 e ao grupo Louis Dreyfus, para comercialização,
desde 2011. A empresa movimenta 90 bilhões de euros por ano, congrega
mais de duzentas cooperativas e registrou o extremamente tóxico
Difenoconazol Técnico CCAB, além de dois outros produtos considerados
medianamente tóxicos.
A gaúcha Cropchem conseguiu o registro de seus produtos
Kasan Max 750 WG e Taura 200 EC. Nos últimos dois anos, a empresa
triplicou seu portfólio de agrotóxicos. Seu CEO, José Luis Harlacher de
Leão, possui duas empresas de comércio de pesticidas, a Green Power, e a
Crystal Agro, ambas em Porto Alegre.
NOVOS PEDIDOS AGUARDAM NA FILA DA AGENDA DA MINISTRA
Além dos pedidos já deferidos, a entrada de Tereza Cristina e sua sinalização positiva aos agrotóxicos está incentivando empresas a entrar com novos registros. Nas solicitações deste ano, os nomes das empresas destacadas nesta reportagem se repetem algumas vezes. A Adama entrou com pedido de vinte novos produtos; a Nortox, sete; a BRA Defensivos Agrícolas, quatro.
Embora o mercado dos agrotóxicos se restrinja a um número pequeno de multinacionais, o crescimento dessas empresas brasileiras no ramo preocupa o toxicologista Meirelles. “Temos cerca de 60% do mercado controlado por cerca de seis grandes empresas, é um mercado muito concentrado”, analisa.
“Quanto mais empresas tivermos produzindo substâncias extremamente tóxicas, mais difícil será para os órgãos reguladores revisar a liberação desses produtos no futuro, porque haverá uma gama forte de empresas confrontando o governo”. Segundo ele, a última lista de revisão feita no país foi em 2008, “e a ciência avançou muito desde então”.
O dado explica ainda o alto número de companhias pedindo o registro de cópias do mesmo veneno ou ingredientes ativos. Segundo o Ministério da Agricultura, todos os ingredientes que compõem os produtos já eram comercializados no Brasil, mas agora terão sua aplicação em novas culturas ou serão formulados em diferentes composições e combinações químicas.
Uma instrução normativa lançada no ano passado (nº 40 da Secretaria de Defesa Agropecuária) garantiu plenos poderes aos engenheiros agrônomos para determinarem, com liberdade, misturas de diferentes agrotóxicos para a produção de novas receitas. Independentemente do desconhecimento de seus efeitos e riscos.
Para o procurador Pedro Serafim, o alto número de registros representa um movimento de recuperação do mercado internacional, a partir da flexibilização do registro de agrotóxicos no Brasil:
– A legislação externa tem sido cada vez mais restrita, principalmente na União Europeia. O setor do agronegócio diz ao governo que os pedidos de registro são aprimoramentos de tecnologia, mas são cópias de princípios ativos banidos em outros países. Então é uma questão de mercado, para colocar o Brasil como celeiro, ou cemitério, dos agrotóxicos. (Colaborou Bruno Stankevicius Bassi)