[
EcoDebate]
1,1 bilhão de litros de água tratada é perdido por dia pela empresa
mista (público-privada) que produz e distribui o líquido no Estado do
Rio de Janeiro. A CEDAE reconhece a perda física de 30,39% do total de
água produzida. (1) A ETA , Estação de Tratamento de Água Guandu tem uma
vazão de 43 m3 por segundo, atende 12 municípios da região
metropolitana, cerca de 9 milhões de pessoas. É a maior estação do
mundo, basta ver a propaganda, que produz 3,7 bilhões de litros por dia e
perde 1/3 disso! Pois é, com essa quantidade poderiam beneficiar 3
milhões de pessoas!
A CEDAE, Prolagos, Águas de Niterói, Águas de Paraíba, entre outras,
além da agência do governo do Estado do Rio (Agência Reguladora de
Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro – AGENERSA)
confirmam que a perda física dessa proporção, mas avisam que é mais o
menos a média nacional também. Esse percentual perdido é inerente aos
sistemas de transporte, aos reservatórios e aos sistemas de distribuição
de água tratada operados por diversas concessionárias.
O Sistema
Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) define esse percentual
como índice IN 049 de perdas na distribuição, não incluindo a perda no
faturamento de produto. A CEDAE cria um pouco de confusão quando informa
que na perda também estão incluídas conexões “tipo gato” em alguns
bairros, não unicamente nas favelas, as derivadas de submedição, de
problemas que estão no campo da gestão comercial e não na perda física
propriamente dita.
A água tratada desperdiçada pode ser explicada pela falta de
manutenção das redes de adutoras, tanto principais como secundárias.
Muitas dessas tubulações não possuem históricos de construção,
especificações técnicas ou mapa de localização, por isso, na maioria das
vezes, os reparos ou trocas completas acontecem quando são reportados
acidentes, pequenas rupturas derivadas do “cansaço”, da fadiga dos
materiais. Esse mesmo problema acontece com estações elevatórias e
reservatórios.
O governo do Estado do Rio de Janeiro anunciou que pretende resolver a
futura demanda de água, em 2030, mas adverte que só conseguiria reduzir
a 25% de perda projetada. Isso significa naturalizar a perda e não
busca reduzir a deficiência na distribuição, fica como problema
secundário dentro do planejamento estratégico. Por outro lado, não
priorizar como urgência a diminuição da perda física de água tratada é
negligenciar os problemas derivados da conhecida Crise Hídrica que a
região sudeste sofre.
Como é sabido, o déficit de água, o volume morto
de muitos sistemas como o do rio Paraíba do Sul, no Rio de Janeiro, ou
Cantareira, em São Paulo, não é unicamente de caráter meteorológico
(falta de chuvas), mas também pela falta de conservação florestal nas
bacias e nascedouros e pelo desperdiço derivado de redes de
infraestruturas, em obsolescência ou falta de manutenção.
Por contraste, o governo joga mais responsabilidade no usuário final.
São eles os que vão ser objeto de campanhas de poupança ou mudança de
hábitos de consumo, usando o sofisma de que é essa a saída. Todos os
interessados afirmam e preveem metas de consumo, estímulos para mudanças
de hábito, campanhas de conscientização e, até, algumas campanhas de
reflorestamento. Mas planejamento para se conseguir “zero” de desperdiço
nas perdas físicas de água tratada é o menos discutido.
A perda de água tratada no patamar mundial é sinônimo de ineficiência
na produção e gestão empresarial. Para a Organização Panamericana de
Saúde OPS no relatório 2015, só Japão é referência mundial, registra
desperdício entre 3 e 5%, Canada é um bom exemplo com 10% de perda.
No
mesmo documento a Bolívia apresenta 26%! No relatório da CPI a media
mundial de desperdiço é de 35%. (2) A CEDAE e as empresas nacionais
mantém este mesmo tipo de déficits ou de ineficiências operacionais
devido a que no final das contas são assumidas pela parceria pública ou
pelas administrações públicas municipais. Porque as diferencias de
valores e déficits seriam resolvidos com fundos públicos específicos,
endividamento interno ou externo ou com aumento nas tarifas pagas pelos
usuários finais.
Que logica é essa de 35% de perda física de água na media mundial?
Água é um recurso natural que está presente no planeta em forma
abundante, mas o negocio das empresas capitalistas não esta na produção e
satisfação universal uso, na cobertura do subministro domiciliar. Nem
na qualidade física e química ou na manutenção dos biomas para garantir
reservas suficientes. O lucro na distribuição é o eixo na maioria das
empresas privadas no mundo.
A produção de água nas estações de tratamento levada depois pelas
adutoras até ser estocada em reservatórios seguem a lógica de que o
desperdício existente é apenas perda operacional. Uma espécie de risco
inevitável na operação. O planejamento esta centrado em melhorar as
redes de abastecimento existentes em áreas onde setores sociais possam
pagar pela água que consumem, pelas conexões domiciliares, pelos
hidrômetros, etc. A expectativa dessas empresas é que a frequência de
manutenção nas redes de adutoras seja a menor possível.
Levar água potável para bairros sem calçamento completo, sem redes de
esgoto, sem redes de águas pluviais é destinar recursos orçamentários
operacionais com expectativa de remuneração em longo prazo por tanto é
menos atraente do ponto de visto do lucro rápido.
A grande critica das campanhas publicitárias e das autoridades é
contra as redes domiciliares do tipo “gato” de usuários individuais o de
bandas de criminosos, como as milícias na zona oeste do Rio. A perda de
água nesses casos é comercial, isto é, quando o volume a distribuir não
é devidamente computado nas unidades de consumo, não é cobrado ou é
pago por baixo do preço que garante a remuneração que a empresa espera.
A perda comercial é tão importante que objetivamente obriga o
planejamento do governo dos estados, no caso de São Paulo e Rio de
Janeiro que procuram mais caudal de águas para responder as demandas
futuras e só enxerga retirar mais vazão do rio Paraíba do Sul. A perda
comercial os obriga projetar interconexões de adutoras matrizes na
baixada fluminense ou como no caso do lado leste da baia Guanabara
projetam a construção de uma barragem na zona entre Magé e Cachoeiras de
Macau, no rio Guapiaçu.
Nos cenários de planejamento, dessa região metropolitana até 2030, as
perdas operacionais (de água tratada) diminuiriam 5%. Mas não existe
detalhe de que tipo de ações seriam necessárias para conseguir reduzir a
perda física. Existem projetos de construir ampliações da ETA Guandu
retirando mais vazão do rio Guandu, inclusive projetos de Estações de
Tratamento de Esgoto ETE como parte da produção de água de reuso cujo
valor comercial é crescente e é explorado insuficientemente. Com o
interesse centrado em distribuição são feitas rápidas avaliações
ambientais para aprovar e aumentar vazão necessária para as indústrias
de Itaguaí, em particular para a TKCSA.
Nesses mesmos cenários de planejamento o estratégico não é a
prevenção pelo assoreamento e salinização no trecho final do rio Guandu
na zona industrial de Itaguaí.
Também não é a reposição programada,
reabilitação ou simples manutenção de 100% das redes de adutoras para
evitar rupturas (perceptíveis ou não) e menos ainda é a preservação ou
reflorestamento de bacias e nascedouros do sistema hídrico da região
metropolitana. Em plena Crise Hídrica o problema para este tipo de
empresários é encontrar a vazão, distribuir e cobrar o consumo.
Lucro na produção de agua e sustentabilidade do negócio
Onde de ter preocupações ecológicas os empresários do negocio de água
precisam que seja sustentável a produção e venda da mercadoria.
Os
governadores Cabral e Pezão tem feito discursos comuns sobre a
necessidade de suprir a liquido para garantir a venda num horizonte de
tempo até 2030. A barragem do rio Guapiaçu (entre Magé e Cachoeiras de
Macacu), alternativa preferida por eles, é a mais lesiva ao ambiente dos
pequenos produtores rurais, umas 3.000 mil famílias atingidas. Elas
seguramente seriam deslocadas afetando seu modus vivendi e sua cultura.
Muitos deles deixariam de ser socialmente camponeses, punidos com o
desarraigo social. Tudo coberto com o sofisma de que deve primar o
interesse da sociedade sob o individual.
Na zona leste da baía Guanabara existe grande demanda de consumo, uma
é gerada pelo COMPERJ (ainda hoje restrito à unidade produtora de gás
natural UPGN) e outro é derivado do crescimento demográfico da área
conurbada entre Itaboraí, São Gonçalo e Niterói. O plano original do
COMPERJ indicava que teria uma ETA e uma ETE própria e só compraria água
de reuso da ETE Alegria no município do Rio e dessa forma as demandas
para o processo petroquímico estariam resolvidas. Hoje a realidade é
outra, a refinaria se encontra semi-paralisada mais demanda existe. É
bom informar que a ETE Alegria possível provedora de água de reuso não
produz o necessário que demandaria o complexo por que não tem uma rede
de coleta de esgotos suficiente no lado oeste da baía Guanabara.
(3) A
construção do complexo petroleiro derivou numa crescente migração de
trabalhadores em procura de emprego, também um ascendente processo de
especulação imobiliária motivada pelo próprio empreendimento da
Petrobras. Essa situação esta estagnada, mas a expansão territorial
urbana já é fato, a precariedade nas condições dos bairros é mais
evidente hoje que antes. Redes de distribuição de água tratada estão
incompletas na maior parte dos bairros pobres, as redes onde a
especulação imobiliária já consolidou seus prédios estão sobrecarregadas
as redes antigas por maiores demandas de água e maiores descargas de
efluentes futuros.
A especulação imobiliária já induz crescimento da rede de
abastecimento, o interesse das empreiteiras nas obras da barragem do rio
Guapiaçu já movimentaram seus lobistas para que o governo estadual
destine medidas jurídicas para desapropriar as famílias camponesas.
De
novo o problema são as obras de infraestrutura e não o planejamento
racional de aproveitamento de águas cruas, de reaproveitamento dos
esgotos da área já conturbada décadas atrás, menos ainda a preservação
dos mananciais ou a reposição para as bacias hídricas.
A propaganda de participação cidadã no planejamento é apenas escutar,
fazer perguntas e fazer denúncias ou sugestões nas apresentações dos
técnicos do município ou participação em audiências publicas nas Câmaras
municipais. Mas em nenhum caso essa participação delibera sobre os
rumos da existência de quem participa. Quem define ou delibera são as
empreiteiras no jogo das grandes concessões de outorgas, de exploração
de águas e de obras de grande porte.
“O custo da obra da barragem grande está subdimensionado e está sendo
omitido pelo governo da sociedade já que por sua dimensão custará no
mínimo R$ 1 bilhão. Além disso, a população fluminense terá que arcar
com mais R$ 1 bilhão a ser pago pela desapropriação de 4 fazendas
(Fazendas da Editora Vecchi) cujo processo tramita desde os anos 60 no
INCRA. No entanto, este pagamento é ilegal já que as terras a serem
desapropriadas são da União Federal e foram destinadas para fins de
reforma agrária pelo ex-Presidente Jango. Mesmo assim, ao arrepio da lei
o ex-governador Sérgio Cabral desapropriou ilegalmente esta área para
viabilizar a construção da mega-barragem.” (4)
O sistema Inhaúma/Laranjal coleta águas para a ETA do mesmo que hoje
serve para a conurbação Niterói, são Gonçalo e Itaboraí, ela é
insuficiente para o futuro. Mas segundo profissionais independentes e
comunidades organizadas esse sistema poderia funcionar em forma
complementaria com barragens já construídas de pequeno porte e outras
pequenas por construir que não teriam o mesmo impacto ambiental negativo
para os atingidos. (5) O problema é que seriam obras de manutenção,
remodelação que não apresentam a mesma remuneração esperada que fazer
obras novas para os empreiteiros.
Problemas semelhantes existem na região próxima, no litoral existe
uma conurbação litorânea estendida desde Marica, passando por Saquarema,
Araruama até Cabo Frio. Outra região entre Rio das Ostras e Macaé com
grandes pressões de crescimento demográfico e no extremo norte do Estado
Campos de Goytacazes, é a cidade mais populosa da região e tem no
futuro a única expectativa de suprir sua demanda pelas aguas do rio
Paraíba do sul antes de entra no mar.
Organizações de ambientalistas e estudos técnicos (6) propõem outras
possibilidades de preservação das bacias existes sem novas barragens e
reposição nas zonas de influencia do reservatório de Juturnaíba como
alternativa para estocar água para a região litorânea.
Denunciam que o
maior deposito de água doce estadual a Lagoa Feia, também uma das mais
importantes lagoas no país, entre Macaé e Campo de Goitacazes, está
ameaçada por que os agropecuaristas avançam sobre suas margens
diminuindo o espelho de água e expandindo suas propriedades, o crescente
numero de canais drenam água para os esses produtores.
A lógica dos empreiteiros
A política histórica regional é determinada pelos governos do PMDB e
seus aliados desde 2003, com Rocinha Garotinho, Sergio Cabral, Luiz
Fernando Pezão e Francisco Dornelles até agora.
A primazia é de planos e
projetos que gerem obras novas de infraestrutura, concessões e outorgas
pelo uso e lucro do recurso água. Sucessivos governos municipais no
leste da baia Guanabara, na região dos lagos, em Macaé – Rio das Ostras e
no final da bacia do rio Paraíba do sul em Campos de Goytacazes ensaiam
a privatização de parte da produção e distribuição de água potável
desde alguns anos atrás. Prolagos e Águas do Brasil são os grupos que
conformam consórcios em diferentes municípios do estado, detrás deles
estão conhecidas empreiteiras, quase as mesmas que licitaram e
construíram as infraestruturas.
As concessões (leia-se privatização) de poços artesianos para
produtores agroindustriais de cana no norte fluminense se confundem com
os poços construídos pelos empresários e moradores da baixada fluminense
na região metropolitana do Rio de Janeiro para o serviço comercial ou
domiciliário. As concessões que se preparam para a CEDAE têm o mesmo
caráter e lógica, privatizar os segmentos de mercado de distribuição
para setores sociais que podem pagar. Para os setores sociais mais
pobres a alternativa aberta é cada um que se vire como consiga, uma
forma de individualizar a questão, outra forma de privatização.
A CEDAE seria privatizada porque sua receita operacional é
insuficiente, mas dados da mesma são contraditórios: os habitantes da
cidade do Rio de janeiro pagam 77% dessa receita, para que privatizar se
arrecada esse percentual?
Teve lucro líquido de R$188 milhões em 2011,
R$262 milhões em 2012, R$ 291,5 milhões em 2013, de R$ 460 milhões em
2014, e em 2015 R$ 248; esses números não são desprezíveis na linha
histórica. Em 2015 quando o lucro desceu a empresa “garantiu recursos e
iniciou um de seus maiores programas de aumento de oferta de água que
inclui adutoras, reservatórios, rede de distribuição e uma nova Estação
de Tratamento.
Trata-se do programa de aumento de oferta de água para a
Baixada Fluminense, com investimentos na ordem de 3,4 bilhões de reais.”
A empresa informa que aumentou a cobertura de redes para distribuição,
aumentou o parque de hidrômetros regularizou as ligações clandestinas
por exemplo. A empresa representa o 2% do PBI do país em 2015. (6)
Em resumo essa empresa tem todas as características para que a
composição acionária privada aumente, para que seja mais vendível e
consigam afirmar que é uma parceria público – privada PPP onde o
controle acionário é claro do poder público.
Como o secretário do
Programa de Parcerias e Investimentos PPI, Moreira Franco (PMDB)
ex-governador do Rio ratifica “a distribuição de água tratada é segmento
a ser privatizado”.
… e 30,39% de desperdiço de água tratada? Esse não é assunto
lucrativo para os empreiteiros. A privatização de parte da CEDAE não vai
resolver o problema de subministro universal de água potável.
6 de setembro de 2016
Notas
(1) Relatório final. Comissão parlamentar de inquérito para apurar as
responsabilidades dos entes públicos e privados perante a crise hídrica
que afeta o estado do rio de janeiro e, em especial, sua região
metropolitana, com registro de perdas físicas de água tratada superior a
30% (trinta por cento), bem como a questão da influência no sistema de
captação de “transposição do rio paraíba do sul” a ser efetuado pelo
governo do Estado de São Paulo que subtrairá, no mínimo, 5 m3/seg da
vazão do referido rio. 14 de outubro de 2015. Deputado EDSON
ALBERTASSI-Relator. E pode ser complementado na pagina visitada 26 agt
2016 https://www.cedae.com.br/estacoes_tratamento
(2) International Benchmarking Network for Water and Sanitation
Utilities – IBNET na Relatório final. Comissão parlamentar de inquérito
(3) http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/08/mpf-apura-improbidade-na-despoluicao-da-baia-de-guanabara.html
(4) http://blogfernandoleite.blogspot.com.br/2014/04/nota-imprensa.html
(5) Relatório sobre a proposta de construção da Barragem no Rio
Guapiaçu – Cachoeiras de Macacu, Rio de Janeiro. ASSOCIAÇÃO DOS
GEÓGRAFOS BRASILEIROS – AGB SEÇÃO LOCAL RIO DE JANEIRO – NITERÓI GRUPO
DE TRABALHO EM ASSUNTOS AGRÁRIOS – GT AGRÁRIA. Rio de Janeiro 2014.
(6) https://www.cedae.com.br/balancos
Omar Blanco é Arquiteto com Doutorado em Urbanismo da Secretaria
de Saúde, Meio Ambiente, Segurança e Novas Tecnologias do Sindipetro RJ
e-mail omar.sindipetro@gmail.com
in
EcoDebate, 16/09/2016
[CC BY-NC-SA 3.0][ O conteúdo da EcoDebate pode ser copiado,
reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à
Ecodebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]