BRASÍLIA - A refinaria de Pasadena, pela qual a Petrobras pagou mais
de US$ 1,2 bilhão, apresentava em 2008 — quando teve início a disputa
judicial entre a estatal e a companhia belga Astra Oil — sérios
problemas de segurança, que causaram acidentes e prejuízos de quase US$
100 milhões, como consta em documento interno obtido pelo GLOBO. Parte
dos problemas já eram conhecidos pela empresa brasileira em 2005, quando
as negociações para a aquisição da refinaria tiveram início.
Antes
da compra da refinaria, entre os dias 29 e 31 de março de 2005, uma
equipe de oito técnicos da Petrobras visitou as instalações de Pasadena
para conhecer o ativo que fora oferecido pela Astra como sociedade.
Durante a visita, eles estiveram em contato com o CEO da refinaria,
Alberto Feilhaber, que tinha sido funcionário da Petrobras entre 1976 e
1995. A equipe técnica identificou uma série de deficiências nas
instalações, como “vários equipamentos com corrosão externa, pintura
deficiente, presença de detritos e material de sucata deixado sobre o
piso, pouca sinalização de segurança e identificação de equipamentos”.
Por outro lado, foram vistos poucos vazamentos de vapor e
hidrocarbonetos na área industrial.
Feilhaber,
no entanto, que chegou a exercer cargos de supervisor e chefe de setor
na Petrobras, deu boas informações à empresa brasileira sobre Pasadena.
Antes de a Petrobras decidir pela compra, os técnicos escreveram, em
auditoria, que “segundo o CEO (Feilhaber), em termos de mecânica a
refinaria está ‘pretty good’ (muito boa), faltando, entretanto, mais
instrumentação e controle.”
De acordo com os técnicos, um dos
focos da gestão naquele momento era exatamente “aumentar a
confiabilidade da planta”. O relatório aponta que, segundo informação
dada por um funcionário que estava há 25 anos na empresa, “nesse período
só tiveram uma fatalidade”. Se a informação era verdadeira, a Petrobras
acabou atraindo toda sorte de problemas depois.
Quando os sócios
entraram em conflito, em 2007, a Astra Oil praticamente abandonou a
administração de Pasadena — o que, de acordo com relatos feitos à
diretoria executiva da Petrobras, contribuiu para o estado de
deterioração dos equipamentos da refinaria.
Uma apresentação feita
em setembro de 2008 aos diretores da Petrobras, à qual O GLOBO teve
acesso, dizia: “Vários incidentes aconteceram nos últimos meses,
provocando paradas de emergência, acidentes pessoais e prejuízos”. Os
diretores da Petrobras mostravam-se preocupados com a situação porque,
para eles, se os problemas viessem à tona poderiam provocar a “exposição
da imagem da Petrobras em caso de inspeção da Osha (Occupational Safety
and Health Administration) ou de acidente com repercussão externa”.
A
Osha é uma espécie de secretaria de administração de Saúde e Segurança
do Trabalho, vinculada ao Departamento (Ministério) do Trabalho dos
Estados Unidos.
O documento aponta que mais de 50 acidentes com
pessoal já tinham ocorrido até setembro de 2008 (apesar de não ser
explícito, o texto dá a ideia de que todos os fatos ocorreram naquele
mesmo ano), com oito queimaduras com ácido e três acidentes com tempo
perdido. A situação era tão grave, diz o texto, que até mesmo “exposição
radioativa” já tinha sido reportada durante a manutenção da unidade de
coque.
Tudo isso provocou algumas paralisações da refinaria:
houve, segundo o informe, uma parada completa em fevereiro de 2008, após
a explosão de uma subestação; outra parada parcial em agosto de 2008,
por conta de um curto-circuito em painel eletrônico; e duas paradas não
programadas, com mais de 60 dias perdidos — tudo escrito no informe.
Todas
essas paralisações na produção causaram prejuízos. O documento aponta
que, por conta de todos esses problemas, “oportunidades de negócios
foram perdidas da ordem de US$ 68 milhões”, e houve “gasto de US$ 30
milhões com paradas não programadas”.
O informe também destaca
que, com a disputa mais acirrada entre os dois sócios, a Astra
praticamente teria abandonado sua atuação na administração de Pasadena.
De acordo com o texto, foi identificado um “aumento no risco humano:
ambiente de trabalho ruim e se deteriorando rapidamente. Astra cada vez
mais ausente na gestão da refinaria”.
Além disso, a diretoria da
Petrobras foi informada de que estava havendo perda de pessoas-chave
para o dia a dia da refinaria, além da saída de técnicos qualificados.
Sobre
a preocupação da Petrobras com uma possível inspeção da Osha e sua
repercussão negativa para a imagem da empresa, o informe dá a entender
que a entidade americana já havia apresentado anteriormente um relatório
no qual apontava a “não conformidade” com algumas irregularidades. Para
os diretores da Petrobras, a Astra não estava se importando muito com o
assunto, porque, segundo o documento, a belga apresentava apenas
sugestões de ações de baixa eficácia.
Outros documentos internos
da Petrobras mostram que, para a refinaria de Pasadena continuar a
funcionar, em qualquer cenário, seriam necessários investimentos de US$
275 milhões em meio ambiente, segurança e paradas programadas, dinheiro
que seria gasto de 2009 a 2013. Somente modificações no sistema de
esgoto, por exemplo, demandavam US$ 5 milhões. Os documentos apontam,
inclusive, a necessidade de remoção de pessoal de áreas de risco, a um
custo de US$ 12 milhões.
Outras auditorias no controle de estoques
da refinaria, obtidas pelo GLOBO, revelam mais falhas graves. O sistema
prevê que o cadastramento de todos os negócios realizados pelas
empresas da Petrobras deve ocorrer em até 48 horas. Mas, em Pasadena,
foi encontrado um atraso de 281 dias nesse cadastramento.
O
consultor legislativo da Câmara dos Deputados para Petróleo e Gás Paulo
César Ribeiro Lima afirmou que o prejuízo e a quantidade de acidentes
registrados em Pasadena são altos. Ele destacou que é normal enfrentar
problemas ao comprar uma refinaria antiga como Pasadena — que, na
definição do consultor, era uma sucata.
— Esse prejuízo é alto,
mas, quando você compra uma sucata, tem que estar disposto a investir. A
Petrobras deve ter feito os investimentos. E um dos motivos para fazer
os investimentos deve ter sido esses acidentes, essas paradas
programadas. Uma coisa é você ter uma refinaria nova, ter um problema na
unidade e ter que parar. Isso não é uma coisa que você espera. Mas,
numa sucata daquela, é mais do que provável que, se você quiser
operá-la, vai ter problemas — afirmou Lima.
Segundo ele, a exposição radioativa às vezes ocorre em refinarias no Brasil.
—
Essa questão de exposição radioativa às vezes ocorre aqui também,
porque você faz uma solda no equipamento, e você vai ter que fazer uma
inspeção. Aí você usa raio gama, por exemplo. Você tem que cercar uma
área, e ninguém pode entrar. E, às vezes, alguém passa na área. Aquilo
realmente é um negócio complicado — disse o consultor.
A Petrobras
afirma que a refinaria de Pasadena opera normalmente e, assim, está
obedecendo às “condições estabelecidas pelas autoridades locais quanto
aos aspectos de saúde, meio ambiente e segurança”. Segundo a estatal,
desde janeiro de 2013 não há acidentes com afastamento de trabalhadores.
“A
Petrobras aguarda as conclusões dos trabalhos de sua comissão interna
para melhor esclarecer outras questões levantadas”, informou a empresa,
por meio da assessoria de imprensa. (
Colaborou André de Souza)