| 14 Abril 2014
Uns
cento e tantos anos atrás, os intelectuais russos mais ligados à Igreja
Ortodoxa alardeavam a plenos pulmões que no século XX a Rússia iria
encabeçar uma grande revolução espiritual destinada a salvar o mundo da
corrupção ocidental católico-protestante-judaico-ateística. O que veio
foi a Revolução de 1917 e a maior perseguição anticristã de todos os
tempos.
A
Revolução, por sua vez, prometia um paraíso de paz, liberdade e
prosperidade. O que veio foi a transformação da Rússia e de vários
países em torno em matadouros humanos como ninguém tinha visto antes nem
poderia jamais ter imaginado.
A
pergunta decisiva da qual duguinistas e putinistas se evadem como
baratas assustadas é a seguinte: Por duas vezes a Rússia já prometeu
salvar o mundo e só conseguiu torná-lo mais parecido com o inferno.
Vamos dar-lhe um novo crédito de confiança para que ela o faça uma
terceira vez?
***
Mais um exemplo de quanto valem as promessas russas.
Uma
das primeiras decisões de Leon Trotski como ministro das Relações
Exteriores da Rússia Soviética, em 1917, foi divulgar o conteúdo de
vários tratados secretos altamente comprometedores assinados entre as
potências combatentes e iniciar uma campanha mundial pela abolição de
todo segredo diplomático.
Nesse
empenho ele recebeu o apoio entusiástico do então presidente dos EUA,
Woodrow Wilson, que consagrou a idéia num dos seus famosos “Quatorze
Pontos”.
O
que Wilson não podia prever, mas Trotski não podia ignorar, é que a
república soviética nascida sob a bandeira da transparência já planejava e iria em breve transformar-se num tipo novo de Estado, até então desconhecido: o Estado integralmente baseado no segredo,
o Estado moldado e dirigido pela polícia secreta. A URSS elevou até às
alturas de grande arte a técnica de ocultar por completo o
funcionamento da sua máquina estatal, ao mesmo tempo que vasculhava e
exibia o das nações ocidentais com toda a estridência e o fulgor do
escândalo.
***
Ciência
é confrontação de hipóteses à luz dos fatos, mas essa comparação é
impossível se você não confronta também fatos com fatos, pesando-os com
equanimidade. Essa idéia jamais ocorreu
à maioria dos historiadores do "regime militar" e está praticamente
proibida na mídia nacional.
A norma geral é tomar partido de uma
hipótese e somar os fatos que a confirmam, sem tentar jamais impugná-la
com outros que a contradizem. A simples tentação de comparar já é
repelida in limine como
pecado mortal. A norma geral é, quando aparece um fato adverso,
inventar logo uma hipótese qualquer que pareça neutralizá-lo, e então
apegar-se à hipótese em lugar do fato.
Digo
isso porque, tendo absorvido intensamente a narrativa esquerdista e
acreditado nela com a fé de um devoto entre os meus dezessete e 35 anos,
só muito tarde me ocorreu examinar os fatos adversos, e então descobri
que praticamente nenhum livro que os mostrasse tinha sido jamais lido ou
consultado pelos historiadores bem-pensantes.
A imensidão da literatura
internacional sobre a KGB, por exemplo, estava totalmente ausente do
mercado brasileiro, e mais ainda das bibliografias universitárias. A
história da Guerra Fria, vista desde o Brasil, tinha e tem um só
personagem: a CIA. O antagonista, a KGB, é só um mito distante.
Foi
sobretudo essa experiência que, contra a minha vontade, e entre
espasmos de revolta contra a maldita realidade reacionária, foi minando a
minha confiança na esquerda, até reduzi-la, hoje em dia, a zero. Todo
intelectual de esquerda que repita essa experiência deixará de ser de
esquerda e perderá seu círculo de amigos, talvez até seu emprego, motivo
pelo qual cada um foge dela como um rato foge de um gato.
***
Por duas vezes, na semana passada, o sr. José Serra, em entrevistas à Folha e
à TV Bandeirantes, reiterou sua crença, genuína ou fingida, em dois dos
seus mais queridos mitos de juventude, que ele comunga aliás com toda a
esquerda falante deste país: (1) Em 1964 não havia nenhum perigo de
tomada do poder pelos comunistas, era tudo uma fantasia direitista. (2) A
CIA estava ativíssima nos bastidores da política nacional, tramando e
financiando o golpe de Estado com milhões de dólares.
Não
o condeno por isso. Se até os historiadores de profissão consagraram
essas balelas como dogmas inquestionáveis, por que haveria eu de exigir
maior responsabilidade intelectual de um mero político, membro de uma
classe cuja ocupação consiste unicamente, como todo mundo sabe, em dar
boa impressão?
Se
o sr. Serra fosse algo que se assemelhasse ainda que longinquamente a
um historiador ou mesmo a um intelectual de qualquer tipo, eu lhe faria
duas perguntas:
1.
Como pode ele continuar negando o óbvio depois que documentos oficiais
do governo soviético vieram a comprovar uma verdadeira invasão de
agentes da KGB em todos os escalões do poder no Brasil da época? (Os
dados, os nomes, os planos e as instruções estão no vídeo https://www.youtube.com/watch?v=Dbt1rIg8FbI, e logo vem mais.)
2.
Como pode ele ter tanta certeza da presença atuante e decisiva da CIA,
se todos os historiadores de esquerda somados, escarafunchando tudo
durante cinqüenta anos com uma suspicácia anti-americana mórbida e uma
irrefreável sêde de escândalos, não conseguiram até hoje descobrir o
nome de nenhum, absolutamente nenhum agente da CIA que estivesse comprovadamente lotado no Brasil na época?