Recentemente, o governo federal propôs a redução de mais de 1 milhão de
hectares da área de unidades de conservação (UCs), que inclui áreas do
Pará, na Amazônia, e de outras regiões do Brasil.
A mudança, que já foi aprovada por uma comissão mista de deputados e
senadores, acontece por meio de uma ferramenta ágil e destinada apenas a
assuntos urgentes: as medidas provisórias. No último dia 16 de maio, a
MP 756 foi aprovada pela Câmara dos Deputados, que autoriza a mudança de
categoria de parques nacionais e de florestas nacionais e os transforma
em áreas de preservação ambiental (APAs), cujas restrições para
exploração são menores.
A proposta atinge uma região que sofre com o desmatamento há anos.
Apesar da redução do índice histórico de desmatamentos na Amazônia, em
2016 ainda foram registrados 8 mil km² pelo Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (INPE) – área equivalente a quase uma vez e meia o
Distrito Federal, que tem 5,7 mil km². As consequências dessas ações não
afetam somente quem vive perto das florestas, mas abrange todo o País,
de Norte a Sul, sem contar o impacto causado na fauna, na flora e nos
serviços ambientais daquelas áreas reduzidas pela proposta.
Confira dez fatos e impactos que a redução de florestas causa para o meio ambiente e para a população:
1. A falta ou excesso de chuva no Brasil é influenciada pela Amazônia
É na Amazônia que são formados os rios aéreos ou voadores, que são
massas de ar carregadas de vapor d’água. A floresta amazônica atrai a
umidade evaporada pelo oceano e cria correntes de ar que transportam
essa umidade em direção ao Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil. De
acordo com o biólogo e diretor da Permian Brasil, Fábio Olmos, existem
diversos estudos que mostram que a segurança hídrica nacional depende da
Amazônia. “Tanto os centros urbanos como o campo, a região mais povoada
do País ou a mais remota, dependem dos serviços ambientais fornecidos
pela floresta e outros ecossistemas naturais. Isso sem nem mencionar a
questão das emissões de gases de efeito estufa associadas ao
desmatamento, que intensificam a mudança global do clima”, afirma ele,
que também é membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza.
2. Conservação da natureza não está na lista da maioria dos governantes
Parece ser uma triste verdade. As recentes mudanças anunciadas pelo
governo brasileiro demonstram que as regras atendem aos interesses de
poucos e não a vontade de muitos. No Pará, os limites do Parque Nacional
do Rio Novo, Parque Nacional do Jamanxim e da Área de Proteção
Ambiental do Tapajós correm sérios riscos de serem alterados. Essas
últimas mudanças aconteceram por meio das Medidas Provisórias 756
(aprovada pela Câmara dos Deputados na terça, 16 de maio) e 758, que,
além do Pará, também propõe alteração na área do Parque Nacional de São
Joaquim, em Santa Catarina.
3. Não estamos reduzindo o desmatamento
Por cerca de 10 anos, até a celebração do Acordo de Paris na Conferência
de dezembro de 2015 (COP21), a redução de desmatamentos na Amazônia era
destaque global ano após ano: a taxa anual foi reduzida em 83% e
oscilou entre 5 a 6 mil km²/ano até 2015. Em 2016, no entanto, os
desmatamentos medidos pelo sistema PRODES do INPE registraram quase 8
mil km² na região. Entre as causas, pode-se apontar tanto as reduções
orçamentárias dos órgãos ambientais reguladores, como mudanças do Código
Florestal Brasileiro, em 2012, que anistiaram desmatamentos ilegais do
passado, encorajando o descumprimento da lei.
4. O Brasil é um país que não cumpre acordos internacionais
O Acordo de Paris foi assinado em 2015 por dezenas de países que se
comprometeram a parar e reduzir o aquecimento global e suas
consequências. O ideal é que as nações signatárias promovam mudanças
para que o aumento não supere 1,5°C. O Brasil foi protagonista nas
negociações que concretizaram o pacto e se comprometeu a reduzir em 37%
as emissões de gases de efeito estufa até 2025, 43% até 2030 em relação
às emissões de 2005, e zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030.
Ou seja, até lá, o Brasil está dizendo que continuará tendo
desmatamento ilegal na Amazônia; e, quanto aos demais Biomas, o
compromisso brasileiro não traz metas específicas. De acordo com o
climatologista Carlos Nobre, membro da Academia Brasileira de Ciências e
da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza, com as constantes
reduções de áreas protegidas e o aumento do desmatamento, dificilmente
chegaremos à meta de desmatamento zero, que já era desafiadora. “A
relação entre o desmatamento, a floresta e o clima é real e nos afeta
diariamente. Não podemos perder o trem da história, pois o custo será o
futuro de nossa e das próximas gerações”, analisa Nobre.
5. O clima do planeta está esquentando
A temperatura média do planeta está aumentando e isso é perigoso! Dados
divulgados pela Nasa, agência espacial americana, e pela Organização
Meteorológica Mundial (OMM), em janeiro deste ano, confirmam que a
temperatura do planeta bateu recordes pelo terceiro ano consecutivo. Em
2016, o planeta estava 0,99 grau Celsius mais quente que a média do
século XX. Há grande consenso científico de que a maior parte do
aquecimento observado nos últimos 60 anos é devido ao aumento da
concentração de gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2),
decorrente da emissão de combustíveis fósseis, do desmatamento, entre
outros. Quanto menos áreas naturais tivermos, pior ficará a situação.
6. Quando uma floresta é derrubada, as outras regiões também são afetadas
Além do impacto no regime de chuvas, as florestas também atuam como
reguladores do clima, proteção de rios e das espécies que vivem nelas,
entre muitos outros fatores. O recente surto de febre amarela que
alarmou o Brasil é consequência do desmatamento da Mata Atlântica, por
exemplo.
7. Pecuária é uma das atividades mais poluentes
A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO)
lançou o relatório Estado das Florestas do Mundo 2016 e concluiu que, no
Brasil, mais de 80% do desmatamento está ligado à conversão de terras
em terrenos de pasto. Além disso, o relatório analítico do SEEG (Sistema
de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa) do Observatório
do Clima mostra que as emissões diretas e indiretas do agronegócio
representam dois terços das emissões brasileiras de gases de efeito
estufa.
8. Medidas provisórias deveriam ser usadas com mais cautela
Na hora de mudar ou propor normas, o governo tem três caminhos
possíveis: as medidas provisórias (MPs), os decretos e os projetos de
lei. Os decretos podem ser feitos apenas pelo presidente, governadores e
prefeitos para determinadas leis. Os projetos de lei são a maneira mais
tradicional e “certa” de se propor uma mudança, mas também são mais
lentas e burocráticas.
É aí que surgem as MPs, que devem ser usadas
apenas em casos relevantes e urgentes e quem define isso é o presidente
da República. Uma medida precisa ser aprovada em no máximo 120 dias e
tem força de lei imediata. Usar uma MP para alterar a área de uma
unidade de conservação, por exemplo, é uma distorção grave da lei, de
acordo com o advogado especializado em causas ambientais, Marcelo
Dantas, que é membro da Rede de Especialistas em Conservação da
Natureza. “Se as alterações sugeridas na Amazônia são urgentes a ponto
de pedir uma medida provisória, certamente elas atendem a interesses
específicos e que divergem da opinião da população. Essa manobra foi
feita para driblar a burocracia e reduzir a resistência na aprovação”,
explica.
9. Florestas e áreas de preservação podem gerar emprego e renda
Acreditar que desmatamento e danos ambientais estão ligados ao
desenvolvimento é um pensamento, no mínimo, atrasado. Carlos Eduardo
Young, economista e membro da Rede de Especialistas em Conservação da
Natureza, defende o conceito de economia verde: uma prática que estimula
atividades associadas à preservação ambiental, uso eficiente de
recursos e inclusão social. “As atividades ‘verdes’ tendem a ser mais
intensivas em mão de obra e em produtos manufaturados com maior conteúdo
de inovação”, explica.
10. O desmatamento das áreas naturais induz a mais violência no campo
Há no Brasil uma tradição de que, se for estabelecido um uso produtivo
da terra, é possível ter direito à sua posse. Nesse ponto de vista, a
taxa de desmatamento tende a aumentar e dar a oportunidade para que
grileiros reclamem para si o direito à posse; e o resultado: violência.
De acordo com o artigo “Direitos de Propriedade, Desmatamento e
Violência: Problemas para o Desenvolvimento da Amazônia”, publicado em
2014, nos municípios onde há mais desmatamento, a taxa de homicídios
também é maior.
Para o pesquisador Carlos Eduardo Young, que é membro da
Rede de Especialistas e um dos autores do artigo, “há inúmeros estudos
que apontam como o processo de desmatamento é acompanhado por atos de
violência, que vão do conflito entre posseiros e grileiros, até a
expulsão dos antigos moradores da floresta. Casos, ainda, que podem
resultar em homicídio”, explica.
*Carlos Nobre, Carlos Eduardo Young, Fábio Olmos e Marcelo Dantas fazem
parte da Rede de Especialistas de Conservação da Natureza, uma reunião
de profissionais, de referência nacional e internacional, que atuam em
áreas relacionadas à proteção da biodiversidade e assuntos correlatos,
com o objetivo de estimular a divulgação de posicionamentos em defesa da
conservação da natureza brasileira. A Rede foi constituída em 2014, por
iniciativa da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.
Fonte: EcoDebate