Por
Amelia Gonzalez
12/10/2018
12h20 Atualizado há 4 dias
Barcos no
lago Poopo, na Bolívia, região afetada pelas mudanças climáticas — Foto:
Reuters/David Mercado
Um relatório
do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em
inglês) não é apenas um conjunto de dados frios que vêm sendo
publicados periodicamente para alertar o mundo sobre os efeitos do aquecimento
global. Mais do que isso, a publicação deste estudo, feito por cientistas que
trabalham voluntariamente, consegue inaugurar uma espécie de onda de reflexões
a respeito do clima, o que é sempre muito bem-vindo. Instituições e pessoas
físicas que ainda resistem a conectar o plano de desenvolvimento sob o qual
estamos imersos aos eventos extremos que têm causado mortes e danos materiais,
sempre que o IPCC lança seu relatório, começam a coçar a cabeça e a perceber
que algo precisa ser feito, de verdade.
Começamos a semana com o lançamento
do último relatório do IPCCque, infelizmente, aqui no Brasil, teve uma
repercussão abaixo do que eu esperava. Entende-se: estamos imersos em outras
reflexões, vivendo um clima eleitoral que já tem esquentado as discussões.
Mas, mundo afora, os estudos dos cientistas foram parar, por
exemplo, na mesa de reunião da União Nacional dos Agricultores da Grã-Bretanha.
Responsável por pelo menos 20% das emissões de carbono, segundo a FAO
(Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), a
agricultura agora percebe que ela também pode ser impactada. As safras deste
ano no Reino Unido foram severamente atingidas pelo frio mais severo e a pior
seca do verão desde 1976.
Assim sendo, e diante da situação iminente de que os
consumidores passem a diminuir o uso da carne vermelha (vou falar mais abaixo
sobre isto), a ideia dos agricultores é de se organizarem para lançar mão de
tecnologias que possibilitem a redução da pegada de carbono da agricultura.
Criariam uma espécie de "vaca diet". Mais parece aquele aluno que não
fez os deveres nem estudou o ano todo e, no dia anterior à prova, corre para
tentar recuperar tudo em 24 horas.
Bem, mas segundo o "The Guardian", entre as
possíveis correções tecnológicas mencionadas pelos agricultores, estão os
maiores usos de satélites e robótica para aumentar a quantidade de matéria
orgânica absorvente de carbono no solo e, assim, ajudar a criar novos rebanhos
que emitem menos metano.
É incrível imaginar isso mas, sim, há vacas cujos gases que
emitem são menos perigosos do que outras. Se as vacas que – desculpem o termo,
leitores, mas não me resta outro – soltam puns menos letais forem criadas umas
com as outras, acreditam os agricultores, o problema estaria resolvido.
Pesquisadores de outros países também estão ajudando, segundo ainda a
reportagem do jornal britânico. Eles estariam criando uma ração diferente para
dar menos gases no gado.
De novo: tais iniciativas podem ser consideradas por
ambientalistas mais radicais como "mudar para continuar tudo do jeito que
está". O problema é maior do que os metanos produzidos pelas vacas, e é só
dedicar um tempo maior na leitura do relatório para se perceber isto.
O vice-presidente na União dos Agricultores, Guy Smith, está
se adiantando ao Relatório do Uso da Terra que vai ser lançado no ano que vem
pelo IPCC, e que poderá trazer notícias mais preocupantes para os cidadãos
comuns e para o setor que ele ajuda a organizar. Mas não, ele não quer saber de
reduzir terras produtivas na Grã-Bretanha e usa, para isso, o exemplo do Brasil
e da Argentina, "onde as safras e a carne bovina são produzidas em
condições bem mais destrutivas do ponto de vista ambiental, o que leva a uma
pegada de carbono muito maior".
Desta forma, deixou de focar no tema principal do relatório
do IPCC deste ano, que imprime uma urgência em mudanças radicais na produção e
no consumo.
Pensando, de fato, em propor mudanças, outra equipe de
pesquisadores se dedicou a estudar o consumo da carne pelos cidadãos comuns e
divulgou o resultado de seu relatório na revista "Nature". Sob o animador título:
"Opções para manter o sistema alimentar dentro dos limites do meio
ambiente", mais de 20 estudiosos se debruçaram sobre dados e concluíram,
de cara, que o consumo de carne bovina precisa cair 90% e ser substituído por mais
grãos e leguminosas.
"Alimentar uma população mundial de 10 bilhões de
pessoas é possível, mas apenas se mudarmos a maneira como comemos e a maneira
como produzimos alimentos". As opções são duas, segundo disse o professor
Johan Rockström, do Instituto Potsdam para Pesquisa sobre o Impacto Climático
na Alemanha, que fez parte da equipe de pesquisa, à reportagem do "The
Guardian": "Esverdear o setor de alimentos ou comer o nosso
planeta."
Rockström ficou verdadeiramente impactado com o resultado
dos estudos dos quais participou e que apontam para uma necessidade de que as
pessoas – aquelas que estão foram dos 860 milhões de famintos do mundo, é
preciso dizer – mudem completamente suas dietas básicas. Saem carnes e ovos,
entram outros produtos que causam menos impacto ao meio ambiente. E ele também
acredita que soluções tecnológicas mágicas (como imagina Guy, da agricultura do
Reino Unido) não vão resolver o problema.
Já que nosso país foi citado, sinto-me à vontade para
sugerir que entrem
em contato com o Atlas do Agronegócio feito por estudiosos de duas
Fundações internacionais (a Heinrich Boll e a Rosa Luxemburgo) e lançado aqui
no Brasil há um mês. Além de terem levantando sérias questões sobre o uso
abusivo e pouco respeitoso das terras para plantar alimentos, eles também
levantam alternativas bem viáveis, longe da necessidade de se empregar mais
dinheiro em máquinas, que podem ajudar na questão.
De quebra, levaram Bela Gil para o debate no dia do
lançamento do Atlas. E a chef de cozinha, como sabemos nós, que acompanhamos
sua produção em livros e na televisão, sabe indicar alternativas bem viáveis
para o uso da carne no dia a dia. Vai dar mais trabalho, porque sair do hábito
exige sempre mais energia. Mas também há de ser mais saudável e prazeroso.
Mundo afora há outras pessoas dedicadas a tornar menos impactante nosso ato de
comer.
Como eu disse no início deste texto, os relatórios do IPCC
são sempre bem-vindos porque provocam uma boa tsunami de debates e reflexões.
Pena que o Brasil está em dias de se dedicar a outros pensamentos. Mas não
seria demais sonhar com a possibilidade de que este tema, tão crucial para a
sobrevivência da humanidade no planeta, estivesse à frente. Que se cobrasse dos
candidatos a ocupar a cadeira de presidente nos próximos quatro anos um plano
vigoroso para encabeçarmos – eu disse que era sonho – uma mudança radical em
hábitos de produção e consumo que pudesse vir a ser exemplo mundial, seguido
por várias nações.