Floresta Amazônica: Depredação gera desequilíbrio ambiental e afeta a rica biodiversidade
A maior biodiversidade do mundo espalhada em cerca de sete milhões de
quilômetros quadrados – essa é a Floresta Amazônica, que está presente
no Brasil, Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname
e Guiana Francesa. No país, a área é chamada de Amazônia Legal, com
5.217.423 km², e abrange os Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará,
Rondônia, Roraima e pequena parte dos Estados do Maranhão, Tocantins e
Mato Grosso. “A Amazônia é de longe o bioma mais diverso do planeta, com
10% de toda a flora. Para se ter uma ideia, enquanto a Amazônia possui
5.000 espécies de árvores, a América do Norte inteira possui apenas
650”, compara Magno Botelho Castelo Branco, doutor em Ecologia e
Recursos Naturais e presidente da organização Iniciativa Verde.
“Com toda essa diversidade de climas, solos, relevos e ambientes
distintos, conectados geograficamente ou não, a Amazônia é considerada a
maior floresta tropical e maior banco genético do planeta, com mais de
1,5 milhões de espécies vegetais catalogadas, além de três mil espécies
de peixes e 950 espécies de aves, e uma rica diversidade de répteis,
anfíbios, mamíferos e insetos, muitos deles ainda nem catalogados pelos
cientistas”, complementa Adriana Maria Imperador, doutora em Ciências da
Engenharia Ambiental e professora da Universidade Federal de Alfenas
(Unifal).
Há ainda muitos “tesouros” guardados na Floresta Amazônica. “É
importante ressaltar que, devido a sua extensão, parte de sua biota
(conjunto de seres vivos de um ecossistema) ainda não foi identificada, o
que aumenta ainda mais sua importância para a biodiversidade mundial”,
diz Branco. De acordo com Adriana, muitas destas espécies podem trazer
benefícios imensuráveis ao homem, como a cura de doenças, servir como
fonte de alimento, para a produção de remédios e cosméticos, além trazer
benefícios ecológicos e ambientais.
A Amazônia, segundo a pesquisadora, também apresenta grande
diversidade étnica com comunidades tradicionais indígenas, ribeirinhas e
de seringueiros, que vivem dos produtos extraídos da floresta e são
possuidoras de conhecimento empírico hoje muito valorizado e resgatado
por estudiosos do mundo todo.
Desmatamento
Mas por que uma área tão rica em recursos naturais não recebe a
proteção adequada e tem o desmatamento como sua maior ameaça? Conforme
dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em 2011, a
taxa de desmatamento da Amazônia Legal foi de 6.238 km². Já o acumulado
de 1988 a 2011 chegou a 392.021 km². “O desmatamento realizado para a
agropecuária ainda é a maior ameaça à floresta primária da Amazônia.
Isto se deve principalmente ao tamanho das áreas desmatadas para a
formação de pastagens e produção de grãos. Intervenções de minerações e
de hidrelétricas são mais drásticas, porém a escala é sempre bem menor
do que da agropecuária”, explica Niro Higuchi, pesquisador do Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
Para o pesquisador, a exploração seletiva de madeira também
representa uma importante ameaça à integridade da Amazônia. “Há uma
lógica perversa que indica que os Estados da Amazônia que mais produzem
madeira são também os que mais a desmatam”, ressalta.
Branco, por outro lado, acredita que atribuir à criação de gado o
papel de grande vilã do desmatamento é injusto. “Outros vetores são
também importantes. A pecuária se expande para as áreas de floresta por
ser literalmente empurrada para essas áreas, visto que é uma das
atividades que menos remunera a terra.
Quando ocorreu a expansão da
cultura da cana-de-açúcar no Sudeste para a produção de etanol, por
exemplo, tivemos um deslocamento da pecuária e de outras culturas para
as áreas de terra com menor custo de oportunidade, o que inclui a
Amazônia”, esclarece. O desmatamento é uma consequência de várias forças
que resultam na ocupação sem planejamento da floresta. “A construção de
estradas de rodagem é uma delas, pois as rodovias fomentam o
desmatamento ao longo de seus eixos, o que ocorreria em intensidade
muito menor se construíssemos ferrovias”, defende.
Já Adriana destaca as origens históricas do desmatamento: “a Amazônia
ficou esquecida durante mais de quatro séculos e as populações que
habitavam este ambiente permaneceram praticamente isoladas. Durante o
governo de Getúlio Vargas (1930-1945), a ocupação foi estimulada por um
programa de avanço das fronteiras”, aponta. Somente na década de 1970,
expõe ela, a ocupação se deu de forma mais efetiva com a política de
“integrar para não entregar”. “Desde então, muitos brasileiros migraram
para o norte do país com a intenção de ganhos imediatos à custa da
derrubada da floresta. Esta ocupação desordenada repercutiu no
desmatamento com vistas à urbanização, à criação de gado e às práticas
agrícolas”, destaca.
Impactos
O desmatamento reduz a biodiversidade, causa erosão dos solos,
degrada áreas de bacias hidrográficas, libera gás carbônico para a
atmosfera, reduz a umidade do ar, causa desequilíbrio social, econômico e
ambiental. “A redução da umidade na Amazônia pode reduzir as chuvas na
região centro-sul brasileira e até mesmo de outros países. Em 2005,
quando a região amazônica sofreu com uma das maiores secas já
registradas, o impacto atingiu áreas distantes e acarretou a perda de
diversas culturas agrícolas no sul do Brasil e norte Argentina, com um
prejuízo incalculável e perdas irreversíveis”, exemplifica Adriana.
Além das questões climáticas, o desmatamento causa também muitos
prejuízos para a biodiversidade. “Com a perda de habitat, as espécies
desaparecem, e com elas se perdem os serviços ambientais que nos
prestam: metade da farmacopeia conhecida tem origem em extratos naturais
e em substâncias presentes em diversos seres vivos. Compostos
medicinais de origem natural são descobertos regularmente e, como parte
da biodiversidade amazônica ainda é desconhecida, estamos perdendo esse
patrimônio mesmo antes de conhecê-lo”, lamenta Branco.
Para Higuchi, as emissões causadas pelo desmatamento são irracionais.
“Eu diria que o desmatamento na Amazônia contribui com 2/3 das emissões
brasileiras. É difícil aceitar estas emissões como racionais porque a
Amazônia contribui com menos de 8% na formação do produto interno (ou
doméstico) bruto do Brasil”. Branco explica que a Floresta Amazônica se
comporta como um enorme reservatório de carbono atmosférico: “Durante o
seu crescimento, as árvores removem enormes quantidades de CO2 da
atmosfera – metade da biomassa das árvores é constituída de carbono. Com
o desmatamento, todo esse carbono é reemitido para a atmosfera, o que
contribui ainda mais para o aumento do efeito estufa”, realça.
Como combater
Para coibir o desmatamento, de acordo com o pesquisador do Inpa, é
necessário simplesmente cumprir as legislações vigentes. Ele acredita
que as ações tomadas até agora não têm sido suficientes por falta de
gente para impor as leis. Branco concorda: “As ações tomadas pelo poder
público são vitais, mas não bastam. A grande iniciativa do governo
consiste nas metas adotadas pela Política Nacional de Mudança do Clima,
que prevê a redução do desmatamento para cerca de 20% dos níveis
observados no período 1996-2005”, sinaliza. Para ele, é importante que a
sociedade exija garantia de origem nos produtos que consome, por
exemplo questionando as redes de supermercados se a carne que vendem é
oriunda de área de desmatamento ilegal.
Adriana cita medidas adotadas no Acre em que a prática do manejo
florestal é uma alternativa ao padrão de exploração dos recursos
naturais na região. “Minha pesquisa de doutorado pela Universidade de
São Paulo (USP), em parceria com a Embrapa, abordou aspectos da
Certificação Florestal Comunitária para Produtos Florestais não
Madeireiros e apontou que é possível desenvolver e ao mesmo tempo
cumprir critérios que indiquem uma postura sustentável que seja
ecologicamente correta e viável, e socialmente justa”. Ela destaca
também a criação de unidades de conservação de uso sustentável,
determinada pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC,
2000), que estimula o uso sustentável da floresta.
Créditos de carbono
Segundo Branco, ações de preservação na Floresta Amazônica podem
gerar créditos de carbono. “Já existem alguns projetos demonstrativos em
andamento. Em uma escala maior, há diversas propostas de como as
empresas e mesmo unidades federativas podem cumprir metas de redução de
emissões de carbono em parte financiando projetos que contribuam para a
redução do desmatamento na região. Todas essas iniciativas estão em fase
preliminar e, em um futuro próximo, teremos boas notícias sobre o
assunto”, acredita.
Adriana pontua que a existência da floresta não confere ao Brasil
hoje o direito de utilizar este grande mérito como crédito de carbono.
“Porém, seria uma estratégia interessante do governo investir na
inclusão de suas áreas florestais nessa proposta, pois serviria como
incentivo à manutenção da Floresta Amazônica e demais áreas florestais
contidas em seu território.”
Entretanto, Higuchi lembra que, quando o crédito de carbono surgiu
como mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL), em 1997, no Protocolo de
Quioto, houve grande expectativa para a proteção das florestas tropicais
por meio, principalmente, da recuperação das áreas desmatadas. “No
entanto, de 1997 até os dias atuais não há nenhum MDL-florestal aprovado
na Amazônia. O crédito de carbono funcionou como ‘ouro de tolo’ naquela
região”, lamenta.
Em relação à nova alternativa para proteger as florestas conhecidas
como Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (Redd,
em inglês), Higuchi defende que são necessários projetos consistentes.
“O fracasso do MDL-florestal pode ser atribuído à falta de bons
projetos. O mesmo pode ocorrer com o Redd se não houver bons projetos,
porque esse mercado é muito exigente. Isso significa a utilização de
métodos confiáveis, replicáveis e auditáveis”, finaliza.
Floresta Amazônica não é o pulmão do mundo
O mito de que a Floresta Amazônica é o pulmão do mundo surgiu
associado ao mecanismo de fotossíntese e respiração das árvores, que têm
capacidade de absorver o dióxido de carbono (CO2) e liberar o oxigênio
(O2). Já o pulmão, ao contrário, absorve o oxigênio durante a inspiração
e libera o dióxido de carbono durante a expiração. “Para enterrar de
vez este mito, temos que pensar em escala também: na atmosfera há 21% de
oxigênio e 0,04% de dióxido de carbono. Por mais que a Floresta
Amazônica tivesse uma troca gasosa favorável com a atmosfera, a
quantidade seria insignificante”, detalha Niro Higuchi, do Inpa.
“A grande maioria do oxigênio presente na atmosfera é produzida por
algas nos oceanos, de modo que a contribuição das florestas em geral
para a produção líquida desse elemento é pequena. Mas a Amazônia tem um
papel importantíssimo para o clima global, que é a estocagem de enormes
quantidades de carbono atmosférico”, acrescenta Magno Branco, da
Iniciativa Verde.
Matéria de Patricia Piacentini, no
pré-Univesp – Número 19 – Florestas, publicada pelo
EcoDebate, 20/08/2012
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