Beatriz Diniz: “Precisamos saber mais e usar melhor os
recursos das redes sociais para espalhar nossas causas”
19 de julho de 2022 Maura Campanili
Com atuação dedicada às pautas ambientais,
a comunicadora Beatriz Diniz passou a militar ativamente no
Twitter para que organizações voltadas às causas de direitos humanos e
ambientais usassem melhor essa plataforma.
Para tanto, articulou e organizou um treinamento oferecido
pela própria plataforma para esse grupo, criou uma newsletter e
dá consultoria sobre o tema. Em alguns casos, entra em contato com a pessoa ou
a organização para dar alguma dica que considera imprescindível.
Em tempos de acirramento nas redes sociais, Beatriz conta,
aqui no blog Mulheres Ativistas, do Conexão Planeta,
sobre sua trajetória e motivações, além de ajudar a pensar em como
podemos fazer melhor uso de seus recursos.
“Precisamos saber mais e usar melhor os recursos para
espalhar nossas causas. As plataformas de mídias sociais são espaços de disputa
de narrativas e a extrema direita ganha da gente”, destacou.
“A primeira coisa que deveríamos fazer é agir em
rede nas plataformas: nos compartilhar, validar e comentar aliados, mesmo
que não estejamos com tempo de ler tudo ou concordemos totalmente. Essa é a
forma como dizemos para as plataformas que o conteúdo nos interessa”.
Como você se tornou ativista?
Sou apaixonada por comunicação. Me formei em jornalismo pela
Faculdade de Comunicação Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, mas não sou
repórter, sou produtora de conteúdo e editora. Enquanto estudava,
participei do primeiro Dia da Terra no Brasil como voluntária
na produção. Depois, na Rádio e TV Búzios, que era uma proposta interessante
de jornalismo ecológico e comunitário, e com projetos como o SOS
Região dos Lagos, fazíamos grandes shows em áreas ameaçadas, como em
Massambaba, onde Gilberto Gil cantou.
Depois de formada, me mudei para o Mato Grosso do Sul a
convite de uma amiga da faculdade que é de lá. Trabalhei em campanhas
eleitorais a partir de 1992, quando ainda eram baseadas em jornalismo, dados.
Fui convidada para trabalhar na Secretaria Municipal de Cultura de
Campo Grande e comecei a ter contato com políticas públicas.
Morei 14 anos na cidade e foi onde desenvolvi minha
carreira. Conheci organizações não governamentais e passei a fazer assessoria
de comunicação e de imprensa para o Movimento Popular de Mulheres, o Centro
de Documentação e Apoio aos Movimentos Populares (Cedampo) e a Comissão
de Direitos Humanos da OAB/MS.
Trabalhei, ainda, na Secretaria de Estado da
Educação, em uma época em que o Ministério da Educação capacitou todos os
assessores de comunicação das secretarias estaduais para ampliar a pauta de
educação. Isso foi importante porque apliquei esse conhecimento em todas as
políticas públicas para as quais trabalhei.
Como se aproximou da pauta ambiental?
Isso aconteceu em Mato Grosso do Sul. Mas, no final de 2005,
quis voltar para o Rio de Janeiro por conta da família. Quando cheguei foi
difícil conseguir uma colocação e, como meio ambiente e
sustentabilidade eram tendências, fiz uma extensão na Fundação Getúlio
Vargas em Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Socioambiental
Corporativa.
Nos fóruns do curso, percebi que meus comentários faziam
muito sucesso na turma, então, passei a publicar sobre o tema nos meus perfis
do Facebook e do Twitter. Quando o Facebook lançou as páginas, resolvi
experimentar e criei o Eco
Lógico Sustentabilidade.
Paralelamente, atuei na comunicação de um dos postos
do Sistema Nacional de Emprego (Sine), ligado à União Geral
dos Trabalhadores (UGT), o maior da cidade do Rio de Janeiro e o primeiro
informatizado e online no país. Consegui parcerias com o programa Bom
Dia Rio e com o jornal Extra para divulgar semanalmente vagas de
empregos. E fiz uma especialização em Gestão Ambiental enquanto
seguia produzindo conteúdo para o Eco Lógico.
Essa página era trabalho voluntário?
Sim, eu produzia conteúdo sobre meio ambiente,
sustentabilidade e clima, relacionando com economia e comunicação. Comecei
ainda antes do Facebook, enviando para minha rede de contatos via e-mail.
Depois, criei a página, e funcionava bem porque o Facebook ainda entregava
conteúdo, era possível burlar o algoritmo usando hashtags,
marcando pessoas.
Mas o modelo de negócios mudou, você hoje pode ter
uma página, mas não tem alcance. Essa é a grande diferença entre
Twitter e Facebook.
Foi por isso que apostou no Twitter?
Isso. A vantagem do Twitter é que ele entrega. Se você olhar
qualquer tweet seu, mesmo que não tenha nenhuma curtida ou
comentário, vai ver que ele foi entregue, às vezes até para mais de 100
pessoas. Claro que seu conteúdo pode não ter interação, mas ele foi entregue.
A partir disso, você pode olhar para sua publicação e ver o
que poderia ter usado, em termos de linguagem ou técnica, para alguém
interagir. Fazer uma pergunta, por exemplo, porque o Twitter é uma rede
que gosta de conversas. Isso é uma técnica.
Como você iniciou o trabalho para o bom uso do Twitter
com organizações e ambientalistas?
Em 2014, quando terminei a especialização, meu trabalho de
conclusão de curso em Gestão Ambiental demonstrou como a comunicação pode colaborar
para a sociedade entender melhor a sustentabilidade e como
aplicar princípios da gestão ambiental e da política de
responsabilidade social à comunicação de empresas
socioambientalmente responsáveis.
Eu escrevia para o EcoDebate, Envolverde e
revista Ecológica (que não existe mais) e levava tudo isso
para o Twitter, por perceber que, no Facebook, o esforço era muito grande para
falar com a mesma bolha. Já o Twitter é uma plataforma com vários
recursos para distribuir conteúdo.
Hoje, as organizações ambientais, de direitos humanos e
políticas públicas precisam investir na gestão profissional das
plataformas de mídias sociais, pois estão acostumadas com métodos de
comunicação do século passado.
Não adianta gerar pauta no Jornal Nacional e não distribuir
a matéria, não usar técnicas do marketing digital,
inclusive, porque repetição é sinônimo de relevância. É a técnica
que a imprensa usa para dar destaque a uma matéria: repete os tweets de
cinco em cinco minutos e diz para a audiência que é relevante.
Os ativistas estão utilizando bem as redes sociais?
Um exemplo é a análise da Carina Pensa, que
coletou dados do Twitter antes da última COP do Clima sobre perfis que estavam falando
sobre mudanças climáticas, usando hahstag e o termo mudanças
climáticas. A extrema direita usou muito mais do que os
ambientalistas.
Durante a COP, a Lori Regattieri fez um
painel em que acompanhou Instagram, Facebook e Twitter e mostrou que, quem mais
falou sobre mudanças climáticas durante a conferência, foram Ricardo
Salles (então, Ministro do Meio Ambiente) e Bia
Kicis (deputada federal do partido do governo). Comentei
sobre isso na edição 4 da minha newsletter.
Como isso acontece?
A extrema direita se apropria dos termos usando
repetidamente nas redes para negar. É importante gerar uma matéria
na Folha de São Paulo, mas esse conteúdo é aberto apenas para assinantes e,
para ter realmente repercussão, precisa circular, chegar no “zap” das pessoas.
Então, se uma matéria foi publicada, é preciso usar o marketing
digital para uma distribuição massiva e repetitiva,
incluindo os termos-chave.
O trabalho de orientação para as organizações, sobre
o uso do Twitter, foi voluntário?
Foi porque eu passei a usar mais o Twitter e a entender a
plataforma. Organizações, comunicadores e meios especializados devem ter o seu
tom de voz definido para serem facilmente reconhecidos com credibilidade.
Desde 2018, sou também voluntária do Voz das
Comunidades, jornal comunitário do Complexo do Alemão, fundado pelo
Renê Silva quando tinha 11 anos.
Fui colunista de meio ambiente e sustentabilidade.
Em um treinamento para a equipe sobre como usar a plataforma, conheci o profissional
responsável por políticas públicas do Twitter e sugeri um
treinamento só para ambientalistas. Foram meses de articulação até
que conseguimos realizar, no início de 2020, um evento presencial em São Paulo
com transmissão online.
Organizei-o com o apoio da Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental,
e chegamos a mais de 150 ambientalistas, comunicadores e jornalistas
inscritos. Com esse contato direto, por exemplo, o Projeto Saúde &
Alegria recuperou sua arroba original. Essa era uma questão
antiga: a conta havia sido roubada antes das milícias digitais e, por isso,
estava suspensa. Finalmente, foi devolvida.
O que aconteceu depois disso?
Foi um treinamento básico, que explicava como o Twitter
funciona, mas não dava o “pulo do gato”, as técnicas. Então, comecei a falar
mais sobre isso, dar dicas. Quando a conta da pesquisadora Erika
Berenguer foi invadida, ajudei para que fosse recuperada rapidamente,
fiz um ‘spaces’ com ela e a Adriana Ramos e, depois,
ainda fiz uma ‘sequência’ com informações: o que fazer se sua
conta for invadida, como se proteger. Percebi que havia demanda e comecei a
produzir uma newsletter.
(*NOTA DO CONEXÃO PLANETA: no Twitter, ‘SPACE é uma
conversa de áudio ao vivo; quanto à ‘SEQUÉNCIA’, que também é chamada de ‘FIO’,
é um recurso utilizado para completar a informação do tweet principal com mais
tweets, sem limite; esses textos adicionais aparecem junto com os comentários
de seguidores e os seus).
Hoje, sou a eiiamoreco comunicação de propósito.
Propósito no sentido de intencional, que é como deve ser a produção
de conteúdo especializado para engajamento, informação e
inspiração.
Aplico treinamentos e faço consultoria de marketing digital
e Twitter para conteúdo relevante voltados para ativistas
e comunicadores. Apliquei esse treinamento gratuitamente para jovens
da Greve pelo Clima e do podcast Ju Pimenta do Engajamundo.
E consegui começar a atender organizações, projetos e meios
como a Política
por Inteiro, Clima de Eleição, CPT Nacional, ClimaInfo, Justa Moda e
revista Cenarium.
Uma das questões que enfatizo nos treinamentos, na newsletter e
nas minhas publicações é que nosso comportamento nas redes também é uma
forma de nos dar segurança, para não atrair odiadores e odiação.
Estamos lidando com milícias digitais, não
podemos esquecer disso, e isso não vai acabar amanhã.
Como fazer para fazer frente a essa guerra de
informações?
É preciso entender que as plataformas de mídias
sociais não vão banir a extrema direita porque ela é lucrativa,
publica e interage muito, usam seus recursos ao extremo. A primeira coisa que
deveríamos fazer é agir em rede nas plataformas: nos compartilhar,
validar e comentar aliados, mesmo que não estejamos com tempo de ler tudo ou
concordemos totalmente. É como dizemos para as plataformas que o conteúdo nos
interessa e é de um aliado.
Além disso, as organizações precisam investir em
gestão profissional das plataformas de mídias sociais e atualizar
sua presença digital. As plataformas se atualizam a partir das atualizações
umas das outras e é um negócio frenético a serviço da economia de
consumo.
O modelo de negócio inaugurado pelo Zuckerberg com o
combo Facebook-Instagram-WhatsApp consolida a economia
extrema de consumo.
Eu tenho um perfil da eiiamoreco no
Instagram para divulgar produtos de design com causa que
vendo no Colab55.
Se eu coloco “olhem essa camiseta, ela é 100% sustentável, de algodão…”, o
Instagram entrega para cinco pessoas, se eu começar com a frase “compre agora”,
entrega para 80.
É possível que as redes sociais melhorem?
As redes sociais, como já conhecemos, não existem mais,
são plataformas de mídias sociais, o que inclui aplicativos de
mensagens, como Whatsapp e Telegram. É um negócio, vai sempre se atualizar pra
atender ao mercado.
Por isso é que nós precisamos saber mais e usar
melhor os recursos para espalhar nossas causas. As plataformas de mídias
sociais são espaços de disputa de narrativas e a extrema
direita ganha de nós. Só ganhamos quando chega uma Anitta!
Furar a bolha nas redes é possível?
Sim, mas tem que usar as técnicas de marketing digital:
sequências e tuitaços no Twitter são recursos que já bateram no teto, precisa
combinar com moments, spaces, e chamar seguidores se
quiser furar a bolha.
Por exemplo, o perfil Fiscal do Ibama tem
mais de 151 mil seguidores, se quiser fazer um twittaço é bom avisar ele, além
de chamar também microinfluenciadores. E precisamos saber usar os
recursos para dialogar mais com nossos seguidores, como as comunidades no
Twitter.
Qual o papel do jornalismo nesse processo?
O jornalismo vai pautar meio ambiente, clima e
sustentabilidade todo dia, por bem ou por mal. Atualmente estamos
vendo que a imprensa está pautando por mal, obrigada pelo contexto de desmonte
da política pública de meio ambiente e da facilitação de crimes
ambientais.