Mídia Sem Máscara
Escrito por Antonio Sánchez García
| 07 Novembro 2014
Notícias Faltantes -
Foro de São Paulo
Não se sabe, e talvez jamais se saiba, quantos milhões de dólares do
Estado venezuelano o tenente-coronel Hugo Chávez pôs nas mãos de Lula da
Silva e Marco Aurélio Garcia, sua mão direita e homem encarregado da
Conexão São Paulo-Caracas, para ganhar a presidência do Brasil em 2003.
Chávez cumpria com obediência um compromisso selado com Fidel Castro,
seu pai putativo: montar o ex-sindicalista metalúrgico de proveniência
trotskista na presidência da primeira potência sul-americana e desde lá
estender a mancha do castro-chavismo por toda a região.
A julgar pelos
milhares de milhões de dólares anuais e os mais de 100 mil barris de
petróleo diários oferecidos a Cuba desde então, a mão com que se
auxiliou o PT para entrar no poder pela porta grande há de haver sido
extremamente generosa.
Tanto, como para que Chávez aparecesse
intempestivamente quando lhe dava na telha e nas ocasiões mais
inoportunas por Brasília para ver como cresciam os lucros de seu
investimento político. Passar a vê-lo em funções, mesmo que rompesse o
protocolo e perturbasse o Itamaraty, era um direito adquirido.
Anos depois, “as maletas” carregadas com milhões de dólares contantes
e soantes da PDVSA se fariam emblemáticas na América Latina, pelo menos
uma deles contendo US$ 800 mil, descoberto em um incômodo incidente
aduaneiro bonaerense, enquanto corria a campanha presidencial de
Cristina Fernández.
Jamais soube-se nem se saberá quanto foi o montante total investido
pela estatal venezuelana na eleição e re-eleições dos Kirchner. E nas de
todos os restantes presidentes matriculados no Foro paulista. Do que
não nos esquecemos é dos 5 milhões de dólares que lhe entregou para
resolver seus problemas financeiros. Foram devolvidos?
Depois da
peixeirada que o tenente-coronel venezuelano encaixou em dezembro de
1998 à inerme e desorientada Quarta República, transcorreram exatamente
quatro anos para que Lula se fizesse com o governo do Brasil e cinco
meses mais para que Néstor Kirchner o conseguisse na Argentina.
Conquistadas as jóias da coroa - Venezuela, Brasil e Argentina - o resto
foi costurar e cantar. Embora nos casos de Evo Morales na Bolívia
devessem transcorrer outros três anos, quatro para o de Rafael Correa no
Equador e incontáveis turbulências castrenses, golpes de Estado,
derrocamentos vários - na Argentina se fizeram e desfizeram governos em
horas - e outros acidentes devidos à porfia com que Fidel Castro, Lula e
o Foro de São Paulo haviam decidido: a nova estratégia ordenava entrar
no poder pela porta larga de processos eleitorais, com plena
legitimidade de origem para depois, se davam-se as mesmas condições que
na Venezuela, passear pela ilegitimidade de desempenho, esvaziar as
instituições democráticas de todo o conteúdo vinculante e convertê-las
em carrancas de um novo estabelecimento, como na Venezuela: fundar
repúblicas socialistas e bolivarianas.
Uma década depois e
rompidas todas as travas convencionais, o ex-guerrilheiro tupamaro Pepe
Mujica se montaria no Poder no Uruguai, a ex-guerrilheira Dilma Rousseff
sucederia Lula no Brasil por dois mandatos consecutivos mais e a
militante socialista clandestina Michele Bachelet, criada na RDA,
voltaria ao Poder do Estado chileno livre dos compromissos e ataduras da
velha Concertación Democrática, após o projeto de reviver a velha
Unidade Popular, desta vez segundo o ansiado sonho de Luis Corvalán, o
ex-secretário-geral do Partido Comunista do Chile: com o centro da
Democracia Cristã acoplado ao carro da esquerda marxista. O desiderato.
Em vinte e dois anos, de 1992 a 2014, a faina parecia completa: a
América Latina descansava nos braços do ancião havanero. Seu Deus ex
machina: Hugo Chávez.
Foi um investimento sistemático, tenaz e
sem fissuras do castro-chavismo para se fazer com o controle da região
sem um só disparo, sem derramar uma gota de sangue, sem perturbar a
ordem institucional e as boas consciências do democratismo imperante no
ocidente.
Ao extremo de coroar a andadura com o controle absoluto da
OEA, nas mãos do militante socialista José Miguel Insulza, e de todos os
organismos regionais. A quadratura do círculo. Por um suspiro a
dominação da América Latina não acabou sem hiatos: México e Peru se
salvaram, por enquanto, por décimos de pontos. Continuam na mira.
Este
9 de novembro se comemora vinte e cinco anos da queda do Muro de
Berlim, antecedente direto da implosão da União Soviética e o
desaparecimento do bloco “por trás da cortina de ferro”. Ambos eventos -
a queda do Muro com suas conseqüências histórico-universais e a
expansão do castro-chavismo na América Latina -, embora pareçam
absolutamente desvinculados, estão ligados em grau superlativo.
O
desaparecimento da União Soviética em 1991 e do subsídio que a mantinha
com vida desde o começo mesmo da revolução produziu efeitos
devastadores em Cuba, dando início ao chamado “período especial”. Pela
primeira vez em seus trinta e dois anos de história, a Cuba
revolucionária via-se compelida a viver por seus próprios meios, para o
qual jamais esteve nem está capacitada. Ou vive da caridade alheia ou
desfalece.
Uma brutal redução do PIB da ordem de 36% só nos primeiros
anos do período, carências de petróleo e alimentos essenciais,
proliferam de enfermidades devidas à má nutrição, entre elas uma
insólita e medieval epidemia de cegueira, e um desaforado esforço por
realizar reformas que permitissem a simples sobrevivência. Atenuadas em
parte graças à abertura aos investimentos turísticos europeus,
particularmente espanhóis, reforçados mediante a ação de uma indústria
ancestral cubana dos tempos da grande frota espanhola: a prostituição
como fonte de divisas.
É quando Fidel Castro volta-se uma vez
mais para a América Latina e funda, em 1990, conjuntamente com Lula da
Silva, o chamado Foro de São Paulo, um espécie de Internacional
Latino-americana marxista que reúne todos os partidos de esquerda e
extrema esquerda, movimentos guerrilheiros e ONG contestadoras da
região, para coordenar esforços após um segundo grande embate pela
conquista da América Latina e a expansão do castrismo, embora sob as
renovadas formas de uma estratégia combinada, pacífica, eleitoreira e
suficientemente versátil e flexível para adequá-la às circunstâncias
específicas de cada país.
As graves penúrias do período especial,
a obstinação e a infinita paciência de Castro se conjugaram para uma
grande vitória estratégica. Como lhe sucedeu durante toda sua vida, a
sorte o acompanhou no intento.
Encontrando primeiro a compreensão e o
auxílio de três reconhecidos líderes democráticos - Felipe González,
Carlos Andrés Pérez e Cesar Gaviria -, erradamente convencidos de que
era possível reintegrar Castro e seu regime totalitário ao seio das
democracias latino-americanas e à OEA, e dando de cara, depois, com um
comandante golpista no qual viu de imediato o prospecto capaz de se
apoderar da Venezuela e endossar-lhe o petróleo venezuelano, arma que se
caísse em suas mãos - como afirmou pessoalmente a Regis Debray e sua
esposa venezuelana Elizabeth Burgos durante a segunda metade dos
sessenta em Havana: “seria capaz de se fazer com o domínio do mundo”.
Essa
relação, estabelecida com Hugo Chávez pouco depois de ser libertado do
cárcere pelo presidente Rafael Caldera, no curso do ano de 1995,
tornaria realidade o modelo de que se serviria o Foro de São Paulo para
conquistar uns e outros: promover graves crises dos sistemas de
dominação, derrocar governos constituídos, conquistar os governos
mediante processos eleitorais - fraudulentos, enganadores ou intervindos
desde o executivo - e pôr em prática o virtual saque da
institucionalidade democrática, lá onde, como na Venezuela, fosse
possível. Populismo, estatismo e clientelismo, as clássicas armas do
caciquismo conservador latino-americano do passado, convertidas nas
novas armas da ingerência marxista na região.
Longe de garantir a
paz perpétua perseguida por Kant ou de haver posto fim à história, como
pretendeu Fukuyama, a queda do Muro, a implosão do bloco soviético e o
desaparecimento da bi-polaridade característica do período da Guerra
Fria aberto após o fim da Segunda Guerra Mundial, mais se assemelha ao
último suspiro de Nietzsche que à pastoral utopia hegeliano-marxista do
Manifesto Comunista.
A rigor, a derrota infringida aos soviéticos
pelo governo Reagan com sua Guerra nas Estrelas, enquanto cresciam as
demandas por melhoras sociais e econômicas de seus cidadãos e a crise
alcançava contornos exponenciais, desarticulou-se a gendarmeria mundial
da qual ambas super-potências se ocuparam entre 1945 e 1990. Tanto no
nível europeu - a OTAN e o Pacto de Varsóvia - como no nível mundial. A
China reduziu sua intervenção ao plano econômico, convertendo-se na
primeira potência emergente mundial, os Estados Unidos reduziram
drasticamente sua capacidade de intervenção policial nos conflitos
internacionais, a Europa está praticamente marginalizada da resolução
dos grande conflitos, enquanto desaparecem os marcos e diques de
contenção dos conflitos sociais, raciais e religiosos que atormentam o
ocidente.
A ameaça de instabilidade crescente representada pelo
Estado Islâmico, tanto para o próprio mundo árabe como para o resto do
mundo, assim como o freio que o crescimento global sofre, estabelecem
interrogações de complexa e muito difícil resposta. Evidentemente, esta
situação de indefinições e conflitos mundiais manietam os Estados Unidos
a respeito de sua vigilância sobre o quintal e deixam o terreno livre
para a atividade das pretensões neo-coloniais do Foro de São Paulo. Que
soube compreender e antecipar os conflitos do Oriente Médio e selar
alianças que, no caso da Venezuela, chegam ao extremo de servir de
plataforma de expansão a ingerência do talibanismo islâmico na região.
Ao mesmo tempo em que dê ponte para a penetração do capitalismo chinês,
hoje praticamente dono do petróleo venezuelano, e em vias de um
expansivo crescimento de sua influência econômica sobre todo o
hemisfério.
Existem razoáveis perspectivas de êxito para a
recuperação plena, no curto e médio prazo, das democracias liberais na
América Latina? Esta espécie de crise de re-ordenamento e mudanças de
paradigmas que se adverte em países tradicionalmente estabilizados, como
o Chile, poderia chegar a fraturar seu próprio sistema político como os
do Peru, Colombia, México e América Central?
Até agora, são perguntas sem respostas. Advertem-nos sobre um panorama sombrio.
Tradução:
Graça Salgueiro