ECO Por Liszt Vieira
- terça-feira, 15 setembro 2015 19:34
Derretimento das geleiras na Islândia: Foto: Creative Commons
“A influência da humanidade no Planeta Terra nos
últimos séculos tornou-se tão significativa a ponto de constituir-se
numa nova época geológica”
(Paul Crutzen - Prêmio Nobel de Química)
Segundo o Relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças
Climáticas (IPCC) de março de 2014, durante o século XXI os impactos das
mudanças climáticas deverão reduzir o crescimento econômico, tornar
mais difícil a redução da pobreza, agravar a insegurança alimentar e
criar novas “armadilhas” de pobreza, principalmente em áreas urbanas e
regiões castigadas pela fome.
Um aumento maior na temperatura do planeta
acarretará danos consideráveis à economia mundial. As populações mais
pobres serão as mais afetadas, pois a intensificação dos eventos
climáticos extremos, dos processos de desertificação e de perdas de
áreas agricultáveis levará à escassez de alimentos e de oferta de água
potável, à disseminação de doenças e a prejuízos na infraestrutura
econômica e social.
A concentração de gases que produzem efeito-estufa na atmosfera
atingiu seus níveis mais elevados desde 800 mil anos, o que dá uma ideia
do impacto atual na biosfera. Segundo os cientistas do IPCC, as
mudanças climáticas trariam impactos graves, extensos e irreversíveis,
se não forem “controladas”, o que supõe medidas impositivas e
obrigatórias a serem adotadas no futuro tratado sobre o clima, a ser
discutido em Paris em dezembro de 2015.
Há um certo consenso de que o aumento da temperatura global não deve
ultrapassar 2ºC, sob pena de consequências imprevisíveis no que se
refere a eventos climáticos extremos, como secas, inundações,
desertificação, calor intenso, redução da produção agrícola, aumento no
preço dos alimentos etc. Desde a Conferência Rio-92, porém, a ação dos
“céticos do clima”, muitos deles ligados ao poderoso lobby da indústria
do petróleo, conseguiu barrar os avanços que seriam necessários para
evitar a situação alarmante em que nos encontramos hoje. O atraso foi
tamanho que há, entre os cientistas, os que temem uma elevação de
temperatura de até 4ºC!
"Um
novo período, o Antropoceno, vem emergindo desde a Revolução Industrial
e seu traço característico é a centralidade das ações humanas sobre as
mudanças ambientais globais."
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Segundo o cientista brasileiro Carlos Nobre, a cada hora, 9 mil
pessoas se somam à população mundial, 1.700 toneladas de nitrogênio são
lançadas na atmosfera e 4 milhões de toneladas de CO2 são emitidas –
sendo que 50% delas são absorvidas pela vegetação e também pelos
oceanos, que estão cada vez mais ácidos, prejudicando a vida marinha.
Neste mesmo intervalo de tempo, 1.500 hectares de florestas são
derrubados no mundo – comprometendo a absorção de carbono, que começa a
se concentrar ainda mais nos oceanos e na atmosfera, aumentando o efeito
estufa – e 3 espécies entram em extinção – velocidade 1.000 vezes maior
do que o processo natural (
Planeta Sustentável - 28/05/2010).
As mudanças climáticas e a perda da biodiversidade já desencadearam
um processo de destruição de recursos naturais que ameaça as condições
de vida humana no planeta. Segundo Paul Crutzen - Prêmio Nobel de
Química 1995 - já entramos em uma nova era geológica, o Antropoceno, em
que o homem começa a destruir suas condições de existência no planeta.
Em 2002, o historiador John McNeill alertou em seu livro “Algo de
Novo Sob o Sol” que a humanidade vem se aproximando perigosamente das
“fronteiras planetárias”, ou seja, os limites físicos além dos quais
pode haver colapso total da capacidade de o planeta suportar as
atividades humanas. (Something New Under the Sun, McNeill, 2002). Os
eventos climáticos extremos não cessam de confirmar sua advertência:
secas, inundações, desertificação, falta d’água, temperaturas
excessivas, desastres naturais, refugiados ambientais.
Em setembro de 2009, um artigo da revista Nature (
A safe operating space for humanity
– Rockström et alii, 2009a) afirma que pode estar sob grave ameaça a
longa era de estabilidade - conhecida como Holoceno – em que a Terra foi
capaz de absorver, de maneira mais ou menos suave, perturbações
internas e externas. Um novo período, o Antropoceno, vem emergindo desde
a Revolução Industrial e seu traço característico é a centralidade das
ações humanas sobre as mudanças ambientais globais.
No 38º Encontro Anual da
ANPOCS,
em outubro de 2014, Caxambu – MG, um documento do Grupo de Trabalho
sobre Política Internacional afirmava que “o advento do Antropoceno traz
consigo o fim da estabilidade geobiofísica do planeta, quebrando a
matriz de estabilidade e linearidade que é o pressuposto para previsões
do futuro com base em acontecimentos do passado.
A não linearidade é a
nova realidade, porque é característica de sistemas complexos tais como
os sistemas geobiofísicos”. (Basso L. e Viola E
., O sistema internacional no Antropoceno: o imperativo da governança global e de um novo paradigma geopolítico).
Os autores advertem que, como as fronteiras planetárias estão sendo
ultrapassadas, a solução seria caminhar na direção de uma governança
global que ultrapassasse os atuais limites do soberanismo para um
sistema internacional baseado no pós-soberanismo.
Fases do Antropoceno
"A
segunda fase [do Antropoceno] vai de 1950 a 2000 ou 2015 e vem sendo
chamada de “A Grande Aceleração”. Entre 1950 e 2000, a população humana
dobrou de 3 para 6 bilhões de pessoas e o número de automóveis passou de
40 para 800 milhões!"
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No número de dezembro de 2007 da revista Ambio, Paul Crutzen detalha
os impactos que marcam a entrada no antropoceno. Com Will Steffen,
especialista em problemas ambientais da Universidade Nacional de
Canberra, Austrália, e John McNeill, professor de história na School of
Foreign Service em Washington, ele publica um artigo intitulado “O
antropoceno: os humanos estão prestes a fazer submergir as grandes
forças da natureza?” Após ter modificado, nestes últimos cinqüenta anos,
seu ambiente como nunca o fizera antes, perturbando o sistema climático
e deteriorando o equilíbrio da biosfera, a espécie humana, transformada
numa “força geofísica planetária”, deve agora agir muito rapidamente
para limitar os desgastes.
De acordo com ele, essa era se iniciou por volta de 1800, com a
chegada da sociedade industrial, caracterizada pela utilização maciça de
hidrocarbonetos. Desde então, não cessa de crescer a concentração de
dióxido de carbono na atmosfera, causada pela combustão desses produtos.
A acumulação dos gases do efeito-estufa contribui para o aquecimento
global. A primeira fase do Antropoceno vai de 1800 a 1945 ou 1950 e
corresponde, portanto, à formação da era industrial.
A segunda fase vai de 1950 a 2000 ou 2015 e vem sendo chamada de “A
Grande Aceleração”. Entre 1950 e 2000, a população humana dobrou de 3
para 6 bilhões de pessoas e o número de automóveis passou de 40 para 800
milhões! O consumo dos mais ricos se destacou do restante da
Humanidade, alimentado pela disponibilidade geográfica de petróleo
abundante e barato no contexto do pós-Segunda Guerra e pela difusão de
tecnologias inovadoras que catalisaram um vasto processo de consumo de
massa (como os automóveis modernos, as TVs etc).
Na atual fase 2 da era antropocênica (1945-2015), registrou-se uma
aceleração considerável das atividades humanas exageradas sobre a
natureza. "A grande aceleração se encontra em estado crítico", afirmaram
Crutzen, Steffen e McNeill no artigo citado, porque 60% dos serviços
fornecidos pelos ecossistemas terrestres já enfrentam degradação.
Vemos hoje uma combinação explosiva entre os dilemas da crise
ecológica global e os dilemas da desigualdade global. Um grupo de 2
bilhões de pessoas dispõe de padrão de consumo elevado e se apropria dos
consequentes benefícios materiais, enquanto 4 bilhões vivem na pobreza e
1 bilhão na miséria absoluta.
Numa terceira fase, a partir de 2000 ou, segundo alguns, de 2015, a
humanidade toma consciência do Antropoceno. Na realidade, a partir dos
anos 1980, os seres humanos começam a tomar progressivamente consciência
dos perigos que sua atividade produtiva cada vez mais intensa gerava
para o 'sistema Terra'. Trata-se de perigos para a própria humanidade
que não poderia sobreviver com a destruição dos recursos naturais.
Opções
A humanidade teria três escolhas para a terceira fase da era
antropocênica. A primeira consiste em manter as mesmas atitudes e
esperar que a economia de mercado e o espírito humano de adaptação
cuidem dos problemas ambientais. Segundo os autores citados acima, esta
opção oferece "riscos consideráveis": quando forem decididas medidas
adequadas de combate aos problemas pode ser "tarde demais".
A segunda opção, a de atenuação, tem por objetivo reduzir
consideravelmente a influência humana sobre o planeta, por meio de uma
melhor gestão ambiental, com novas tecnologias, uso mais sábio de
recursos e restauração de áreas degradadas, mas isso requer "importantes
mudanças no comportamento dos indivíduos e nos valores sociais".
Caso isso não se prove possível, existe uma polêmica terceira opção: o
uso de geo-engenharia para alterar o clima e combater o aquecimento
global. A opção envolveria manipulações bastante poderosas do meio
ambiente em escala mundial, com o objetivo de contrabalançar as
atividades humanas. Por exemplo, já existem planos para reter o gás
carbônico em reservatórios subterrâneos, ou espalhar na atmosfera
partículas que reflitam a luz solar, refrigerando a temperaturas. Mas
isso envolve elevados riscos, pois “o remédio pode ser pior que a
doença".
Outros caminhos podem surgir. Do lado otimista, há quem afirme que,
em 15 anos, não haverá mais produção de carros movidos a combustível.
Todos os novos carros seriam elétricos. O custo para recarregar baterias
seria 80% mais barato do que os atuais combustíveis fósseis. O preço
barato do petróleo, a continuar, inviabilizaria investimentos na
produção via pré-sal ou gás de xisto. A Europa, os EUA e a China já
fazem grandes investimentos na pesquisa e produção de energia
alternativa, principalmente solar. Por outro lado, o preço do petróleo
baixo “pode ter o efeito de tornar mais lento o crescimento de
renováveis nos próximos anos” (Eduardo Viola,
A Proposta do Brasil para a COP-21 Vai Ser Ruim, ECO-21, Agosto 2015).
Enquanto isso, no Brasil, o Ministro de Minas e Energia anunciou, em
fins de maio último, a criação de novas usinas térmicas a carvão e gás,
altamente poluentes. O Ministério da Agricultura quer avançar sobre
terras indígenas e parques nacionais para uso do agronegócio,
atropelando a biodiversidade. O Ministro de Assuntos Estratégicos
demitiu dois economistas especializados em sustentabilidade, que não é
considerado assunto estratégico. E o Ministério do Meio Ambiente
silencia, como de costume.
Os acordos vazios e sem compromissos assinados pelos presidentes do
Brasil e dos EUA não enganaram ninguém. O Brasil ainda está entre os dez
maiores emissores mundiais de gases de efeito estufa. Encontra-se,
portanto, no grupo de países que deve assumir compromissos substanciais
de reduções de suas emissões. Mas ainda prevalece no governo a rejeição a
energias alternativas por “falta de escala”.
Não há visão de futuro. A sustentabilidade desapareceu até mesmo dos
discursos oficiais. A COP-21 seria uma grande oportunidade para o Brasil
ressurgir das cinzas e propor medidas eficazes de combate às mudanças
climáticas que ameaçam a humanidade pelo abuso e destruição
irresponsável dos recursos naturais. Mas isso exige liderança e
consciência da importância da sustentabilidade, que não são
características do atual Governo.