Redação
13 outubro 2014 | 05:12
Hermes Magnus, que fez negócio com
José Janene, conta que já em 2008 revelou à PF e à Procuradoria o
esquema do ex-deputado e do doleiro Alberto Youssef
Por Fausto Macedo e Ricardo Brandt
“Eu perdi tudo, não devo nada para o governo do PT, mas o Brasil
me deve muito”, afirma o empresário Hermes Freitas Magnus, que
denunciou à Polícia Federal e à Procuradoria da República em Londrina,
no Paraná, o esquema de lavagem de dinheiro, já a pleno vapor, sob
comando do então ex-deputado José Janene (PP/PR), morto em 2010.
As primeiras revelações de Magnus, ainda em caráter anônimo, chegaram
aos investigadores em 2008. Ele mandava documentos e mensagens,
relatando os movimentos de Janene e do braço direito do político, o
doleiro
Alberto Youssef.
Naquele ano, em busca de investidores que aportassem
recursos
na Dunel Indústria e Comércio Ltda, que criou para atuar no
fornecimento de equipamentos, o empresário conheceu um aliado de Janene,
então já réu do
mensalão do PT no Supremo Tribunal Federal.
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O primeiro encontro com o político, conta Magnus, ocorreu no café de
um hotel luxuoso em São Paulo, próximo da sede da CSA Project Finance,
espinha dorsal da Lava Jato. Logo, ele afirma, descobriu que Janene
usava a CSA para lavar dinheiro.
Conota que não se afastou de Janene porque havia entre eles um
memorando de entendimentos que previa pesada multa em caso de rompimento
contratual.
Por meio da CSA, Janene e Youssef expandiram os negócios para o
interior de órgãos públicos, como a Petrobrás, onde ambos se associaram a
Paulo Roberto Costa, diretor de Abastecimento da estatal petrolífera
entre 2004 e 2012.
Felipe Rau/Estadão
“Naquela reunião inaugural me foi apresentado o Claudio Menti, pupilo
e testa de ferro do Paulo Roberto”, narra o empresário. “Eu não sabia
quem era o Janene, eu não sabia nada de política. Nem conhecia o
Youssef.”
Ele conta que na sede da CSA encontrou-se pelo menos três vezes com
Paulo Roberto Costa. “O Pizzolato também não saía da CSA”, revela,
apontando para Henrique PIzzolato, filiado ao PT, ex-diretor do Banco do
Brasil, sindicalista com base no Paraná, condenado no processo do
Mensalão por corrupção passiva,. peculato e lavagem de dinheiro –
Pizzolato foi preso em fevereiro na Itália, para onde havia fugido ao
final do julgamento do Mensalão.
Segundo Hermes Magnus, o ex-deputado Janene lhe ofereceu R$ 1 milhão
para injetar na Dunel – o Ministério Público Federal sustenta que esse
dinheiro era do mensalão do PT e foi lavado pelo político que liderou o
PP na Câmara.
Magnus disse que percebeu que Janene e Youssef queriam usa-lo como
“laranja” quando foi pagar um fornecedor e ele o alertou que o dinheiro
não saiu do caixa da Dunel, nem da CSA, mas de uma outra pessoa
jurídica. “O dinheiro rodava livre na CSA. Um dia ele encheu de dinheiro
a caçamba até a lona de uma Mitsubishi L 200. Ele pagava políticos em
Londrina, faziam fila para receber.”
Por mais de uma vez, afirma, estava ao lado de Janene quando ligaram
para o ex-líder do PP na Câmara. Do outro lado da linha, quase sempre,
era Youssef. Certo dia, Magnus diz ter ouvido essa conversa. “Fala,
Primo (como o doleiro Youssef é conhecido). Duzentos e cinquenta mil?
Pega com o pastor no Brás.”
Magnus diz que Janene era truculento. Afirma ter ouvido o político
paranaense ameaçar um deputado do PT que não teria levado um pleito seu
ao então presidente Lula. “Vocês não estão levando meus recados para ele
(Lula). Eu vou lá botar o dedo na cara dele.”
A partir das revelações do empresário, a Lava Jato foi ganhando corpo
na PF e na Procuradoria. Entre 2011 e 2012 a Justiça Federal autorizou
medidas cautelares, interceptação telefônica e de e-mails. Descobriu-se,
então, as ramificações e o alcance da trama liderada por Janene e
Youssef. Surgiram detalhes das relações com Paulo Roberto Costa e os
indícios de pagamento de propinas a políticos do PT, do PMDB e do PP.
“Virei refém da jagunçada do Janene”, denuncia Magnus. “Eles me
‘acompanhavam’ o tempo todo de perto, para que eu não fugisse. Eu achava
que com as minhas denúncias a PF ia invadir a sede da Dunel para me
salvar. Mas, no início, as investigações pareciam não andar.”
Ganharam celeridade as investigações quando o investidor Enivaldo
Quadrado, apontado como operador de Janene, foi preso em dezembro de
2008 desembarcando de viagem a Portugal no Aeroporto Internacional de
São Paulo, em Cumbica, com 361,4 mil euros em espécie na cueca, nos
bolsos e na pasta de mão.
Magnus conta que esse dinheiro seria destinado à ex-mulher de Janene.
“Ele (Janene) ficou atordoado com a prisão do Enivaldo. Mas foi a
partir daí que a apuração ganhou força e resultou no escândalo da Lava
Jato.”
“Eu quebrei, um prejuízo de pelo menos R$ 2 milhões, afora a perda de
equipamentos. Éramos 32 funcionários, somos quatro”, desabafa Magnus,
que relata levar uma vida de dificuldades, sob desconfiança do mercado
que raramente lhe dá uma oportunidade de negócio.
Muitos são os clientes que cancelaram pedidos depois que seu nome foi citado na grande operação da PF.
As autoridades ofereceram-lhe o Pro Vita, programa de proteção, mas
ele recusou. “Implica em perder sua identidade, além de não mais poder
operar na praça. É um desconforto muito grande. Não posso viver assim.”
Telefonemas anônimos o aterrorizam. Ameaças vêm de todo jeito, a
qualquer hora. “A militância vai cuidar disso”, diz a voz do outro lado.
A casa em Penha (SC), onde morou e mantinha arquivos da Dunel, virou
cinzas em meio a um incêndio provocado, mas nunca esclarecido. No mesmo
dia em que tocaram fogo no imóvel de Penha, ele ouviu ao telefone. “Vão
te matar.”
“Meu plano é ir embora do Brasil. Eu não me sinto seguro”, protesta.
A casa onde reside, em Feliz (RS), é protegida por alarmes em diferentes níveis.
Teme uma emboscada. Ou a bala perdida.
Já são 10 as ações da Lava Jato. Uma delas, por quadrilha e lavagem
de dinheiro, contra Youssef, familiares de Janene e antigos
colaboradores do político. Hermes Magnus não está nesse grupo. Ele é
vítima, atestam os autos. “As pessoas me veem como um bandido que
desertou, mas não é verdade. Eu denunciei tudo, desde 2008. Eu não sou
um deles.”
Rebela-se contra o uso eleitoral da Polícia Federal e os ataques do
PT ao juiz Sérgio Moro, que deflagrou a Lava Jato. “Não há nenhum
interesse político na investigação.”