2020 é última chance de salvar o clima, diz ONU
Por Claudio Angelo, do Observatório do Clima
- terça-feira, 31 outubro 2017 17:55
Derretimento das geleiras na Islândia: Foto: Creative Commons.
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente publicou nesta
terça-feira (31) seu relatório anual sobre o tamanho da dívida climática
da humanidade. A boa notícia é que, aplicando tecnologias já existentes
hoje, o mundo conseguiria chegar a 2030 com grande folga dentro da meta
de estabilizar o aquecimento global em menos de 2
oC, como
recomenda o Acordo de Paris. A má notícia é que um plano global para
aplicar essas tecnologias em larga escala precisa começar a ser
executado daqui a dois anos – e até agora não há o menor sinal de que
isso esteja no horizonte.
O relatório, chamado
Emissions Gap Report, se destina a
medir o tamanho do buraco (“gap”, em inglês) existente entre a ambição
das metas climáticas colocadas na mesa pelos países e a trajetória de
emissões necessária para evitar que a temperatura da Terra atinja níveis
catastróficos neste século.
Há oito anos ele é publicado sempre às vésperas das conferências do
clima da ONU, que acontecem entre novembro e dezembro. E há oito anos a
mensagem é a mesma: o buraco é imenso e, se todos não começarem a
correr, não será possível fechá-lo.
A edição de 2017 mostra que, para ter uma chance maior do que 66% de manter o aquecimento em menos de 2
oC
sem arrebentar a economia global, a humanidade precisa chegar a 2030
emitindo no máximo 42 bilhões de toneladas de gás carbônico (CO2) e
outros gases de efeito estufa. Em 2016 nós emitimos 51,9 bilhões, o que
nos deixa um “buraco” de, no mínimo, 11 bilhões de toneladas de CO2
equivalente em 2030. E isso se todas as metas nacionais (NDCs) do Acordo
de Paris forem cumpridas com régua e compasso. Não parece ser o caso,
dado, por exemplo, que os EUA estão dando para trás no seu compromisso.
Para ter mais de 50% de chance de estabilizar o clima em 1,5
oC,
o “centro da meta” do Acordo de Paris – temperatura acima da qual as
geleiras polares poderiam entrar em colapso rápido, condenando as nações
insulares ao afogamento –, o nível de emissão necessário em 2030 é
menor: 36 bilhões de toneladas. O buraco, portanto, é de pelo menos 16
bilhões.
Para dar ideia do que isso significa, reduzir 11 bilhões de toneladas de CO2 para ficar nos 2
oC equivaleria a zerar emissões de “dois EUA” em 12 anos. Tentar cumprir a meta de 1,5
oC
equivaleria a zerar emissões de uma China e um Brasil. A atual
trajetória de emissões põe a Terra no rumo de um aquecimento de 3,2
oC no fim deste século, segundo o Pnuma.
“Já em 2016, os primeiros artigos científicos apontavam que com os compromissos das NDCs ainda ficaríamos em torno de 3
oC.
Ainda é preciso considerar que muitas propostas, como a brasileira, não
têm ainda detalhamento que assegure que o está lá efetivamente poderá
ser alcançado”, disse ao
OC a ecóloga Mercedes Bustamante, da
Universidade de Brasília, coautora do relatório. “Ou seja, já partimos
devendo e sem muita certeza de que os países irão entregar o que está
nas NDCs.”
A única solução, segundo o relatório, é partir para um aumento
imediato da ambição das NDCs – já em 2020, quando as metas começam a
rodar. O Acordo de Paris prevê esse aumento, mas a negociação
internacional é famosa por ter um grau de pressa bem menor que o da
atmosfera. A primeira conversa sobre o assunto, o chamado “diálogo
facilitativo”, está prevista para o ano que vem. E uma revisão das NDCs
só está programada para ocorrer a partir de 2023. Vários países, como
China e União Europeia, têm suas metas iniciais (fracas) para 2030,
quando em tese a humanidade já reveria ter fechado o buraco de emissões.
A matemática da atmosfera é, portanto, clara: ou bem se aumenta a
ambição coletiva antes do prazo oficial, ou bem tostamos o planeta.
“Perder a opção de revisar as NDCs em 2020 tornaria praticamente impossível fechar o buraco de emissões”, afirmou o Pnuma.
Ferramentas técnicas para isso existem. Pela primeira vez, o
relatório do Pnuma trouxe um cardápio de tecnologias que poderiam ser
aplicadas a custos baixos (ou negativos) para reduzir emissões. Apenas
seis delas – energia eólica, solar, eficiência energética, carros de
passeio eficientes, reflorestamento e fim do desmatamento – seriam
capazes de reduzir de 15 bilhões a 22 bilhões de toneladas de CO
2 equivalente até 2030. É mais do que o mundo precisa para fechar o “gap”.
O problema é que entre saber o que precisa ser feito e fazê-lo há um
fosso mais difícil de transpor do que o de emissões de carbono. Alguns
países desenvolvidos, como os da UE, vêm pressionando pelo aumento da
ambição coletiva para 2020. No entanto, emergentes como o Brasil
insistem, não sem razão, em que não há conversa sobre ambição de corte
de emissões sem uma conversa simultânea sobre ambição do financiamento
climático.
E no topo de um diálogo que já não era simples de equilibrar
sentou-se um elefante: o Partido Republicano dos EUA com Donald Trump. O
presidente americano cortou os aportes de seu país ao Fundo Verde do
Clima e prometeu tirar os EUA do Acordo de Paris, ampliando a percepção
no mundo em desenvolvimento de que alguém chegou ao banquete antes,
comeu toda a lagosta e agora quer empurrar a conta.
A 23
a Conferência do Clima da ONU, que começa na próxima
segunda-feira (6) em Bonn, na Alemanha, será um termômetro do impacto da
retirada dos EUA sobre a confiança internacional. Diplomatas esperam
que Fiji, anfitriã da conferência, apresente um plano para o diálogo
facilitativo de 2018. Será um teste para a determinação do mundo em
acertar as contas com a atmosfera.