Por Peter Moon
- terça-feira, 16 fevereiro 2016 17:51
Rio Tapajós, onde o governo planeja instalar a nova mega-hidrelétrica brasileira.
Foto: Fábio Nascimento/Greenpeace
O consumo de energia elétrica no Brasil caiu 2,1% em 2015, uma
decorrência direta da depressão econômica que o país atravessa.
A queda
foi puxada principalmente pelo recuo do consumo das indústrias (-5,3%),
mas também pelo consumo residencial (-0,7%), segundo a EPE (Empresa de
Pesquisa Energética). Tal desempenho é frontalmente contrário às
estimativas que haviam sido projetadas pela mesma EPE no ano anterior.
Em janeiro de 2014, a empresa contemplava para o período de 2014 a 2023
um crescimento médio anual da demanda total de eletricidade de 4,3%. No
mesmo período, a produção de energia elétrica no Brasil precisaria
crescer 42.600 megawatts, o equivalente a mais de três usinas de Itaipu,
a maior do país. Será mesmo?
É com base nas estimativas da EPE que o governo federal projeta a
ampliação da geração de energia, via hidrelétricas, termelétricas e
parques eólicos. O governo espera construir e colocar em operação 34
novas usinas hidrelétricas até 2030. Destas, 15 seriam instaladas na
Amazônia, todas com elevados custos socioambientais.
As três maiores barragens em fase de construção, licitação ou
projetos, todas na Amazônia, são as usinas de Belo Monte, no rio Xingu;
de São Luiz dos Tapajós, no rio Tapajós; e a usina de Jatobá, também no
Tapajós. Diante do quadro recessivo atual, com perspectivas nada
otimistas para os próximos anos, será que elas ainda são necessárias?
“Faz 20 anos que as projeções do governo para o aumento da demanda
ficam em torno dos 4% ao ano. São projeções exageradas, que jamais se
confirmaram,” afirma Fernando Almeida Prado Jr., especialista em demanda
energética e professor da Escola Politécnica da USP.
Prado enxerga no tombo atual no consumo de eletricidade no país uma
oportunidade para repensar todos os projetos de ampliação de geração de
energia. “É uma chance de o governo se redimir e rever a formulação de
estimativas exageradas. Afinal, qual é a melhor opção de geração
energética para o Brasil? De quanta energia o Brasil precisa?”,
questiona o pesquisador, que publicou com colegas da Universidade da
Flórida um
artigo sobre essas questões no periódico
Renewable and Sustainable Energy Reviews.
Se a demanda energética caiu e permanecerá reduzida nos próximos
anos, a questão é saber quais projetos de usinas podem e devem ser
repensados. O problema aí, como em quase tudo o que diz respeito à
geração de energia, é a oposição entre o que seria estratégico em termos
de segurança energética e o que é ideal do ponto de vista climático e
de conservação.
Para alguns ambientalistas, o ideal seria a suspensão total da
construção de barragens na Amazônia e sua substituição por novos parques
eólicos e solares. Para os formuladores da política energética, o ideal
seria construir usinas que maximizassem a capacidade geradora constante
de eletricidade – a tal “energia firme”, ou geração sem intermitências
relacionadas ao regime de chuvas ou à oscilação no volume dos
reservatórios –, ao mesmo tempo minimizando os custos de construção e de
geração.
Agradar a um só tempo aos ambientalistas e à população
afetada, de um lado, e aos técnicos, burocratas e políticos, do outro, é
uma equação quase insolúvel.
Em relação ao regime militar, quando simplesmente se mandava fechar
as comportas e encher o reservatório, o país avançou. “Hoje seria
impossível construir usinas que provocaram desastres ambientais, como
Balbina, Curuá-Una, Samuel e Tucuruí,” afirma Prado. À exceção da
última, essas usinas têm capacidades questionáveis de geração, e todas
elas alagaram imensas áreas de mata sem o devido manejo florestal.
Décadas depois da formação de seus lagos, milhões de troncos continuam
submersos e em decomposição, liberando gases de efeito estufa como CO
2 e metano.
A polêmica usina de Belo Monte, projetada pelos militares, mas só
agora executada, é um exemplo de como o tamanho final do reservatório e,
por consequência, a energia firme, foram influenciados por fatores
socioambientais. O projeto inicial previa uma usina maior que Itaipu,
com potência de 18 mil megawatts, a ser lastreada por um lago de 1.200
km
2 (300 mil campos de futebol), que inundaria terras indígenas.
O projeto final reduziu o reservatório para 500 km
2
de área inundada (120 mil campos) e potência nominal de 11 mil
megawatts. A potência real a ser entregue, no entanto, será muito menor.
Por operar a “fio d’água”, ou seja, com reservatório reduzido, e
depender da extrema variação sazonal da vazão do Xingu, Belo Monte
produzirá efetivamente 4.500 megawatts em média, 39% da sua capacidade
máxima, ou um terço de Itaipu.
Projeções feitas pelo estudo “Brasil
2040” com base em modelos climáticos do IPCC (Painel Intergovernamental
sobre Mudanças Climáticas) indicam que a entrega de energia poderá ser
ainda menor no meio do século, aproximando Belo Monte do fator de
capacidade (a energia efetivamente gerada) de usinas eólicas. Tudo isto
ao custo de construção de R$ 30 bilhões.
Apesar das alterações do novo projeto, no fim das contas ninguém
ficou satisfeito, nem os ambientalistas, nem os índios e ribeirinhos
afetados pela obra, nem os formuladores da política energética e os
operadores da usina.
Dito isto, será que as lições de Belo Monte estão sendo aplicadas nas
outras três dezenas de usinas que estão em fase de construção,
licitação ou projeto? “É realmente vantajoso para o país a substituição
de uma usina de 18 mil megawatts de capacidade instalada por outra de 11
mil megawatts?”, questiona Prado.
A questão da entrega efetiva de carga pelas usinas é um dos pontos
nos quais Prado mais bate. A diferença entre os 11.000 megawatts
nominais e os 4.500 megawatts efetivos entregues por Belo Monte terá de
ser necessariamente suprida, segundo Prado, por outras fontes na matriz
energética brasileira.
A fonte ideal seria a eólica. Mas, segundo Prado, é uma fonte
intermitente, que depende da constância e da quantidade dos ventos. “Na
prática, a falta da carga de Belo Monte recairá sobre as termelétricas,
cujo custo de geração é altíssimo, bem como o peso no bolso dos
consumidores.” Sem falar no custo ambiental, devido à liberação de gases
do efeito estufa, que no caso das termelétricas é proporcionalmente
muito maior do que o liberado pelas hidrelétricas.
“Isto não é verdade. Há estudos que mostram que o potencial de
geração de energia eólica no Brasil é muito maior do que o potencial de
geração de novas hidrelétricas,” discorda o ecologista Philip Fearnside,
pesquisador do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas) e
crítico histórico das grandes hidrelétricas na região. “O Brasil têm um
litoral enorme e o vento que vem do oceano é constante, sobretudo se as
torres forem muito altas.”
A energia solar também é uma opção, no caso específico do Nordeste.
“O problema são as nuvens. Há no Nordeste regiões com baixa
produtividade [agrícola], muita insolação e poucas nuvens. São locais
ideais para a instalação de grandes plantas de energia solar.”
Ricardo Baitelo, coordenador de clima e energia do Greenpeace, também
discorda da necessidade do uso de térmicas para suprir a demanda não
atendida por Belo Monte. “O Brasil precisa ser mais ambicioso na
produção e uso das energias alternativas,” afirma. “O custo da geração
de energia eólica e solar caiu muito, e ainda temos as térmicas de
biomassa, que usam bagaço de cana e cuja geração não é intermitente, mas
constante.”
Graças à queda no consumo de energia, que segundo Baitelo jogou para
2020 a demanda de energia antes esperada para 2017, abriu-se uma janela
de oportunidade de cinco anos. Portanto, ainda há tempo de repensar a
necessidade de futuras usinas. Mas quais projetos deveriam ser
reavaliados? Segundo ele, as duas maiores barragens que estão em projeto
ficam no rio Tapajós: São Luiz e Jatobá.
A usina de São Luiz do Tapajós, prevista em tese para entrar em
operação em 2021 e que o governo quer leiloar ainda neste ano, poderá
inundar 700 km
2 de floresta (quase meia cidade de São Paulo)
para gerar 8.000 megawatts nominais. Jatobá, que em tese seria ligada em
2023, poderá inundará 650 km
2 para gerar 2.300 megawatts nominais. Ambos os lagos são maiores que o de Belo Monte. Uma
análise do Ipam, divulgada em dezembro durante a COP21, prevê que o desmatamento na bacia do Tapajós pode subir 25% com as obras.
Vale a pena? “As usinas de São Luiz e Jatobá deveriam ser mais
amplamente discutidas e reavaliadas. São obras muito grandes e que
merecem maior atenção da sociedade,” diz Prado. Ainda há tempo para
isso.