Reinaldo Azevedo
Análises políticas em um dos blogs mais acessados do Brasil
08/02/2014
às 6:35Chegou a hora: ou se levanta ou segue de joelhos e se rende
A imprensa
está sob censura. Não é mais aquela ditada por um regime de força. Não é
a censura institucional. Não é a censura determinada por um governo
tirano. A imprensa está sob a censura de milicianos que se organizam nas
redes sociais. Repórteres, hoje em dia, veem, mas já não enxergam. O
jornalismo chega a uma encruzilhada. Vai para que lado? Continua a
buscar a verdade ou segue uma agenda ditada pelo alarido das redes
sociais, que, por sua vez, têm “donos” e centros de irradiação de
boatos?
O Jornal
Nacional fez nesta sexta um ótimo e detalhado trabalho de reportagem,
demonstrando que estava errado aquele repórter da GloboNews que afirmou
que o artefato que atingira o cinegrafista Santiago Andrade, da Band,
tinha partido da polícia. Não! Por A + B, evidenciou-se que não. A
simples análise das fotos ainda na quinta à noite já dizia o óbvio. Mas
não vou me estender sobre esse particular, sobre o qual já escrevi
bastante. Eu quero é falar da encruzilhada. Eu quero é falar sobre rumo.
O JN
entrevistou, e acertou ao fazê-lo, o fotógrafo que fez uma sequência de
imagens que deixava claro que Andrade fora vítima de um morteiro —
provavelmente adaptado para a circunstância —, armado a coisa de um
metro e meio ou dois de onde ele se encontrava com a sua câmera. Mais do
que registrar, ele testemunhou o ocorrido. Não posso assegurar, mas me
parece certo que o rapaz não é um amador. A fala, alguns jargões, tudo,
enfim, sugere que ele é um profissional da área — da imprensa. Ainda que
não exerça formalmente uma função no setor, isso não muda a essência do
que vou escrever aqui.
Vejam a
reportagem se não viram. Ele aceitou falar desde que não mostrasse a
cara; desde que seu nome não fosse divulgado; desde que pudesse
permanecer no anonimato, com aquela imagem em alto contraste e a voz
distorcida. Por quê? Porque ele está com medo. Medo de quem? De bandidos
que são candidamente chamados pela nossa imprensa de “manifestantes”. A imprensa, que existe para revelar, hoje tem de se esconder.
E tem de
se esconder também nas ruas, não canso de observar isso. Repórteres já
não podem se identificar nem deixar claro para que veículos trabalham.
Têm de se fantasiar de discípulos do Capilé para não serem linchados por
vândalos, por criminosos mascarados, por vagabundos que se arvoram em
donos da verdade e estão convictos de que os jornalistas estão nas ruas
para mentir.
ENTENDAM
BEM: O FOTÓGRAFO QUE DOCUMENTOU UM CRIME, QUE TESTEMUNHOU UM ATO
IMPRESSIONANTE DE VIOLÊNCIA, TEM DE SE ESCONDER. E DE QUEM ELE SE
ESCONDE?
Da ditadura?
Da governo?
Do poder?
Não! Ele se esconde é dessa corja de extremistas, de minoritários, de fascistoides.
É incrível!
Releio os textos que escrevi a respeito do
assunto de junho para cá. Sei o quanto apanhei até de alguns leitores
fiéis, que achavam que eu não estava entendendo o que estava em curso.
Ouso dizer, com a modéstia de que sou capaz (e, vá lá, não é a minha
característica mais saliente, eu sei), que eu estava entendendo tudo,
sim. Desde o princípio.
O que nós,
da imprensa, ganhamos ao chamar de pacíficos os violentos? O que nós,
da imprensa, ganhamos ao negar o caráter autoritário de certas
manifestações? O que nós, da imprensa, ganhamos ao satanizar a polícia
quando ela acerta e quanto ela erra? O que nós, da imprensa, ganhamos ao
afirmar que os manifestantes é que reagem com paus, pedras e coquetéis
molotov às bombas da polícia quando, na esmagadora maioria das vezes,
acontece o contrário? Mas essas perguntas ainda não são boas. Há uma
melhor: O QUE A POPULAÇÃO DO BRASIL GANHA COM ISSO? E há uma pergunta
ainda mais pertinente: O QUE A VERDADE GANHA COM ISSO?
Apanhei
Sim, eu apanhei na rua — e outros tantos
também (por isso, inclusive, conheço de perto bomba de gás e bomba de
efeito moral) — foi para poder dizer o que penso e o que considero
verdade MOSTRANDO A MINHA CARA, não para ter de me esconder de
mascarados asquerosos, protegidos pelas babás de terno da OAB do Rio.
Boa parte
dos que temos certa idade — estou com 52 — corremos riscos, uns mais,
outros menos, para que a imprensa pudesse ser livre, não tendo de se
submeter a ninguém, nem a essas milícias.
Os tempos
que vivemos são tão cinzentos em certos aspectos que as pessoas, mesmo
eventualmente de boa-fé, não se dão conta quando dizem barbaridades. O
fotógrafo que concedeu a entrevista ao JN presta um serviço à verdade,
mas como eu poderia ignorar este trecho da sua fala (prestem atenção ao
destaque)?
“E reparei
que nessa hora eu vi um homem com um lenço no rosto preto, calça jeans,
com uma camisa cinza, arriado, tentando acender um artefato, um
foguete, um foguetezinho, nesse momento. Quando eu levantei a câmera pra
fazer essa foto, o homem conseguiu acender esse artefato e saiu
correndo. Logo em seguida, esse morteiro disparou e atingiu o nosso
companheiro cinegrafista. Eu vi que naquele momento o homem na
verdade, ele estava tentando, ele posicionou o artefato em direção aos
policiais. Mas, infelizmente, pegou no nosso companheiro.”
Talvez ele
não tenha querido dizer o que acabou dizendo, mas o fato é que disse.
Era para os policiais, mas acabou dando errado, infelizmente… Eu me
obrigo a lembrar que policiais também são pais, maridos, filhos, irmãos,
namorados… Também têm família. Mesmo quem está a serviço da verdade, em
alguma medida, parece ver com naturalidade que um canalha possa armar
um artefato contra policiais. Se um PM estivesse no lugar de Andrade,
também seria “infelizmente”?
Há mais
coisas aí. Eu ainda nem chamei Franklin Martins para essa conversa, o
homem que vai cuidar da área de imprensa da campanha de Dilma Rousseff à
reeleição. Ainda não chamei os blogs sujos, financiados por estatais.
Ainda não chamei a súcia que estimula, direta ou indiretamente, a
agressão a jornalistas. Vai ficar para outro texto.
Encerro
este post reiterando: os veículos de comunicação e os jornalistas nunca
foram tão livres do ponto de vista legal e institucional. E raramente
estiveram sob tamanha censura. E o pior inimigo da imprensa livre é o
medo, aquele medo que chega a escorrer das notas oficiais de entidades
de jornalistas e de empresas ao se referir ao caso e, covardemente, se
negar a identificar o grupo agressor.
Chegou a
hora: ou a imprensa se levanta e se compromete com os fatos ou segue de
joelhos e se rende de vez a seus algozes. Não há Alternativa C.