Embora o capitalismo tenha produzido um desenvolvimento sem precedentes,
esse mesmo motor está agora nos conduzindo em direção ao colapso
ecológico, ameaçando destroçar-nos a todos. A economia capitalista de
Adam Smith não pode oferecer solução para a crise porque a crise é o
produto da própria dinâmica de produção movida pela competição por
mercado que gera a crescente acumulação de riqueza e consumo, celebrada
pelos economistas smithianos.
Em seu livro “O Futuro do Capitalismo”, de
1996, Lester Thurow lucidamente captou o impaCapitalismoVerdecto
socialmente suicida de transferir as decisões econômica aos indivíduos:
“Em nenhum outro aspecto da vida, o horizonte de tempo do capitalismo é
um problema mais agudo do que na área do ambiente global… O que poderia
fazer uma sociedade capitalista sobre problemas ambientais de longo
prazo, como o aquecimento global ou a redução da Camada de Ozônio?…
Usando as normas de resolução do capitalismo, a resposta ao que deveria
ser feito hoje para prevenir tais problemas é muito clara – não fazer
nada.
Por maiores que possam ser os efeitos negativos, daqui a cinquenta
ou cem anos, o preço que se paga por provocá-los, no presente, é zero.
Se o valor corrente das consequências negativas futuras é zero, então,
segundo a lógica econômica vigente, nada deveria ser gasto hoje para
prevenir que emerjam aqueles problemas distantes.
Mas se os efeitos
negativos forem muito grandes daqui a cinquenta ou cem anos, então será
tarde demais para fazer qualquer coisa capaz de melhorar a situação, já
que qualquer coisa a ser feita naquele tempo poderia somente melhorar a
situação num futuro distante, de cinquenta ou cem anos. De modo que, se
forem bons capitalistas, os que viverem no futuro também decidirão não
fazer nada, não importa quão graves sejam seus problemas.
Finalmente,
chegará uma geração que não poderá sobreviver no ambiente alterado da
Terra – mas a essa altura será muito tarde para fazerem qualquer coisa e
prevenir sua própria extinção. Cada geração toma boas decisões
capitalistas, embora o efeito em rede seja o suicídio social coletivo.”
Lester Thurow, quase sozinho entre os economistas mainstream, reconhece
essa contradição fatal do capitalismo – embora ele não seja
anticapitalista e tenha escrito o livro do qual foi retirado o trecho
acima na esperança de encontrar um futuro para o sistema. Até muito
recentemente, os livros didáticos padrão de economia ignoravam
completamente o problema ambiental.
Ainda hoje, as obras padrão de
teoria econômica não fazem quase nenhuma menção a meio ambiente ou
ecologia e virtualmente nenhuma consideração séria sobre o problema.
Isso reflete a crescente virada para a direita da ciência econômica,
desde os anos 1970. Em países como os Estados Unidos, a profissão de
economista abandonou desde então a prática do pensamento científico
crítico de visões dissidentes.
Hoje, um dogma religioso “neoliberal”
neo-totalitário domina a disciplina. O keynesianismo, o velho
liberalismo, para não mencionar o marxismo, são todos desprezados como
incuravelmente antiquados; a economia ecológica é suspeita e
aconselha-se o estudante de graduação prudente a manter-se longe de tais
interesses, se deseja encontrar um emprego. Como propôs Francis
Fukuyama nos anos 1990, depois do colapso do comunismo, a história teria
atingido seu apogeu no capitalismo de livre mercado e democracia
liberal.
A ciência da economia, declarou Fukuyama, foi estabelecida com o
feito de Adam Smith. O futuro traria não mais do que “ajustes técnicos
infinitos”. Nenhum outro pensamento teórico seria necessário ou
precisaria ser solicitado.
Teologia econômica e negação da realidade
Para os economistas que seguem de Adam Smith, a noção de que há, ou
deveria haver, limites ao crescimento econômico é quase impensável.
Porque admitir que crescimento é um problema seria permitir uma
rachadura fatal em todo o sistema e abriria portas para um desafio a
partir da esquerda.
Apesar de suas importantes divergências, os
economistas smithianos, ainda filiam-se, todos, a uma mesma religião: a
do “Não é Possível Parar de Comprar”.
Adoram os mesmos ídolos – o
crescimento e o consumo. Na extrema direita, os fundamentalistas de
mercado como Milton Friedman, Gary Becker e adeptos da escola de Chicago
simplesmente negam que haja qualquer problema ambiental – para eles,
certamente não é nada que o mercado não possa resolver.
Numa entrevista
de 1991, Milton Friedman tentou ridicularizar os ambientalistas com sua
acidez característica: “O movimento ambientalista é composto de duas
partes muito distintas. Uma é formada pelos grupos de conservação
tradicionais, que desejam proteger recursos. A outra é um grupo de
pessoas que não estão fundamentalmente interessadas em poluição. São
somente anticapitalistas de longo prazo, que aproveitarão cada
oportunidade para destruir o sistema capitalista e a economia de
mercado.
Costumavam ser comunistas ou socialistas, mas a história foi
ingrata com eles e agora tudo o que podem fazer é reclamar da poluição.
Mas sem a moderna tecnologia, a poluição seria muito pior. A poluição
dos cavalos foi muito pior do que a dos automóveis. Se você ler
descrições das ruas de Nova York no século dezenove…”
E em sua arenga sado-econômica, Free to Choose (“Livres para escolher”),
o agressivo anticomunista queixou-se de que: “quaisquer que fossem seus
objetivos declarados, todos os movimentos das últimas duas décadas – o
movimento dos consumidores, o dos ambientalistas, o que propõe o retorno
à terra, o que defende a vida selvagem, os hippies, os que não querem o
crescimento da população humana, o “small is beautiful”, os
anti-nucleares – tiveram sempre algo em comum. Eles opuseram-se a mais
desenvolvimento, à inovação industrial, ao uso ampliado dos recursos
naturais. Em resposta a estes movimentos, as agências reguladoras
impuseram medidas de alto custo para cada vez mais ramos da produção”…
O negacionismo caipira de Friedman modela, há muito tempo, a extrema
direita da teologia econômica, mas sua afirmação confiante de que o
crescimento infinito é sustentável é compartilhada por todo o espectro
dos economistas mainstrem, ainda que com nuances. Se examinarmos a
extrema esquerda do pensamento econômico “aceitável” – por exemplo, Paul
Krugman –, encontraremos o mesmo mantra segundo o qual “não se pode
interromper o progresso”. Em sua coluna no New York Times, Krugman
especula “se não há algo maníaco no ritmo de acumulação – e, sobretudo
consumo – de riquezas, nos Estados Unidos fin de siècle:
“Mas há um
argumento muito poderoso a lançar, em favor do recente consumismo
norte-americano: o de que ele pode não ser bom para os consumidores, mas
é útil aos produtores. Consumir pode não produzir felicidade – mas cria
empregos, e o desemprego é muito eficiente na criação de miséria. É
melhor ter consumidores maníacos, no estilo dos Estados Unidos, do que
os consumidores depressivos do Japão.
Há um forte elemento de disputa
entre ratos, no boom econômico dos EUA, impulsionado por consumo, mas
são estes ratos disputando em suas gaiolas que mantêm as rodas do
comércio em movimento. E embora seja uma vergonha que os
norte-americanos continuem a competir sobre quem é capaz de possuir mais
brinquedos, o pior de tudo seria a interrupção abrupta de tal
competição.”
Krugman é um economista brilhante, mas as premissas smithnianas de sua
estrutura teórica não lhe permitem enxergar que podemos não ter mais
recursos para produzir todos estes brinquedos.
Aqui está a questão: o crescimento insaciável e o consumo estão
destruindo o planeta e condenarão a humanidade a longo prazo – mas sem
crescimento incessante da produção e aumento insaciável do consumo,
teríamos colapso, no curto prazo.
Quem se importa pelo Bem Comum
A teoria econômica de Adam Smith é uma ideia cujo tempo passou. A
especialização, a ausência de planejamento, a produção anárquica para o
mercado, o pensamento focado na maximização dos lucros, às custas de
quaisquer outras considerações, foram um motor que gerou enormes avanços
na produtividade industrial e agrícola – e também a maior acumulação de
riquezas a que o mundo já assistiu.
Mas o mesmo motor do
desenvolvimento, agora imensamente maior e funcionando a todo vapor,
está hiperdesenvolvendo a economia do mundo, sobreconsumindo os
recursos, envenenando as águas e a atmosfera com contaminação e
aquecimento e conduzindo-nos ao abismo do colapso econômico – ou da
simples extinção. O erro fatal de Adam Smith – fatal para nós – foi sua
ideia segundo a qual o meio “mais efetivo” de promover o interesse
público, o bem comum da sociedade, é simplesmente ignorá-lo e confiar
exclusivamente na busca dos interesses egoísticos individuais.
Em relação ao interesse público na riqueza econômica da sociedade, Smith
afirmava que o mercado automaticamente produziria “opulência universal,
que se estende às camadas mais baixas do povo”, já que “uma abundância
geral difunde-se por todos os níveis da sociedade”. Dificilmente esta
tese poderia mostrar-se mais equivocada.
Mais de 200 anos depois, o
desenvolvimento do capitalismo global produziu a sociedade de
desigualdade mais obscena da História, com metade da população mundial
vivendo com menos de dois dólares por dia, bilhões submersos em miséria
desesperadora – muitas vezes mais que toda a população da Terra ao tempo
de Smith – e uma minúscula elite global, algumas poucas centenas de
indivíduos, concentrando uma fatia cada vez maior da riqueza do mundo e
esbanjando-se numa riqueza nunca antes imaginada.
Este fracasso
assustador de previsão científica deveria ser suficiente para ter
ridicularizado a teoria econômica de Smith há muito. Isso
inevitavelmente ocorreria nas ciências naturais, diante de equívoco
comparável.
No que diz respeito ao interesse público por preocupações sociais mais
amplas, que incluem hoje o ambiente, a filosofia de Smith, baseada no
individualismo como meio para maximizar o interesse público – o bem
comum da sociedade – é, além de um completo equívoco, um convite ao
suicídio.
E está em total confronto com os cientistas e corpos
científicos de todo o mundo, que pedem um plano – um plano para
interromper o aquecimento global, para salvar as florestas e oceanos,
para descontaminar o Planeta, salvar milhares de espécies da extinção
etc. Mas os economistas capitalistas – mesmos os mais humanos, como Paul
Krugman e Joseph Stiglitz – são hostis à ideia de planejamento
econômico.
As corporações não são necessariamente más. Mas o problema é que as
decisões críticas que afetam o ambiente – divisões sobre o que e quanto
produzir, sobre o consumo dos recursos, sobre a poluição – não estão
hoje nem nas mãos da sociedade, nem nas dos governos. Estão em mãos
privadas, principalmente a das grandes corporações. A partir da lógica
que os orienta, os executivos não têm outra escolha, exceto tomar
decisões sistematicamente erradas.
No tempo de Adam Smith, isso não
importava tanto, porque as empresas eram muito pequenas e suas ações
tinham pouco impacto sobre a natureza. Mas hoje, quando enormes
corporações têm o poder, a tecnologia e todo incentivo para derreter as
camadas de gelo, este tema importa. Deixar a economia global nas mãos
das corporações privadas, sujeitas às demandas do mercado, é o caminho
para o eco-suicídio coletivo. (Eco21/ #Envolverde)
* Richard Smith é historiador econômico. Escreve no The Ecologist,
Journal of Ecological Economics, New Left Review, e outras publicações. –
Tradução: Inês Castilho e Antonio Martins.
Fonte: Envolverde