sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Unidades de Conservação em Áreas Urbanas.Legislação.

Resumo

A Constituição da República Federativa do Brasil determinou a obrigatoriedade ao Poder Público de instituir, em toda unidade da federação, espaços territorialmente protegidos. Os Municípios, no momento de criação de suas Unidades de Conservação, deverão observar as normas federais e estaduais pertinentes ao tema, e as regras determinadas pelo Estatuto da Cidade e por seu Plano Diretor. Esta tese analisa a criação, por meio do Plano Diretor Municipal, das Unidades de Conservação na zona urbana de Palmas-TO e a efetividade destas áreas na proteção da biodiversidade local.

1. Introdução

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 - CF, acompanhando a preocupação mundial com a preservação do meio ambiente, proclamou um artigo exclusivo à sua proteção, preconizando que todos "têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações." [01]
Acrescentando ainda ser incumbência do Poder Público "preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas, preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;  definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; (...) proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade." [02]
Subtrai-se da norma constitucional que a sadia qualidade de vida é indissociável ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, não podendo existir sem este.
Meio ambiente, por sua vez, pode ser definido à luz da Lei Federal n.º 6.938, de 31.08.1981, que institui a Política Nacional de Meio Ambiente, como "o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas".
A Constituição ao estabelecer ser obrigação, e não direito, do Poder Público, como um todo, definir nas unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, criou para a União, os Estados e os Municípios a obrigação de instituir estes espaços.
A Lei, 9.985, de 18 de julho de 2000 regulamentou o art. 225, § 1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, criando o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC. Esta norma definiu Unidade de Conservação como "espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção." [03] Determinando ainda, que todos os entes da federação poderão criar suas Unidades de Conservação, ressaltando que se esta for criada pela União, denominar-se-á nacional, se pelos Estados, estadual, e finalmente, se criada pelos municípios, municipal.
Esta tese pretende analisar a criação das Unidades de Conservação, pelo Poder Público Municipal, observando-se o estabelecido no Estatuto das Cidades e especialmente a criação destes espaços em conformidade com o Plano Diretor do município de Palmas, no Estado do Tocantins.

2. Competência Municipal para legislar sobre o Meio Ambiente

Os Municípios foram elevados à categoria de ente político a partir da Constituição da República Federativa do Brasil, em 05 de outubro de 1988 [04], neste contexto, passaram a possuir competências e atribuições próprias.
Esta carta determinou ser competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, ou seja, um dever de todos que integram a estrutura federativa brasileira [05]; proteger as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos, proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas. Portanto, cabe a todos os entes da federação, a implantação e execução da política ambiental, sendo todos responsáveis pela fiscalização de seu cumprimento.
Quanto aos poderes para legislar sobre a questão ambiental, a CF estabeleceu ser competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal expedir normas sobre a proteção ao meio ambiente, o controle da poluição, o patrimônio paisagístico, a responsabilidade por dano ao meio ambiente e a direitos turísticos e paisagísticos. [06] Em relação a estas matérias, à União limitar-se-á a estabelecer normas gerais, em caso de sua inércia, caberá aos Estados e ao Distrito Federal suplementar a União e legislar, observando-se que, caso futuramente seja expedida norma geral pela União, as normas elaboradas terão a sua eficácia suspensa no que contrariarem a lei federal. Em todos os casos caberá aos Estados suplementar a norma geral. [07]
Aos Municípios restou configurada ser competência exclusiva as elencadas no Art. 30 da CF: "I - legislar sobre assuntos de interesse local;II- suplementar a legislação federal e a estadual no que couber(...); VIII- promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano"
Diante da divisão espacial da organização político administrativa da República Federativa do Brasil, estabelecida pela CF, caberá ao Município, havendo normas da União e dos Estados disciplinado uma matéria, suplementar, em seu âmbito (no interesse local), o que ainda não foi disciplinado por aquelas, devendo, desta forma, adequar-se às normas vigentes, podendo, todavia, estabelecer regras mais restritivas. Por exemplo, o Município é competente para legislar, determinando as regras que utilizará para autorizar e/ou licenciar a construção de prédios residenciais, não podendo o Estado manifestar-se sobre este tema, contudo, se é interesse municipal construir uma avenida que interfira em uma Área de Preservação Permanente evidentemente não se aplicará somente a legislação municipal, deverá o município observar a legislação federal e estadual sobre o tema.

3. Espaços Territorialmente Protegidos no Brasil

A legislação pátria estabelece três espécies de espaços territorialmente protegidos, na acepção do art. 225§ 1º, III, da Constituição Federal; as Áreas de Preservação Permanente, a Área de Reserva Legal e as Unidades de Conservação.
As Áreas de Preservação Permanente e a Área de Reserva Legal (florestal) estão disciplinadas pelo Código Florestal, Lei nº 4.771, de 15/09/65, diante das alterações advindas da Lei 7.803, de 18/07/1989, sendo seus escopos a conservação da fauna e da flora original de uma determinada região, no intuito de que esta cumpra a sua função ambiental.
As Áreas de Preservação Permanente – APP são áreas protegidas, cobertas ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo genético de fauna e de flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações humanas. [08] Estas áreas também poderão situar-se nas cidades, (§ único, do art. 2º, do Código Florestal, acrescido pela Lei nº 7.803/89), compreendidas nos perímetros urbanos, nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas e deverão estar disciplinadas nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo. Ressalta-se que estas normas deverão respeitar os princípios e limites mencionados na norma geral, ou seja, o município poderá legislar sobre a fixação destas áreas, todavia nunca em limite inferior ao estabelecido no Código Florestal.
Subtrai-se da norma, que na maioria dos casos a intenção do legislador, ao criar as Áreas de Preservação Permanente, não é de tutelar especificamente a vegetação, mais sim outros recursos naturais. Neste contexto, estas áreas são espaços territoriais especialmente protegidos, de proteção integral, que não podem ser exploradas, que somente podem ser alteradas ou suprimidas por uma lei e quando for necessária a execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social. [09]
O Código Florestal criou duas formas de APP, seu art. 2º fixa quais espaços territoriais são obrigatoriamente protegidos, e o art. 3º as APPs administrativas, ou seja, que serão criadas por atos administrativos. [10]
Resta claro, que o art. 2º, da norma mencionada, tem por objetivo a mediata proteção da água e da qualidade do solo, visando garantir os recursos hídricos e evitar a erosão que pode ocorrer, caso a vegetação localizada em certas áreas seja retirada. Já as APPs administrativas são aquelas que serão delimitadas, demarcadas e declaradas de proteção pela administração pública, por ato específico, quando se julgar necessário.
A Área de Reserva Legal - ARL segundo conceituado pelo Código Florestal, com as alterações advindas da MP 2166-67, é a "localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas." [11]
Este instrumento prevê a proteção de amostras/fragmentos territoriais visando à conservação da fauna e da flora local. A porcentagem da propriedade a ser destinada à fixação de ARL dependerá do local onde se encontra o imóvel rural, podendo variar de 20 a 80% de toda área.
A terceira categoria de áreas protegidas são as Unidades de Conservação, disciplinadas pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, Lei 9.985, de 18 de julho de 2000. Estas são divididas em unidades de conservação de proteção integral e de uso sustentável.

4. Os Sistemas de Unidade de Conservação da Natureza

A Lei nº 9.985/00 regulamentou os incisos I, II e III, art. 225, parágrafo 1° da CF, instituindo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC.
Conceitua-se Unidade de Conservação - UC, como área a ser instituída em propriedade pública ou particular, protegida de "forma permanente, em caráter de perpetuidade ou perenidade absoluta, sendo vedada qualquer alteração de seus objetivos, princípios limites ou finalidades, por parte de proprietários ou de seus sucessores a qualquer título, em razão do vínculo juridicamente perenizado de sua função ecológica indispensável ao equilíbrio ecológico dos ecossistemas ali integrantes justificador da contínua proteção constitucional e legalmente assegurada no interesse das presentes e futuras gerações." [12]

4.1 O Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC

O SNUC estabelece os critérios e as normas para a criação, implantação e gestão das Unidades de Conservação, dividindo-as em dois tipos: as de proteção integral: [13] Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque Nacional, Monumento Natural e Refúgio da Vida Silvestre e as de uso sustentável: [14] Área de Proteção Ambiental – APA, Área de Relevante Interesse Ecológico – ARIE, Floresta Nacional – FLONA, Reserva Extrativista – RESEX, Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN. [15]
Este Sistema é constituído por todas as UCs independentemente do ente que a tenha criado (poderão ser federais, estaduais ou municipais), e tem por objetivo:
"I- contribuir para a manutenção da diversidade biológica e dos recursos genéticos no território nacional e nas águas jurisdicionais;
II- proteger as espécies ameaçadas de extinção no âmbito regional e nacional;
III- contribuir para a preservação e a restauração da diversidade de ecossistemas naturais;
IV- promover o desenvolvimento sustentável a partir dos recursos naturais;
V- promover a utilização dos princípios e das práticas de conservação da natureza no processo de desenvolvimento;
VI- proteger paisagens naturais ou pouco alteradas de notável beleza cênica;
VII- proteger as características relevantes de natureza geológica, geomorfológica, espeleológica, arqueológica, paleontológica e cultural;
VIII- proteger e recuperar recursos hídricos e edáficos;
IX- recuperar ou restaurar ecossistemas degradados;
X- proporcionar meios e incentivos para atividades de pesquisa científica, estudos e monitoramento ambiental;
XI- valorizar econômica e socialmente a diversidade biológica;
XII- favorecer condições e promover a educação e interpretação ambiental, a recreação em contato com a natureza e o turismo ecológico;
XIII- proteger os recursos naturais necessários à subsistência de populações tradicionais, respeitando e valorizando seu conhecimento e sua cultura e promovedoras social e economicamente." [16]
Enquanto instrumento de intervenção ambiental, as unidades de conservação, se instituídas como determinam as normas ambientais, podem muito contribuir na redução progressiva dos abusos na exploração dos recursos naturais e do meio ambiente como um todo.
O SNUC prevê em seu art. 6º, parágrafo único, que poderão integrá-lo as "unidades de conservação estaduais e municipais que, concebidas para atender a peculiaridades regionais ou locais, possuam objetivos de manejo que não possam ser satisfatoriamente atendidos por nenhuma categoria prevista nesta Lei e cujas características permitam, em relação a estas, uma clara distinção." Assim, após a realização de estudos específicos, os Estados e/ou os Municípios poderão criar outras Unidades de Conservação, além das definidas no SNUC, no intuito de atender especificidades locais.

4.2 O Sistema Estadual de Unidades de Conservação da Natureza – SEUC

Os Estados poderão elaborar seus próprios Sistemas de Unidades de Conservação. No Estado do Tocantins, o Sistema Estadual de Unidades de Conservação da Natureza - SEUC, foi instituído pela Lei n° 1.560, de 5 de abril de 2005, que estabeleceu os critérios e normas para a criação, implantação e gestão das unidades que o constituem, no âmbito do Estado e dos Municípios que o compõe. Acrescendo, ainda, que antes da criação de uma UC é necessária, além da consulta pública, a realização de estudos técnicos, científicos e socioeconômicos que identifiquem a localização, a dimensão e os limites mais adequados para a unidade, [17] instrumentos estes que embasarão o ato de criação da UC, que conterá a categoria de manejo, o órgão executor, os objetivos da Unidade e o memorial descritivo indicando os limites georeferenciados de acordo com o Sistema Geodésico Brasileiro.
O SEUC, seguindo a norma geral, classifica as UCs em Unidades de Proteção Integral e em Unidades de Uso Sustentável. O Sistema tocantinense diferencia-se do nacional, no âmbito das UCs de proteção integral, ao não prever a criação de Reservas Biológicas; e no âmbito das UCs de uso sustentável, ao não prever a criação de floresta nacional, e ao criar as categorias: Rio Cênico e Estrada Parque, atendendo as peculiaridades locais. [18]
Esta norma determina como áreas prioritárias, para fins de criação das unidades de conservação, aquelas: "I- previstas pela Constituição Estadual; II- que contiverem ecossistemas ainda não satisfatoriamente representados no SEUC; III- onde se constatar situação de iminente perigo de eliminação ou degradação dos ecossistemas; IV- onde ocorrem espécies endêmicas, raras, vulneráveis ou ameaçadas de extinção; V- necessárias à proteção de recursos hídricos e à formação de corredores ecológicos." [19]

4.3 O Sistema Municipal de Unidades de Conservação da Natureza - SMUC

No âmbito Municipal poderá ser criado o Sistema Municipal de Unidades de Conservação da Natureza - SMUC, esta norma disciplinará a criação de UCs nos Municípios, devendo buscar seus fundamentos no SNUC e no SEUC, podendo, todavia, diante de características e necessidades locais criar outras modalidades de UCs.

5. Estatuto da Cidade e o Plano Diretor Municipal

Os impactos decorrentes da degradação ambiental vêm crescendo de forma significativa, consequentemente os desastres naturais estão cada vez mais freqüentes. Na zona urbana, o crescimento demográfico em grande escala, decorrente da ocupação migratória populacional desorganizada, originada pela busca de melhores condições de vida, moradia, saúde e emprego, têm agravado estes impactos, ocasionando a ocupação irracional do solo, o que eleva expressivamente, os custos sociais, econômicos e ambientais dos Municípios.
Neste contexto o Poder Público, preocupado em reverter, ou pelo menos conter este quadro, expediu a Lei nº 10.257, em 10/07/2001, denominada Estatuto da Cidade. Em vigor desde o dia 10 de outubro de 2001, o Estatuto regulamenta o art. 182 da Constituição Federal de 1988, fixando importantes princípios básicos [20] que passaram a nortear as ações da política urbana, sendo um dos mais relevantes a função social da cidade.
O instrumento fundamental para a organização municipal, previsto no Estatuto da Cidade, é o Plano Diretor. Este Plano foi criado pelo art. 182 da CF, que determinou suas diretrizes mínimas e estabeleceu sua obrigatoriedade para as cidades com população superior a 20.000 habitantes. Posteriormente, ao regulamentar o texto constitucional, o Estatuto da Cidade preconizou as demais diretrizes necessárias à sua consecução, tendo inclusive ampliado o rol de cidades que são obrigadas a implementá-lo.
O Plano Diretor [21] é, portanto, um conjunto de normas obrigatórias, elaborado por lei municipal específica, integrando o processo de planejamento municipal, que regula as atividades e os empreendimentos, do próprio Poder Público Municipal e das pessoas físicas ou jurídicas, de Direito Privado ou Público, a serem levados a efeito no território municipal, são diretrizes técnicas para o desenvolvimento global do espaço territorial municipal, que atuará como instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana,
O Estatuto da Cidade relaciona, ainda, dentre os instrumentos de indução de desenvolvimento urbano, a instituição de UCs no âmbito municipal. Assim, por esta norma, deverá o município criar Unidades de Conservação locais, obedecendo, contudo, para a criação, implantação e gestão destas áreas, o determinado pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC e pelo Sistema Estadual de Unidades de Conservação da Natureza – SEUC. Para se tornarem unidades de conservação, as áreas protegidas pelos municípios necessitam ser criadas por lei ou decreto próprio, procedimento este posterior à realização de estudos para definir se a área apresenta relevante interesse ambiental.
Ao determinar a observância do equilíbrio ambiental na aplicação de todos seus instrumentos, restou aos Municípios, no momento de elaboração de toda e qualquer política urbana, a obrigatoriedade da observância das normas ambientais, tanto de vedação ou minoração de efeitos negativos sobre o meio ambiente, quanto da proteção, preservação e recuperação deste. [22]
Assim, caberá ao Plano Diretor regulamentar a política urbana municipal, observando-se, que ao suplementar a legislação federal e estadual, ou regulamentar assuntos de interesses locais, os Municípios não podem contrariá-las, pois são estas que concedem o próprio fundamento de validade das leis municipais. [23] Desta forma, o fundamento de validade do Plano Diretor é o Estatuto da Cidade, o qual impõe a compatibilidade vertical entre os planos nacionais, regionais e municipais de ordenamento do solo e de desenvolvimento econômico e social. [24] Os "interesses locais" municipais não podem, portanto, contradizer o determinado pela Constituição, que garante como direito difuso, transgeracional, o acesso a um ambiente sadio e de qualidade.
A elaboração do Plano Diretor deve levar em conta todos os objetos previstos no art. 2º do Estatuto da Cidade, devendo o município observar o ecossistema no qual está inserido e principalmente a bacia e sub-bacia hidrográfica de que faz parte. Esta norma é obrigatória para as cidades: com mais de vinte mil habitantes; que integram regiões metropolitanas e aglomerações urbanas; onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4º do art. 182 da CF; integrantes de áreas de especial interesse turístico e nas que estão inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional. [25]
Na esfera ambiental, este instrumento está obrigado a observar a legislação ambiental federal e a estadual, principalmente; o Código Florestal, a Política Nacional do Meio Ambiente e o SNUC. [26]
A propriedade urbana e a cidade têm funções sociais, e estas funções serão cumpridas pela política urbana, quando, no que diz respeito ao meio ambiente, se observarem as diretrizes gerais: [27] de 1) garantir-se o direito ao saneamento ambiental; 2) realizar-se o planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população das atividades econômicas do Município de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente; 3) ordenar-se e controlar-se o uso do solo, de forma a evitar a poluição e a degradação ambiental; 4) adotarem-se padrões de produção e consumo de bens e serviços compatíveis com os limites de sustentabilidade ambiental do Município; 5) proteger-se, preservar-se e recuperar-se o meio ambiente natural e o construído, e ainda, o patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico. [28]
A cidade, para cumprir suas funções sociais, deverá, portanto, garantir a todos os cidadãos, indistintamente, o direito e a garantia ao meio ambiente equilibrado, à moradia, à terra urbana, ao saneamento e infra-estrutura, ao transporte e serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, tanto para as gerações presentes, quanto para as futuras gerações.

Áreas Protegidas municipais fazem parte do planejamento urbano


Por Erika Guimarães, Luiz Paulo Pinto e Mônica Fonseca*
O Reserva do Bugio, entre Curitiba, Araucária e Fazenda Rio Grande, é a  maior UC intermunicipal do país localizada em área urbana. Foto: Jaelson Lucas/Prefeitura de Curitiba.
O Reserva do Bugio, entre Curitiba, Araucária e Fazenda Rio Grande, é a 
maior UC intermunicipal do país localizada em área urbana. 
Foto: Jaelson Lucas/Prefeitura de Curitiba.


As Unidades de Conservação (UCs) municipais da Mata Atlântica representam 41% do número e cerca de 22,6% da área total dos espaços protegidos oficialmente nos diferentes níveis político-administrativos do bioma, como mostra recente estudo publicado pela Fundação SOS Mata Atlântica. Mesmo pouco conhecida e valorizada, a contribuição das UCs municipais demonstra grande potencial de dar capilaridade às ações de conservação necessárias para o enfrentamento dos desafios de gestão em um bioma rico em biodiversidade, biologicamente heterogêneo, socioeconomicamente complexo e altamente antropizado, com é o caso da Mata Atlântica.


São múltiplos os fatores que tem motivado as prefeituras na iniciativa de reservar espaços protegidos em seus territórios. O estudo identificou seis fatores predominantes: a proteção de remanescentes da vegetação nativa e da paisagem natural em geral; uso público, com a promoção de lazer, recreação, turismo e ecoturismo; educação ambiental, proporcionando contato com a natureza e interpretação ambiental; atividades de pesquisa sobre a biodiversidade e/ou aspectos socioeconômicos; proteção de espécies raras, endêmicas e ameaçadas da fauna e flora nativa; e proteção de recursos hídricos como bacias, mananciais, rios e outros cursos d’água, principalmente para o abastecimento das cidades.


A criação de UCs municipais vem ocorrendo desde a década de 1960, mas a partir dos anos 1990 foi possível perceber um grande salto nesse processo, a partir da constituição do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços com critérios ambientais, o ICMS Ecológico, nos estados do Paraná e Minas Gerais. A conservação da biodiversidade através das UCs passou a ser um critério de repasse dos recursos financeiros desse tributo aos municípios. Com isto, nos primeiros quatro anos de implementação do ICMS Ecológico do Paraná, por exemplo, mais que duplicou o número e aumentou 18 vezes a área de UCs municipais em relação aos anos anteriores.


As UCs municipais também representam uma ferramenta relevante para influenciar o uso e ocupação dos territórios nos municípios ao constituírem um elemento importante para a dinâmica socioeconômica da paisagem local. Cerca de 40% dos municípios da Mata Atlântica avaliados possuem 17% ou mais do seu território coberto por UCs municipais. Esses números não consideram a possível sobreposição entre as diversas UCs, mas mostram uma tendência importante e a necessidade de avaliar a cobertura e inserção dos espaços protegidos no âmbito local. Os espaços protegidos contribuem para o ordenamento territorial, oferecem oportunidades para a instalação de empreendimentos sustentáveis, promovem o acesso a recursos naturais e o contato com a natureza, proporcionando bem-estar social e o acesso a serviços ambientais para diferentes propósitos.
 
 
“O estudo registrou a formação de corredores ecológicos, criação conjunta de UCs municipais, participação em mosaicos de UCs, e formação de consórcios intermunicipais para a união de esforços e busca de soluções conjuntas capazes de fortalecer a rede de proteção local”.


A inserção efetiva das UCs municipais nas estratégias de conservação da biodiversidade e nos processos de desenvolvimento territorial sustentável tem demandado dos municípios uma atuação em diferentes escalas, que vão desde as articulações institucionais até os mecanismos de mobilização e participação social. Para isso, parcerias são essenciais, seja com os diferentes setores do governo municipal, com outros setores da sociedade, ou pela integração com municípios vizinhos e órgãos estaduais e federais, criando mecanismos e opções para a boa gestão e governança das UCs. O estudo registrou a formação de corredores ecológicos, criação conjunta de UCs municipais, participação em mosaicos de UCs, e formação de consórcios intermunicipais para a união de esforços e busca de soluções conjuntas capazes de fortalecer a rede de proteção local. A participação do setor privado nos esforços de conservação por meio da criação das Reservas Particulares do Patrimônio Natural, as RPPNs, agora também já reconhecidas na esfera municipal, é também uma das formas de articulação que temos visto fortalecida.

Um exemplo interessante é a criação de uma área protegida na Região Metropolitana de Curitiba (PR). As prefeituras de Curitiba, Araucária e Fazenda Rio Grande se uniram para criar, em 2015, a Reserva do Bugio ou Refúgio do Bugio, maior UC intermunicipal do país localizada em área urbana. São 1.765,02 hectares (ha) protegidos ao longo dos rios Barigui e Iguaçu na confluência entre os três municípios e divididos em três Refúgios de Vida Silvestre Municipais: REVIS do Bugio (827,80 ha), em Curitiba; REVIS Rio Iguaçu-Foz do Barigui (334,22 ha), em Araucária; e REVIS Foz do Rio Maurício-Rio Iguaçu (603 ha), em Fazenda Rio Grande. A expectativa das prefeituras é a de que a unidade contribua para a melhoraria da qualidade das águas e na diminuição do impacto das enchentes, além da proteção da biodiversidade local.

Alguns municípios, como João Pessoa (PB), Recife (PE), Salvador (BA), Linhares (ES), Extrema (MG), Sorocaba (SP), Curitiba (PR) e Cristal (RS), possuem Sistemas Municipais de Unidades de Conservação (SMUC), que, em geral, seguem diretrizes do sistema nacional, com adequações que atendem especificidades locais. Esses sistemas podem ser utilizados como modelo para os municípios que estão organizando e estruturando seus SMUCs, que é o caso de Belo Horizonte e Rio de Janeiro.


O SMUC é um importante instrumento para integração do Fundo Municipal de Meio Ambiente, do Conselho Municipal de Meio Ambiente e dos demais mecanismos da estrutura ambiental dos municípios. Muitos desses sistemas trazem ainda em seu arcabouço uma legislação especifica para reconhecimento das RRPPNs e, assim, passam a atuar ativamente na criação, gestão e manejo dessas reservas. Hoje, no Brasil, já identificamos pelo menos 17 municípios que tem legislação específica para reconhecimento dessa categoria.

“Os PMMAs, ao serem elaborados, apontam nos municípios as florestas naturais, áreas prioritárias para a conservação e que, portanto, devem ser manejadas e protegidas ou recuperadas”.
 
As UCs municipais são também componentes essenciais nos Planos Municipais da Mata Atlântica (PMMA), previstos na Lei da Mata Atlântica (Lei nº 11.428, de 2006). Os PMMAs, ao serem elaborados, apontam nos municípios as florestas naturais, áreas prioritárias para a conservação e que, portanto, devem ser manejadas e protegidas ou recuperadas. Esse mecanismo, se vinculado ao Plano Diretor do município, pode colaborar com as estratégias de zoneamento e ordenamento do solo, tendo as UCs municipais como uma das principais medidas para a proteção do patrimônio ambiental nas cidades e como âncoras da infraestrutura verde do município, que englobam todas áreas naturais e áreas verdes urbanas de um determinado território.

Em uma amostragem de 720 UCs municipais registradas no estudo, que apresentam informações sobre sua localização, foi possível verificar que a maioria das UCs municipais está situada na malha urbana (278; 38,6%) ou em áreas periurbanas (129; 17,9%), na circunvizinhança das cidades ou de núcleos urbanos. Isso significa que 56,5% das UCs municipais da Mata Atlântica estão sob a influência dos centros urbanos e mais próximas das pessoas. Isso reforça ainda mais a importância dessas áreas para a qualidade de vida nas cidades.

O crescente processo de urbanização na Mata Atlântica tem afetado a biodiversidade e a oferta de serviços ambientais vitais para as populações que vivem nas cidades. Desse modo, todo e qualquer esforço na proteção das florestas urbanas remanescentes e de toda infraestrutura verde nos municípios deve ser valorizado, além de ser complementar aos esforços de conservação dos governos estaduais e federal. A infraestrutura verde é sem dúvida um elemento essencial para enfrentar os enormes desafios da vida urbana, como os desastres naturais (ex.: enchentes, deslizamentos de morros etc.), ondas de calor, proliferação de doenças contagiosas, abastecimento de água, espaços para o lazer e recreação, além de contribuírem para o enfrentamento às mudanças do clima.

Soma-se a isso o fato de que cerca de 80% dos remanescentes florestais da Mata Atlântica estão em propriedades privadas. Nesse contexto, o papel de empresas e cidadãos proprietários de terras e imóveis é extremamente relevante e deve ser incentivado e valorizado, trazendo destaque ainda maior para as unidades de conservação privadas.

Todos esses elementos devem ser trabalhados no planejamento e o desenho apropriado para a integração entre a malha urbana e os ambientes naturais e seus serviços ambientais serão essenciais para garantir o bem-estar da população e a sustentabilidade dos municípios. Nesse contexto, a contribuição dos municípios na proteção desses remanescentes no ordenamento territorial local ganha mais importância, o que coloca em evidência ainda maior a necessidade de entendimento desse complexo sistema socioambiental envolvendo centros urbanos, UCs e áreas verdes em geral.


*Este conteúdo é baseado no estudo “Unidades de Conservação Municipais da Mata Atlântica”, publicado pela Fundação em julho deste ano –  conheça o relatório completo.

Capacitação de representantes de Colegiados de Unidades de Conservação Distritais 6 a 10 de novembro de 2017


Capacitação de representantes de Colegiados
de Unidades de Conservação Distritais
6 a 10 de novembro de 2017

A Secretaria do Meio Ambiente do Distrito Federal, com apoio do Instituto Brasília Ambiental – Ibram e do  Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio,  promove, de 06 a 10 de novembro de 2017, a Capacitação de representantes, de governo e da sociedade civil, de colegiados de unidades de conservação distritais – conselhos, comitês, grupos de trabalho e articulações.

O evento ocorrerá na próxima semana, 06 a 10 de novembro, no auditório do Jardim Zoológico de Brasília, sendo os três primeiros dias de conteúdo teórico e os dois últimos de visita de campo a unidades de conservação selecionadas no DF.

Serão somente 60 vagas, a prioridade será para os colegiados já instalados.  Segue abaixo o link com um formulário de pré-inscrição a ser preenchido até o dia 01 de novembro.  

Para fazer pré-inscrição: encurtador.com.br/sDJMV

CAPACITAÇÃO DE REPRESENTANTES DE COLEGIADOS DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DISTRITAIS

Horário

2ª feira – dia 06

3ª feira – dia 07
        
4ª feira – dia 08
8h30 às 9h
Abertura – Sema, Ibram e ICMBio


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 9h às 10h30
Legislação Ambiental
Raul Valle - Sema

História da Gestão Participativa
Eduardo Barroso/ Verusca Cavalcante – ICMBio
Gestão de UCs - Dálio Mendonça - Sema
Zona Tampão e de Amortecimento de UCs
- Fernanda Carvalho- Ibram
10h30 às 10h45
Intervalo – lanche
Intervalo – lanche
Intervalo - lanche


10h45 às 12h15
SISNAMA / SDUC
Renato Prado - Ibram

O papel dos conselhos das UCs - direitos e deveres - e o empoderamento do Conselheiro
Nilo Diniz
Compensação Ambiental
Ricardo Roriz - Ibram

12h15 às 14h
Almoço
Almoço
Almoço


14h às 15h30

Sustentabilidade
Ambiental
Leonel Generoso – Sema
Instrumentos de Defesa do Meio Ambiente
Maurício Laxe- ICMBio

Licenciamento
Charles Almeida - Ibram

15h30 às 15h45
Intervalo – lanche
Intervalo - lanche
Intervalo – lanche


15h45 às 17h15

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UOL - Brasil treina para criar base militar com os EUA, Colômbia e Peru na Amazônia

 As Forças Armadas do Brasil estão organizando um exercício militar na selva amazônica envolvendo forças dos Estados Unidos, da Colômbia e do Peru. A ideia é simular a criação de uma base militar multinacional para atender emergências humanitárias.
O exercício visa, entre outros objetivos, treinar militares e criar diretrizes para oferecer assistência humanitária para eventuais ondas de imigrantes que deixem a Venezuela ou a Colômbia, segundo o general Guilherme Cals Theophilo Gaspar de Oliveira, comandante logístico do Exército.


Ele disse ao UOL que também serão simulados cenários de combate a incêndios florestais e socorro emergencial a vítimas de catástrofes que possam atingir a América do Sul - como terremotos, maremotos, secas e enchentes.


Uma vez acionada em situação real, a base militar logística teria caráter temporário.
Porém, a realização do exercício, batizado de Amazonlog 17 e previsto para acontecer entre 6 e 12 de novembro, tem dividido opiniões dentro do Brasil.


Críticos do evento disseram que ele pode sinalizar uma tendência de maior alinhamento da política de defesa e segurança do Brasil com a dos Estados Unidos - em divergência com a perspectiva mais regional da Unasul (União de Nações Sul-americanas).

Já seus apoiadores dizem que ele pode sinalizar uma aproximação militar com os Estados Unidos e é interessante do ponto de vista tecnológico e comercial. Além disso, não seria uma cooperação inédita nem significaria um distanciamento dos países vizinhos.
 Mas o que vai acontecer na prática?

Uma base militar logística de caráter temporário será montada em Tabatinga, no Amazonas, para fins de treinamento. A cidade fica às margens do rio Solimões e faz fronteira com a Colômbia (Letícia) e com o Peru (Santa Rosa).

Ela receberá militares representantes de 49 países. As nações com mais tropas serão:
    Brasil: 1.533
    Colômbia: 150
    Peru: 120
    Estados Unidos: 30

Os demais países, como Alemanha, Japão, Venezuela, Canadá, Rússia, entre outros, terão em sua maioria menos de uma dezena de representantes.

Também serão utilizadas 21 aeronaves militares, entre helicópteros e aviões, sendo 12 do Brasil, seis da Colômbia, dois do Peru e um dos Estados Unidos, além de diversas embarcações.

"Nesse exercício, é bom que a sociedade saiba, só quem está armado é o Brasil, que vai dar segurança a essa base. É o país hospedeiro, como nós chamamos. Colômbia, Peru e os Estados Unidos vêm desarmados", disse o general Theophilo.

"Eles vão participar de um esforço montando um hospital de campanha, montando uma (rede de) captação de energia solar, equipamentos de purificação de água e um posto de fornecimento de combustível", disse o general.

Também haverá exercícios teóricos e práticos, os últimos com participação de "figurantes". Eles serão moradores voluntários das três cidades da tríplice fronteira e representarão a chegada de ondas de imigrantes ou se fingirão de vítimas de uma catástrofe natural.
Embora o exercício tenha objetivo humanitário, membros das Forças Armadas dizem que a grande concentração de tropas terá impacto também no combate a crimes de fronteira, como tráfico de armas e drogas naquela região. Isso porque os militares têm poder de polícia nas regiões fronteiriças.

 Inspiração na Otan
O Brasil já reuniu quantidades maiores de tropas nas fronteiras em manobras anteriores que tinham por objetivo patrulhar a fronteira, treinar tropas e demonstrar poder. Exercícios conjuntos com outros países, inclusive com os Estados Unidos, também não são novidade.
Mas essa é a primeira vez que se realiza um exercício militar logístico de caráter humanitário com essas proporções na América do Sul. Ele foi inspirado em exercícios realizados por forças da Otan (a aliança militar ocidental) na Hungria para treinar tropas para dar assistência a vítimas de catástrofes naturais e a refugiados vindos da África e Ásia. O Brasil participou como observador.

 Imigrantes e refugiados no Brasil
"Em termos de refugiados nós já tivermos uma experiência com os haitianos. Não tínhamos ainda preparado um suporte para a recepção desses refugiados, então hoje nos preocupa, lógico", disse Theophilo. "Nós temos a participação da Venezuela (no exercício), o número de refugiados (venezuelanos) que está aumentando cada vez mais na área de Roraima e já no Estado do Amazonas."

O governo de Roraima estima que aproximadamente 30 mil imigrantes venezuelanos estejam vivendo atualmente no Estado.

Segundo Robert Muggah, diretor de pesquisa do think tank Instituto Igarapé, é provável que ocorra um aumento dos fluxos migratórios para o Brasil devido às "dinâmicas de deslocamento forçado na América Latina".

Mas, para ele, o fluxo atual não configura ainda uma emergência humanitária.

"Devido à prolongada crise política e econômica que afeta a Venezuela, incluindo altas taxas de homicídio e a inflação - que pode atingir os 2.300% ano que vem -, é provável que o Brasil continue a receber um fluxo de solicitantes de refúgio e migrantes econômicos", disse.

A Venezuela será representada por um de seus generais no exercício. A reportagem tentou entrar em contato com a embaixada venezuelana por telefone durante uma semana para comentar a questão dos refugiados, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.

 Segundo o general Theophilo, outro cenário possível é que imigrantes colombianos precisem de assistência ao entrar no Brasil. Esse movimento migratório poderia ser impulsionado pelo processo de paz do governo colombiano com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e com o ELN (Exército de Libertação Nacional).

Em 2016, segundo a Polícia Federal, quase 7.500 imigrantes colombianos entraram no Brasil.
O general disse, porém, que o Amazonlog 17 vai funcionar como uma via de mão dupla, para que Colômbia e Peru também adquiram experiência para oferecer ajuda humanitária para eventuais ondas de imigrantes que entrem em seus territórios.

Muggah disse que os ondas de imigrantes podem não vir apenas da Venezuela e da Colômbia.
"Pode-se especular que o Brasil também se torne destino de refugiados da América Central, sobretudo do chamado Triângulo Norte (Honduras, Guatemala e El Salvador). Esses países registram as maiores taxas de homicídios no mundo e a violência extrema tem forçado o deslocamento de centenas de milhares de pessoas todos os anos", disse Muggah.
 General: "(os EUA) estão colaborando para um bem maior"

"Nós fomos aos Estados Unidos convidar para a participação deles", disse Theophilo.
Segundo ele, a presença americana na Amazônia durante o exercício não deve causar preocupação em relação a temas de soberania.

"Estando com a gente é muito melhor do que venham secretamente e façam pesquisas no interior na mata como nós vimos muitas vezes, eu que vivi na Amazônia por seis anos. Eles estão controlados e estão colaborando para um bem maior que é a ajuda da população carente", disse.

Segundo o general, os americanos vão trazer ao Brasil conhecimentos e mostrar tecnologias relacionadas à ajuda humanitária em catástrofes naturais. A ideia do Brasil é aprender com a grande capacidade logística americana de mobilização rápida de recursos.
Theophilo citou como exemplo a ajuda americana às vítimas do terremoto do Haiti em 2010. Na ocasião, em questão de poucos dias os americanos conseguiram mobilizar 20 mil tropas e milhares de toneladas de suprimentos e enviá-los ao país vizinho.

Virão ao Brasil 30 representantes da Guarda Nacional, da Guarda Florestal e militares do Comando Sul, que é uma importante unidade do Exército dos Estados Unidos. Eles trarão um avião militar de carga C-130, que participará de exercícios de combate a incêndios florestais e transporte de tropas.

 Professor vê " fragilização do Conselho de Defesa Sul-Americano"

Segundo o professor da Unesp e do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas, Samuel Alves Soares, a concepção de uma base logística para responder a calamidades na perspectiva da assistência humanitária, a princípio, é uma boa ideia.

Mas, de acordo com ele, nos moldes em que está sendo anunciada, a operação aponta que os objetivos podem ser outros. O exercício revelaria uma tendência de maior alinhamento da política de defesa e segurança internacional do Brasil com a de órgãos como a OEA (Organização dos Estados Americanos) e a Junta Interamericana de Defesa – que têm a presença dos Estados Unidos.

Segundo Soares, esses órgãos abordam o tema da defesa sob uma perspectiva multidimensional, na qual as forças armadas dos países latino-americanos são mais estimuladas a atuar na segurança interna do país, combatendo, por exemplo, tráfico de drogas, de pessoas e de armas pelas fronteiras nacionais.

Sob essa política, disse o professor Soares, os militares atuariam cada vez menos como fator de dissuasão e eventual ação contra ameaças externas de outros Estados -- papel que passaria a caber às forças armadas dos Estados Unidos.

"O exercício, como divulgado, acaba por envolver a participação das Forças Armadas em várias áreas e questões alheias às propostas de emprego contra ameaças externas e oriundas de Estados, uma demonstração de fragilização do Conselho de Defesa Sul-Americano. Indica que assuntos regionais passam a ser tratados com a participação de forças extrarregionais, diferentemente do que foi proposto quando da criação da Unasul", disse.

 As ações de defesa do bloco de 12 países da América do Sul se caracterizam mais pelos debates, pelo estabelecimento de uma indústria de defesa local e pelas ideias de autonomia regional -- e pela ideia de que as Forças Armadas não devem ser usadas em casos de segurança interna, segundo Soares.

"Desde governos anteriores vem crescendo o emprego das Forças Armadas em atividades na área de segurança e patrulhamento e vigilância de fronteiras", disse.
O fato de o Amazonlog 17 envolver principalmente a Colômbia e o Peru, historicamente mais próximos aos norte-americanos, seria um indício desse alinhamento com a política multidimensional adotada pelos Estados Unidos, segundo ele.

O Exército, por sua vez, disse que não existe intenção de alinhamento com a política multidimensional dos Estados Unidos. A iniciativa de fazer o exercício foi do Brasil e o convite para os americanos participarem foi feito devido à sua vasta experiência com ajuda humanitária.

Segundo o Exército, Colômbia e Peru foram convidados a enviar mais tropas por sua localização geográfica, por estarem situados onde o exercício vai acontecer. Representantes tanto da OEA como da Unasul foram convidados para participar do exercício.

Segundo Robert Muggah, do Instituto Igarapé, o convite do Brasil aos Estados Unidos sinaliza sim uma tentativa de aproximação entre as duas nações.

Mas, segundo ele, o eventual aprofundamento das relações com os Estados Unidos "não representa necessariamente um distanciamento (do Brasil em relação aos) países vizinhos, sobretudo no que diz respeito à cooperação em áreas de fronteira".

Segundo ele, iniciativas no âmbito da Unasul e de seu Conselho de Defesa continuam a ter valor estratégico para o Brasil. Elas possibilitam a cooperação subcontinental em temas que são multinacionais por natureza - como os fluxos migratórios transfronteiriços e o tráfico de drogas e de pessoas.

"Para o Brasil, o estreitamento de laços com os Estados Unidos também é interessante do ponto de vista tecnológico e comercial, aspectos esses que podem ser discutidos durante iniciativas como o Amazonlog", disse.

 O que diz a embaixada dos Estados Unidos
"O Brasil e os Estados Unidos têm sido parceiros fortes há muito tempo, e nós valorizamos a relação rica e multifacetada que temos com o Brasil, incluindo nossas forças militares", afirmou a embaixada americana em comunicado.

Segundo a entidade, os Estados Unidos estão tentando ampliar a parceria com o Brasil na área de defesa – especialmente encorajando a cooperação das indústrias de defesa dos dois países.

A embaixada afirmou que essa não é a primeira vez que acontece um exercício militar conjunto. A entidade citou um treinamento envolvendo os dois países na Amazônia no ano passado, diversas visitas diplomáticas focadas na área militar e disse que o Brasil é convidado anualmente para participar de exercícios militares internacionais promovidos pelos Estados Unidos.

Em 2015, Brasil e Estados Unidos também chegaram a assinar um acordo bilateral nas áreas de defesa e de proteção de informações militares que prevê treinamentos conjuntos.

Por que não deixar o trabalho humanitário e a ajuda a refugiados para ONGs e organismos civis?

 O professor Soares disse que o fato de se usar as Forças Armadas para abordar questões como a de refugiados tem dois lados.

As Forças Armadas têm uma capacidade logística para atuar na região amazônica maior que a de qualquer outro órgão do Estado brasileiro.

Ou seja, elas possuem meios de transporte, capacidade de mobilização e organização rápida, cuidam de sua própria segurança, conhecem o terreno e possuem características que outras entidades civis não têm.

Por outro lado, tanto Soares quanto Muggah dizem que a ajuda a refugiados só deve ser delegada às Forças Armadas em situações excepcionais. Em condições normais, ela deveria ficar a cargo de autoridades e organizações civis, mais acostumadas a tratar de necessidades específicas de imigrantes e refugiados -- como proteção legal, social e econômica.

"Ainda que as Forças Armadas estejam corretas em se preparar para um fluxo (de imigrantes) mais significativo, é altamente recomendável que a proteção e assistência social sejam providas por entidades governamentais civis, e não por soldados."

O Amazonlog 17, segundo o Exército, é um treinamento para situações excepcionais, de calamidade, envolvendo tanto assistência a refugiados como socorro a vítimas de catástrofes. Mesmo assim, estarão presentes no exercício universidades, a Fiocruz, a Defesa Civil, a Polícia Civil e a Polícia Federal. 

Quanto isso vai custar? Haverá algum legado?

O Amazonlog 17 vem sendo planejado há dois anos a um custo aproximado de R$ 15 milhões.

Essa verba inclui tanto os custos de mobilização das tropas como a construção de estruturas permanentes. Ancoradouros fluviais de todas as bases militares da região amazônica estão sendo reformados. A cidade de Tabatinga também deve herdar uma praça pública, que será construída durante o exercício para simular o atendimento a vítima de catástrofes e ondas de imigrantes.

O custo também engloba o fornecimento de atendimento médico e odontológico real (não apenas simulado) para moradores da região onde o exercício acontecerá.
Segundo Muggah, o exercício pode ter aspectos positivos "à medida que eleva às capacidades estratégicas, técnicas e logísticas do Brasil".

"No passado nós tivemos um incêndio florestal na Amazônia e a primeira equipe que chegou foi uma equipe de bombeiros da Argentina. Então eu acho que isso mostra um pouco de falta de planejamento, de falta de estar preparado para as grandes calamidades", disse o general Theophilo.

 "(Hoje) não há uma coordenação por parte dos países (da América do Sul) que participam nessa ajuda. Muitas vezes sobra alimento, sobra remédio ou falta alguma coisa."

Segundo o general, o treinamento poderá ser repetido a cada dois anos em países diferentes. Com o treino, cada nação saberá como agir e que material levar em uma situação de perigo real. "Esse é o grande legado, é a grande doutrina", disse.