Os níveis de dióxido de carbono atmosférico (CO 2 ) estão subindo, o
que, segundo especialistas, pode produzir mais secas e temperaturas mais
altas. Embora essas mudanças climáticas tenham um impacto negativo no
crescimento de muitas plantas, a maior disponibilidade de CO 2 pode
realmente ser vantajosa porque as plantas usam o gás de efeito estufa
para produzir alimentos pela fotossíntese.
Agora, pesquisadores relatando no Journal of Agricultural and Food
Chemistry da ACS afirmam que um nível muito mais alto de CO 2 poderia
aumentar o rendimento do trigo, mas reduzir um pouco sua qualidade
nutricional
American Chemical Society*
O trigo é uma das culturas mais importantes do mundo; sua farinha é
usada como ingrediente principal em uma grande variedade de alimentos,
como pão, massas e doces. Anteriormente, os cientistas têm mostrado que
níveis elevados de CO 2 pode aumentar os rendimentos do trigo, em
detrimento de características de qualidade de grão, tais como o conteúdo
de azoto e proteína.
No entanto, os cientistas ainda não conhecem toda a gama de mudanças
na qualidade dos grãos que podem ocorrer em diferentes fases do
desenvolvimento do trigo ou dos mecanismos bioquímicos por trás deles.
Iker Aranjuelo e colegas quiseram examinar os efeitos de CO elevado 2
sobre a produção de trigo, a qualidade e o metabolismo durante a
formação dos grãos e na maturidade.
Os pesquisadores cultivaram trigo em estufas com concentrações de CO 2
normais (400 partes por milhão; ppm) ou elevadas (700 ppm) . A equipe
descobriu que o trigo cultivado sob altos níveis de CO 2 mostrou um
rendimento 104% maior de grãos maduros. No entanto, o teor de nitrogênio
do grão foi 0,5% menor nessas condições, e também houve pequenos
declínios no teor de proteína e aminoácidos livres.
Os pesquisadores usaram cromatografia gasosa-espectrometria de massa
para analisar as alterações metabólicas nos grãos em diferentes estágios
de desenvolvimento. Entre outras mudanças, o elevado CO 2alterou os
níveis de certos aminoácidos contendo nitrogênio durante a formação de
grãos e na maturidade. Embora as mudanças metabólicas que eles
detectaram tenham impactos modestos na qualidade final dos grãos, os
efeitos podem ser amplificados por outras mudanças no ambiente de uma
planta, como disponibilidade limitada de nitrogênio ou condições de
seca, dizem os pesquisadores.
Referência: Metabolic Effects of Elevated CO2 on Wheat Grain Development and Composition
David Soba, Sinda Ben Mariem, Teresa Fuertes-Mendizábal, et al
J. Agric. Food Chem.2019
American Chemical Society
Publication Date:July 24, 2019 https://doi.org/10.1021/acs.jafc.9b01594
* Tradução e edição de Henrique Cortez, EcoDebate.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 25/07/2019
“Precisamos pegadas menores, mas também precisamos de menos pés”. (Enough is Enough, 2010)
[EcoDebate]
Em 2019, o Dia da Sobrecarga da Terra (Earth Overshoot Day) acontece em
29 de Julho, a data mais precoce, desde que o planeta entrou em
sobrecarga pela primeira vez no início da década 1970. Este dia marca o
momento em que o sistema de produção e consumo absorveu todos os insumos
naturais renováveis oferecidos pelo planeta, previstos para os 12 meses
do ano. Portanto, o dia 02 de agosto é o dia em que a civilização
global sai do verde do superávit ambiental para entrar no vermelho do
déficit ambiental.
No restante do ano, a civilização estará no cheque especial e terá de
recorrer à herança deixada por milhões de anos de evolução da natureza.
Significa que as atuais gerações dilapidarão as condições de vidas das
demais espécies vivas da Terra e comprometendo o futuro das próximas
gerações de humanos.
O cálculo da Sobrecarga é feito a partir de duas medidas realizadas
para se avaliar o impacto humano sobre o meio ambiente e a
disponibilidade de “capital natural” do mundo. A Pegada Ecológica é uma
metodologia de contabilidade ambiental que permite avaliar a demanda
humana por recursos naturais, com a capacidade regenerativa do planeta. A
Pegada Ecológica de uma pessoa, cidade, país ou região corresponde ao
tamanho das áreas produtivas de terra e mar necessárias para gerar
produtos, bens e serviços que utilizamos. Ela mede a quantidade de
recursos naturais biológicos renováveis (grãos, vegetais, carne, peixes,
madeira e fibra, energia renovável entre outros) que estamos utilizando
para manter o nosso estilo de vida.
O cálculo é feito somando as áreas necessárias para fornecer os
recursos renováveis utilizados e para a absorção de resíduos. É
utilizada uma unidade de medida, o hectare global (gha), que é a média
mundial para terras e águas produtivas em um ano. A Pegada Ecológica
serve para avaliar o impacto que o ser humano exerce sobre a biosfera. A
Biocapacidade avalia o montante de terra e água, biologicamente
produtivo, para prover bens e serviços do ecossistema à demanda humana
por consumo, sendo equivalente à capacidade regenerativa da natureza.
Em 1987, o Dia da Sobrecarga caiu em 19 de dezembro. Em 1995, caiu
para 21 de novembro. Em 2007, caiu em 26 de outubro e no ano seguinte
para 23 de setembro. Ano passado o Dia da Sobrecarga caiu em 01 de
agosto. Agora em 2019, ficou em 29 de julho, conforme mostra a tabela
abaixo.
Existem várias formas para se reduzir o déficit ambiental. Pode haver
equilíbrio ecológico via redução do consumo, via redução da população,
ou via redução simultânea dos dois vetores que estão degradando a saúde
dos ecossistemas. Todavia, reduzir a população e o consumo no curto
prazo é muito difícil. Mas ao longo do século XXI é possível planejar um
decrescimento demoeconômico que coloque as atividades antrópicas em
equilíbrio homeostático com a biocapacidade do Planeta, única forma de
se evitar um colapso ambiental e civilizacional, como explicou, em
entrevista recente, Herman Daly (2018), ao defender o Estado
Estacionário.
O ser humano nasceu em um Planeta rico em meios de sobrevivência e
generoso ao compartilhar, gratuitamente, toda a biodiversidade natural
para o desfrute dos seres vivos existentes. A Terra tinha poucas pessoas
e muita água, muita terra, muitas árvores, enfim, uma exuberante flora e
fauna.
Mas a espécie humana utilizou a sua inteligência (instrumental) para
desenvolver uma cultura egoísta e para se diferenciar do mundo natural.
Sem consultar os demais seres vivos, a humanidade se autoproclamou dona
da Terra e se disse semelhante à um suposto Deus que tudo criou. Como
autodeclarada herdeira do Criador, a humanidade se apropriou de toda a
riqueza natural disponível.
Se tudo isto fosse apenas um delírio de uma espécie presunçosa e
vaidosa, seria apenas uma pavonice narcísica. Mas o sonho de grandeza
fáustica se materializou de fato ao longo dos últimos 12 mil anos,
começando com a Revolução Agrícola – desde o início do Holoceno – até a
Revolução Industrial e Energética, do final do século XVIII, que deu
início ao Antropoceno.
A civilização, literalmente, “passou o trator” sobre a integridade
dos ecossistemas. Primeiro criou totens. Em seguida construiu pirâmides,
aquedutos e catedrais. Depois espalhou uma miríade de benfeitorias (ou
malfeitorias) sobre todos os cantos do Planeta, gerando uma máquina
insana e insone de produção de bens e serviços para a satisfação da gula
e da ganância humana. A humanidade cresceu e se enriqueceu às custas do
encolhimento e do empobrecimento da vida natural.
A população mundial vai aumentar 2 bilhões de pessoas até 2050,
segundo as novas projeções da ONU. As agências econômicas calculam que o
PIB mundial vai mais que dobrar nos próximos 30 anos. Mas a economia é
um subsistema da ecologia e o Planeta está chegando ao limite da sua
capacidade de resiliência. Sem ECOlogia não há ECOnomia. Mais cedo ou
mais tarde o sobrepeso das atividades antrópicas provocará um colapso
ambiental. Então, será impossível continuar antecipando o Dia da
Sobrecarga da Terra.
Jornal da USP
Você sabia que a água que você consome em sua casa pode não estar
totalmente livre de impurezas? Esse risco existe quando produtos que
utilizamos no dia a dia, como remédios, protetores solares e itens de
higiene pessoal são encontrados em rios que abastecem municípios. As
estações de tratamento de água não conseguem remover completamente esses
compostos, já que não possuem equipamentos apropriados para a tarefa.
Batizados de contaminantes emergentes,
essas substâncias desafiam há anos centenas de cientistas brasileiros a
buscarem soluções eficientes e a entenderem os impactos que elas podem
causar ao meio ambiente e aos seres vivos
Segundo o professor Eduardo Bessa Azevedo, do Instituto de Química de
São Carlos (IQSC) da USP, o Brasil ainda não possui uma legislação que
determine quantidades seguras desses contaminantes na água.
São substâncias encontradas em pequenas concentrações, mas que, se consumidas por anos, podem trazer algum risco”, alerta.
Estudos indicam que o lançamento não controlado de fármacos nos
corpos d’água pode, por exemplo, gerar o desenvolvimento de
microrganismos resistentes a antibióticos. Caso haja a ingestão dessa
água contaminada, seres humanos e animais estão sujeitos a problemas
como disfunções no sistema endócrino e reprodutivo, além de distúrbios
metabólicos. Diversos compostos químicos são capazes de interferir no
metabolismo, entre eles, destacam-se os que estão presentes em
hormônios, anti-inflamatórios, antidepressivos, hidrocarbonetos
poliaromáticos e pesticidas.
A falta de efetividade no combate aos contaminantes emergentes
preocupa os cientistas e acende o sinal de alerta na sociedade. “As
estações de tratamento d’água (ETAs), basicamente, trabalham para
retirar sua turbidez e torná-la potável. Elas têm uma capacidade
limitada de remoção desses contaminantes, pois foram projetadas numa
época em que não existia essa demanda”, explica o docente. De acordo com
o Instituto Trata Brasil, quase 35 milhões de brasileiros não têm
acesso ao abastecimento de água tratada. Em 2016, uma em cada sete
mulheres do País não tinha acesso à água, enquanto 7,5% das crianças e
dos adolescentes não possuíam água filtrada ou vinda de fonte segura.
A ciência entra em cena
Há algumas décadas, pesquisas têm chamado a atenção sobre os
possíveis danos que os contaminantes emergentes podem causar aos
recursos hídricos, fato que impulsionou o interesse da comunidade
científica em busca de soluções para identificação, monitoramento e
remoção dessas substâncias.
No IQSC, o Laboratório de Desenvolvimento de
Tecnologias Ambientais (LDTAmb) está envolvido nesse desafio, criando
alternativas promissoras. “Diferentemente das tecnologias tradicionais,
as quais amenizam o problema da poluição, mas não o resolvem, as
pesquisas desenvolvidas em nosso laboratório se preocupam em realmente
destruir os contaminantes. Não basta reduzirmos a concentração de
determinada substância se ela ainda continua com sua função biológica
ativa, podendo trazer algum perigo”, afirma o professor Eduardo, que
coordena o LDTAmb.
Uma das pesquisas desenvolvidas no Laboratório da USP é a de Maykel
Marchetti, doutorando do IQSC. Após realizar um levantamento, o
pesquisador descobriu quais eram os fármacos mais prescritos e
consumidos no Brasil e, a partir dessa relação, determinou as quatro
substâncias químicas mais prováveis de serem encontradas na água. São
elas: paracetamol (analgésico), cetoprofeno (anti-inflamatório),
diclofenaco (anti-inflamatório) e o ácido salicílico (utilizado no
tratamento da acne). Com essas informações em mãos, Maykel desenvolveu
um método analítico capaz de detectar e quantificar, simultaneamente,
todos esses quatro fármacos em água e aplicou uma técnica para
degradá-los, que funciona através de uma reação química envolvendo
peróxido de hidrogênio (água oxigenada), oxalato de ferro e luz (LED).
“Essa técnica nos permitiu fazer o tratamento da água em condições
semelhantes às adotadas nas ETAs”, explica.
No laboratório, o pesquisador testou o procedimento de degradação
proposto. Após dissolver os quatro contaminantes em água, adicionou à
solução o oxalato de ferro e o peróxido de hidrogênio. Em seguida, a
água foi colocada dentro de um reator com LEDs, onde ficou por
aproximadamente 25 minutos reagindo. “Nós utilizamos uma concentração de
contaminantes até um milhão de vezes maior do que a encontrada nas
águas e, mesmo assim, atingimos uma porcentagem de 95% de degradação. No
entanto, vale ressaltar que isso não significa que eles foram
totalmente removidos, mas sim transformados em outras substâncias que
precisam ter sua toxicidade analisada”, afirma o doutorando, que
apresentou seu trabalho no 47º Congresso Mundial de Química da União Internacional de Química Pura e Aplicada (IUPAC), que aconteceu em Paris (França) entre os dias 5 e 12 de julho.
Para validar seu método de detecção e quantificação dos fármacos,
Marchetti estudou as águas superficiais de São Carlos, responsáveis pela
metade do abastecimento do município, por meio do Córrego Espraiado e
do Ribeirão Feijão. Durante um ano, o pesquisador coletou amostras
mensais de água dos pontos de entrada e saída da estação de tratamento
da cidade e, felizmente, não foi identificado nenhum dos quatro fármacos
pesquisados. Contudo, um estudo realizado
pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) em 2014 revelou, após
três anos de análises, a presença de cafeína, paracetamol, atenolol e
dos hormônios estrona e 17-β-estradiol no Rio Monjolinho. Embora ele não
seja utilizado para abastecimento público, os pesquisadores se
preocupam com a conservação dos recursos hídricos e a proteção da vida
aquática.
Planeta afetado
Os contaminantes emergentes já se tornaram um problema global, tendo
sido encontrados em dezenas de países, inclusive no Brasil. Em Campinas
(SP), amostras de ácido salicílico, paracetamol e cafeína já foram
identificadas no Córrego Anhumas. Além de atuar como um indicador de
contaminação por fármacos, a cafeína pode causar, em altas
concentrações, problemas aos peixes, como a diminuição da capacidade de
locomoção e a morte de embriões. Outra substância encontrada em águas
brasileiras foi o diclofenaco, confirmada no Rio Pinheiros, na capital
paulista, e no Rio Paraíba, que banha o Estado paraibano. Em âmbito
internacional, rios de países como Estados Unidos, Espanha, Suíça e
Costa Rica já sofrem com a presença desses contaminantes.
O descuido quanto ao descarte irregular de remédios é uma das
principais causas do aparecimento desse tipo de contaminante na água.
Despejar produtos vencidos na pia ou em vasos sanitários, por exemplo,
faz com que as substâncias cheguem até rios e mananciais. Embora a
mudança de alguns hábitos seja essencial para não acentuar ainda mais o
problema, causas naturais também contribuem para essa contaminação.
Afinal, parte do remédio que tomamos não é metabolizada pelo nosso
organismo, sendo eliminada via urina, fezes ou suor. Situação semelhante
ocorre quando tomamos banho após a utilização de protetor solar,
ocasião em que o produto é eliminado pelo ralo, podendo chegar tanto a
águas superficiais como subterrâneas. Por sua vez, fármacos utilizados
na agropecuária também são capazes de contaminar os recursos hídricos.
Segundo a última Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, realiza pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 71,8% dos
municípios brasileiros não apresentavam políticas de saneamento e, em
48,7% deles, não havia órgão fiscalizador da qualidade da água. Já de
acordo com o Atlas Esgotos: Despoluição de Bacias Hidrográficas, divulgado
em 2017 pela Agência Nacional das Águas (ANA), menos da metade dos
esgotos do País é coletado e tratado e apenas 39% da carga orgânica
gerada diariamente no Brasil é removida pelas estações de tratamento de
esgoto antes dos efluentes serem lançados em rios.
Fazendo o dever de casa
Ações para melhorar a qualidade da água não podem se restringir
apenas aos cientistas. Segundo o Instituto Trata Brasil, mais de 3,5
milhões de brasileiros, nas 100 maiores cidades do país, despejam esgoto
irregularmente, mesmo tendo acesso a redes coletoras. Pequenas
atitudes, se feitas em grande escala, podem ajudar a evitar uma
contaminação ainda maior.
Segundo o professor Eduardo Bessa Azevedo, comportamentos que
contribuam para a manutenção dos recursos naturais devem começar dentro
de nossas casas. Afinal, não existe o “jogar fora”, pois, na verdade,
tudo o que descartamos sempre irá para algum lugar, podendo gerar
grandes prejuízos se feito de maneira impensada. Por isso, o docente faz
um pedido: “Não descarte produtos em locais incorretos e evite usar
água para o que não for necessário, como lavar a calçada. Se puder fazer
limpeza a seco, priorize-a. As pessoas pensam que atitudes isoladas não
trarão nenhuma melhora, mas imagine se todos resolvessem ajudar.”
Preocupados com o futuro de nossa água, os cientistas da USP
continuarão em busca de novas alternativas para combater os
contaminantes emergentes e, sem dúvida, motivações não irão faltar. “É
uma questão de saúde pública, e trabalhar no desenvolvimento de soluções
para o problema nos dá a certeza de que estamos fazendo o nosso papel”,
finaliza Marchetti.
Com informações de Henrique Fontes – Assessoria de comunicação do IQSC/USP
Do Jornal da USP, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 25/07/2019
As
leis de proteção dos mananciais existem desde os anos 1970 (com
atualização em 1997) e o problema da poluição das águas formadoras do
reservatório já é discutido desde aquela época.
Por Sucena Shkrada Resk*
Aos
94 anos, a Represa Billings, na Bacia Hidrográfica do Alto-Tietê, é
considerada como “a maior caixa d´agua” da Região Metropolitana de São
Paulo (RMSP), além de ser um destino ecoturístico em certos trechos,
utilizada para controle de cheias no rio Pinheiros e fonte para a
geração de energia na Usina Hidroelétrica Henry Borden, em Cubatão. Com
1,2 bilhão de metros cúbicos de água, este reservatório de usos
múltiplos retrata, no entanto, em anos consecutivos, os desafios e ônus
impostos pelo crescimento desordenado das cidades.
O mais recente levantamento da série do Projeto de Índice de Poluentes Hídricos (IPH) da
Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS) acentua um alerta
recorrente sobre a qualidade das águas em 164 pontos de pesquisa. O
levantamento tem sido feito desde 2015 no reservatório, que abastece
mais de 1,6 milhão de pessoas principalmente na zona Sul da capital e
municípios do Grande ABC (Santo André, São Bernardo do Campo e Diadema),
pelo Sistema Rio Grande. Atualmente as análises estão sendo aprimoradas
com o sequenciamento genético dos microorganismos e levantamento da
composição do que está no fundo do reservatório.
A
apuração expressa o quanto o saneamento ambiental ainda é deficiente na
região, acarretando impactos em diferentes trechos do reservatório.
Neste ano, no braço do Rio Grande, foi apurado que a qualidade da água
está regular; no dos rios Pequeno, Capivari e Pedra Branca, boa; no de
Taquacetuba, regular próximo de ruim; no de Bororé, ruim; nos de Grota
Funda, Alvarenga, Cocaia (Corpo Central), péssima. O resultado do
levantamento foi apresentado pela professora e pesquisadora Marta Angela
Marcondes, coordenadora do projeto, durante o I Fórum sobre Proteção de
Mananciais – 10 Anos da Lei Específica do Reservatório da Billings, neste mês, na USCS.
Outro
aspecto relevante nesta problemática é a compreensão da ocupação e uso
do solo. Na sub-região Billings – Tamanduateí, o município de Santo
André tem 54% de sua área total inseridos em Área de Proteção de
Mananciais (APM); São Bernardo do Campo (53%); Diadema (22%), Mauá (19%)
e Ribeirão Pires (64%) e Rio Grande da Serra (100%), além de parte de
São Paulo (11%).
São
inúmeros fatores que levam a esta poluição hídrica. A deficiência da
coleta e de tratamento de esgoto doméstico e de efluentes industriais na
maioria dos municípios; a lentidão de décadas para a despoluição dos
rios Tietê, Pinheiros e Tamanduateí e afluentes, o aumento irregular de
imóveis e desmatamento no entorno da represa, como também o despejo
irregular de efluentes agrícolas e de resíduos sólidos. Um risco à saúde
ambiental, com bactérias de todos os tipos, causadoras de problemas
gastrointestinais e de pele, além dos resíduos tóxicos provenientes de
metais pesados.
Soma-se a isso, a interferência dos períodos de chuva e
estiagem que acentuam os problemas.
Onde
a situação é avaliada como melhor, a exemplo do braço Capivari, a
justificativa é de que a região é ainda bem isolada, pouco urbanizada e
mantém matas preservadas e relevo acidentado.
Análise do fundo do reservatório
O
Projeto IDH/USCS, desde o ano passado, está aprimorando a análise das
águas do reservatório e novos alertas surgem. “Também estamos estudando o
fundo do reservatório, que são acúmulos de profundidade de oito a 20
metros. A situação é de ruim a péssima, nos trechos de Bororé e Grota
Funda”, diz a bióloga. É um universo de lodo e de uma diversidade de
elementos, como microplásticos e metais pesados.
Em
abril deste ano, moradores de municípios do Grande ABC se depararam com
uma água de tom amarelo e marrom e odor desagradável, que saia das
torneiras. Segundo a Sabesp, a cor era proveniente da quantidade
superior de ferro e manganês, que emergiu do fundo da represa, com o
fluxo de água provocado pelo excesso de chuva da represa do Rio Grande
para a Billings. Algo que não ocorria desde 2013.
Nas
águas da Billings, ainda são encontrados fármacos, hormônios,
antibióticos, agrotóxicos e microcistina (toxina por pequenos
organismos), que não passam por tratamento, segundo Marta.
No
ano passado, também foram encontrados 12 novos grupos bactérias que até
então não haviam sido detectadas. De certa forma, representa uma
“caixa-preta” de sedimentos que podem causar mais comprometimentos à
saúde. A Billings também sofre periodicamente com a eutrofização, quando
o excesso de esgoto e insolação tropical contribuem para a proliferação
de algas.
A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), em seu Relatório da Qualidade das Águas Interiores no Estado de São Paulo 2018,
informou que os pontos localizados no Complexo da Billings e em um
ponto no reservatório do Rio Grande, no município de Ribeirão Pires,
apresentaram a classificação anual ruim para o Índice da Comunidade
Fitoplantônica, principalmente em razão da grande presença de organismos
e cianobactérias.
Atualmente
são mantidos na bacia da Billings, pela Cetesb, as Estações de
monitoramento automático on line da qualidade da água Ribeirão Pires, no
braço do Rio Grande junto à captação da SABESP, para onde afluem as
águas do ribeirão Pires; no braço do Taquacetuba; e na barragem
reguladora Billings-Pedras (Summit Control).
Somado
a estes problemas, recentemente houve a constatação de mortandade de
peixes em casos isolados. “Caiu um tipo de óleo, no Braço Central, perto
da Imigrantes, que impediu a entrada de luz e baixou o oxigênio na
água”, explica a pesquisadora.
Segundo Marta, os estudos do IPH/USCS têm sido encaminhados aos
órgãos públicos gestores competentes, para o auxílio de políticas
públicas mais eficientes, e ao Ministério Público Estadual.
Riqueza ambiental
Para
melhor compreensão da importância da despoluição, mais um argumento é
quanto ao patrimônio ambiental da Sub-bacia da Billings ser de extrema
relevância. Em levantamento de fauna e flora, algumas espécies de flora
reféns da pressão no entorno na região são a bromélia Tillandsia
linnearis, considerada extinta antes destes estudos, as orquídea-de-Loddigess Catleya loddigessi e a orquídea-de-samambaiuçu Zygopetalum maxillarie, o bambú Merostachys neesii e a palmeira prateada Lytocaryum hoehnei. A ictiofauna da Billings tem diferentes espécies, como o lambari – Astyanax fasciatus, a traíra – Hoplias malabaricus, o cará – Geophagus brasiliensis e a coridora – Corydoras aeneus.
A região da sub-bacia também é refúgio para diferentes aves, como o tucano-debico-verde – Ramphastos dicolorus -, a marreca caneleira – Dendrocygna bicolor – e a fragata comum – Fragata magnificens. Estas e outras características da Billings, são descritas no Caderno de Educação
Ambiental, na edição especial Mananciais: Billings, um trabalho de 300 páginas com vasta informação, da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, em 2010.
Ao
se conhecer melhor esta região de mananciais, o que fica claro é a
importância da valorização ambiental da região, com o que ainda resta de
Mata Atlântica no entorno e o quanto pode ser recuperado.
Importância das unidades de conservação
Na
Sub-bacia Billings existem três áreas tombadas: a Área Natural Tombada
da Serra do Mar; a Área Tombada da Vila de Paranapiacaba (Santo André) e
a Área Tombada da Cratera da Colônia (São Paulo). Unidades de
conservação servem como meio de inibir e conscientizar sobre o perigo do
desmatamento e poluição.
Na
região da Billings, estão o Parque Estadual da Serra do Mar – Núcleo
Itutinga-Pilões, e o Parque Municipal Estoril, em São Bernardo do Campo;
o Parque Municipal Milton Marinho de Moraes, em Ribeirão Pires; o
Parque Natural Nascentes de Paranapiacaba e Parque Natural Municipal do
Pedroso, em Santo André; o Parque Fernando Vitor de Araújo Alves, em
Diadema, e as Áreas de Proteção Ambiental municipais (APAs)
Capivari-Monos e Bororé-Colônia, na zona Sul de São Paulo. Somados a
estas UCs, estão terras indígenas guarani.
Mas
apesar de estarmos no século XXI, grande parte do reservatório ainda
recebe bilhões de litros de esgoto in natura. Historicamente o problema
vem de longa data. As leis de proteção dos mananciais existem desde 1976
e a discussão sobre o enfrentamento e necessidade de solução para o
problema da poluição das águas do reservatório já eram discutidos desde
aquela época.
Soluções esperadas há décadas
Diferentes
governos (estaduais, municipais), por décadas, se comprometeram com
soluções para a despoluição, mas o problema continua. Nos últimos anos,
novos anúncios do poder público têm sido feitos quanto a obras
milionárias de saneamento, e com metas ambiciosas. Um deles é do
Programa Pró-Billings, em São Bernardo do Campo, que tem o objetivo de
garantir 100% de coleta e tratamento de esgoto de todo o “Grande
Alvarenga” até o ano que vem. A fase anterior foi na região do
Batistini. Uma parceria da prefeitura municipal com a Companhia de
Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), com recursos
nacionais e internacionais.
O
Governo do Estado também divulgou que até 2022 o rio Pinheiros estará
limpo. Por outro lado, a população, por meio de organizações
socioambientais, movimentos, academia e ministério público têm cobrado
as realizações, que têm como princípio um planejamento urbano com visão
de longo prazo.
Externalidades afetam comunidades
O
aspecto humano é mais um elemento importante no Projeto IPH/USCS, que
não pode ser menosprezado pela gestão pública, segundo a bióloga. Marta
Marcondes alerta que há também uma quantidade significativa de
externalidades que atingem quem vive bem próximo da represa, devido à
baixa qualidade apresentada na maior parte dos trechos do reservatório.
“São casos de depressão, ansiedade, transtorno de estresse
pós-traumático. Muitos sofrem o estigma de viverem lá. Dessa forma, o
Sistema Único de Saúde (SUS) também é onerado. Quatro aldeias indígenas
guarani e cerca de 300 pescadores artesanais já foram afetados”, afirma.
No
Plano Municipal de Saneamento Básico de São Bernardo do Campo, em 2017,
foi detectado que a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Riacho Grande,
que fica próxima à Billings, atendeu em 2016 índice 55% superior de
pacientes com doenças transmitidas pela água do que a média do
município. A unidade atingiu a taxa de 100 casos a cada mil moradores na
análise de incidência do problema, a maior delas medida no município.
Leis descumpridas
O
que causa apreensão é o fato de o arcabouço legal não estar sendo
suficiente para alterar este cenário ao longo dos anos, que infere
também a relação de comando e controle. A existência da Lei da Billings,
que completou 10 anos em 2019, apesar de ser importante, não consegue
frear todos estes problemas. A gestão é composta pelos órgãos das
administrações públicas estadual e municipais, um órgão colegiado
(Comitê de Bacia Hidrográfica do Alto Tietê – Subcomitê de Bacia
Hidrográfica Billings-Tamanduateí – SCBH-BT) e um órgão técnico. Segundo
Marta, outras legislações também deveriam ser respeitadas, como a Lei
da Mata Atlântica, o Código Florestal e da Reserva da Biosfera do
Cinturão Verde da Cidade de São Paulo.
Segundo o advogado Virgílio Alcides de Farias, especialista em
Direito Ambiental, é preciso ressaltar que a Constituição brasileira
define que o Estado, o poder público com a cobrança da coletividade, que
já faz o seu papel têm o dever de manter o equilíbrio ambiental para
que o meio ambiente seja salubre, entretanto, o poder público não tem
cumprido seu papel quanto à represa que está degradada.
Mais um descumprimento, de acordo com Farias, é quanto ao artigo 46
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do
Estado de São Paulo. O texto determina, no prazo de três anos, a contar
do dia 5 de outubro de 1989, os Poderes Públicos Estadual e Municipal
ficariam obrigados a tomar medidas eficazes para impedir o bombeamento
de águas servidas, dejetos e de outras substâncias poluentes para a
represa Billings.
O
planejamento urbano é um ponto estratégico nesta análise, reitera o
engenheiro Renato Tagnin, especialista no tema mananciais e expansão
urbana. “Quem bebe a água da Billings e da Guarapiranga, parte é de
reuso. Os tratamentos não alcançam os parâmetros adequados. Ainda temos a
vulnerabilidade dos aquíferos, com a superexploração das águas
subterrâneas. O mercado não atribui o valor à vegetação. Outras pressões
são viárias, como os projetos de novos acessos do Rodoanel…”, explica.
Mais
uma análise feita por Tagnin se refere à projeção da expansão urbana
para 2030 na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). “Praticamente a
bacia toda deverá ser ocupada. É um cenário dantesco. Até fundos de
vale, acabando com a reserva da biosfera… E o plano de abastecimento da
macrometrópole prevê a busca da água cada vez mais longe”.
Com
o histórico de mobilizações que se estende há décadas, o que fica
notório é que a despoluição da Billings é uma questão muito maior, que
envolve a RMSP, quanto ao modelo de desenvolvimento. Basta dizer que o relatório sobre a Vulnerabilidade Hídrica da RMSP,
divulgado pelo Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (PROAM), em
2017, sinaliza esta questão apresentada pela Campanha Billings, eu te
quero viva!, que existe desde os anos 90. Este reservatório que foi
construído com o propósito de geração de energia, acabou se tornando uma
fonte imprescindível para o abastecimento de água.
*Sucena Shkrada Resk é jornalista, formada há 27 anos, pela PUC-SP,
com especializações lato sensu em Meio Ambiente e Sociedade e em
Política Internacional, pela FESPSP, e autora do Blog Cidadãos do Mundo –
jornalista Sucena Shkrada Resk (https://www.cidadaosdomundo.webnode.com), desde 2007, voltado às áreas de cidadania, socioambientalismo e sustentabilidade.
Estamos
respirando e ingerindo microplástico. Onde isso vai parar?
Não é de hoje que divulgamos por aqui os efeitos do uso descontrolado do plástico em nossas vidas.
E não é só sobre canudos, garrafas PETs e sacolinhas que estamos
falando, não. O problema é pior do que a gente pensa e muita gente nem
se dá conta disso. Felizmente, existem instituições que estão
trabalhando forte nesse tema e a FAPESP é uma delas.
Certo dia estava eu conversando com algumas pessoas em um almoço de
família e entramos no assunto sobre plásticos e afins. Como leio
bastante para contribuir para este site, mencionei na conversa sobre o
fato de estarmos respirando e ingerindo microplásticos no ar, na água, na comida… Veja aqui um dos artigos que escrevi sobre esse assunto:
Pois bem, quando falei isso, uma das pessoas que estava no almoço, zombou da minha cara dizendo: "Hummm, olha… estou bebendo microplásticos e está uma delícia"!
Naquele momento, não valia a pena argumentar, em respeito à idade e até
mesmo ao grau de instrução da pessoa, resolvi me calar. No entanto,
confesso que essa atitude me perturbou bastante, pois não é a única
pessoa que reage dessa maneira quando tentamos conscientizar sobre os perigos do plástico para o planeta e para nossa própria saúde.
E já que um simples argumento ou fato não foram suficientes para
despertar as pessoas para a necessidade de rever os hábitos de consumo e
incentivar a conscientização sobre o problema do plástico, quem sabe
incluindo um embasamento, a ficha não começa cair, não é mesmo?
Pesquisa sobre monitoramento dos microplásticos
A revista Pesquisa FAPESP tem feito várias publicações sobre
o assunto com embasamentos de pesquisadores, professores, cientistas e
especialistas que possuem uma excelente bagagem para fundamentar o meu
"inocente" comentário no almoço de família.
Segundo as pesquisas desta instituição, os microplásticos são pequenos fragmentos, esferas, pedacinhos de filmes, fibras de plástico com até 5 milímetros de diâmetro ou de comprimento, que são encontrados no ar, na água da torneira e até nas garrafinhas de água que muitos ainda compram por aí!
Muitos alimentos que consumimos contêm microplásticos, por exemplo: sal marinho, mel, cerveja, frutos do mar e peixes. Como consequência, nossas fezes ficam contaminadas
pelos microplásticos advindos desses e outros alimentos e, ao serem
excretadas, voltam para o meio ambiente, gerando um ciclo
"aparentemente" inofensivo, porém muito perigoso.
Felizmente, existem pessoas e organizações que de fato se preocupam
com esse problema e estão criando iniciativas para resolvê-lo. De acordo
com a FAPESP, instituições europeias e brasileiras pretendem
disponibilizar € 10,5 milhões a partir do ano que vem para investir em
quatro grandes pesquisas relacionadas às fontes desses microplásticos.
O intuito deles é monitorar o percurso dos microplásticos
desde a sua origem até a chegada aos oceanos, bem como identificar os
diversos formatos que eles podem ter. Isso porque existem fragmentos
microscópicos de plásticos, cuja escala é medida em nanômetros, ou seja,
são menores do que 1 milésimo de milímetro.
Ok, mas o que isso tem a ver com a nossa saúde? Obviamente, tudo!
Imagine só, esses nanoplásticos entrando na sua corrente sanguínea
e dominando seus rins, fígado e cérebro? Apesar de parte dessas
partículas serem eliminadas pelas fezes, elas retornam para o meio
ambiente. E o problema não pára por aí. De acordo com os pesquisadores, os
microplásticos podem permanecer no organismo causando problemas de
saúde, afetando principalmente o sistema endócrino e a produção de
hormônios.
É por este e outros motivos que as instituições estão se unindo e
arrecadando fundos para conseguirem ir adiante com essas pesquisas, da
qual a FAPESP também fará parte. Vamos acompanhar essas pesquisas e
torcer para que, não só o monitoramento dos microplásticos seja feito,
mas que eles consigam o apoio necessário para encontrar alternativas
para diminuir e quem sabe até estancar o escoamento desses fragmentos
pelo planeta.