É até
cansativo dizer isto, mas o fato é que nas escolas de ensino médio
(aliás, universidades idem) o que se aprende, em geral, não passa de
propaganda ideológica. Professores que ainda vivem no mundo da Guerra
Fria matam a capacidade de pensamento da juventude. E tome Marx,
Foucault, Bourdieu etc. Nessa ladainha, Adam Smith é apenas um vilão.
Artigo de Joel Pinheiro da Fonseca, "Nota máxima para o clichê
ideológico" (via Instituto Millenium):
Vendo as
redações com nota máxima do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de
2014 que começaram a ser veiculadas na mídia em maio, quando o
Ministério da Educação (MEC) liberou a consulta aos espelhos da correção
oficial, penso não na publicidade infantil, tema da prova, mas na
propaganda ideológica juvenil, também presente nos textos.
Essa
modalidade de propaganda é transmitida principalmente nas disciplinas de
humanas do ensino médio a jovens que estão engatinhando na vida
intelectual. Ainda despreparados para formular suas próprias ideias,
matam essa capacidade no berço e compram com facilidade os discursos e
as formas de pensar a eles vendidas.
Faz mais de uma década que terminei o ensino médio e constato que nada mudou.
O fim da
Guerra Fria continua sendo o mais importante referencial histórico; o
mundo desde então estacionou sob o jugo do capitalismo. O capitalismo,
por sua vez, gera intencionalmente a doença do consumismo para que as
pessoas comprem sempre mais, caso contrário o sistema ruiria sob o
excesso de produção. A mídia exerce o papel de controladora quase
onipotente dos desejos humanos, incitando-os ao consumo desmedido. As
crianças são especialmente indefesas. E o Estado é a principal ou mesmo a
única instância que visa nosso bem e que pode nos proteger.
Partindo
desse esquema básico, praticamente todas as redações chegam à mesma
conclusão: a publicidade infantil deve ser proibida ou sofrer pesadas
restrições.
É curioso
que, na era da internet, dos smartphones, do YouTube, tablets e redes
sociais, nada disso sequer seja mencionado em redações sobre a relação
das crianças com a comunicação eletrônica. A vida mudou, os hábitos são
outros, mas o discurso sobre o tema continua preso à imagem da criança
sozinha em casa na frente da televisão sem qualquer outro contato com o
mundo externo.
Da mesma
forma, ninguém menciona a queda histórica da receita com publicidade,
seja televisiva, impressa ou mesmo online. Simplesmente atribuem poderes
imensos a uma indústria em processo de fragmentação e cujos principais
atores passam por uma crise profunda.
É
interessante notar que se a propaganda fosse realmente a todo-poderosa,
seria muito fácil reverter, por exemplo, a má alimentação infantil:
bastaria fazer publicidade de vegetais e comidas mais saudáveis, coisa
que as marcas infantis até tentam -vide as maçãs da Turma da Mônica-,
com sucesso limitado. Ao mesmo tempo, impérios outrora imbatíveis como o
McDonald’s têm vendas em queda livre no mundo inteiro, inclusive nos
Estados Unidos, a despeito de seu pesado investimento em publicidade.
Não se menciona, ademais, que a publicidade infantil de hoje é mais
comedida do que a de décadas passadas, quando a televisão tinha alcance
muito maior.
As
práticas da indústria também mudaram: já faz anos que as lanchonetes
vendem brinquedos separados de lanches e oferecem frutas na sobremesa,
que biscoitos recebem doses extras de vitaminas e que mascotes foram
banidas da propaganda de cerveja. E, no entanto, a revolta com as
práticas comerciais nunca foi tão forte.
Por fim,
apesar de tanto se falar em capitalismo, ninguém se preocupa em imaginar
as consequências econômicas de uma possível proibição. É como se a
produção e a oferta de produtos infantis e de espaços destinados ao
público mirim fossem completamente independentes da publicidade que
garante vendas e receitas.
Todas
essas considerações poderiam figurar na educação que os jovens recebem,
ainda que como contraponto. E, no entanto, não figuram. A narrativa
básica já está formatada e é vendida pronta para que milhões de jovens a
reproduzam nas provas. Uma visão de mundo antimercado e anticonsumo
vigora nos cursos de humanas de nossas universidades, inclusive nos de
pedagogia.
É um
discurso de quem se alinha mais ao mundo socialista que ao capitalista e
hoje sente saudades daquela “alternativa”. Nesse pensamento, pouco se
busca entender do funcionamento normal do mercado, com propriedade
privada, sistema de preços, empreendedorismo, publicidade, risco,
consumo, lucro e especulação. A isso tudo reserva-se a condenação. É
compreensível que esse tipo de pensamento tenha se difundido quando
lembramos que ele foi também uma reação à ditadura militar censora,
violenta e autoritária que se colocava como radicalmente antisocialista.
Só que os tempos mudaram, e os conteúdos não.
É natural
que a formação dos professores se reflita nas salas de aula e mesmo na
já previsível escolha de temas do Enem. Um professor, falando de
questões sociais e econômicas, traz sua própria bagagem. O que não é
intelectualmente saudável é que ela seja a referência única, sem
alternativas, e que tenha parado no tempo, ficando alheia à revolução
tecnológica e às tendências atuais da sociedade.
Adolescentes
terminam o ensino médio sem nem mesmo terem noções rudimentares de
oferta e demanda, mas familiarizados com o conceito de mais-valia e
cheios de certezas sobre os males do sistema econômico “neoliberal” e
com ojeriza à ideia de lucro.
E não é
apenas uma questão de conteúdo. Há uma notável semelhança também na
forma de pensar e de escrever. Os estudantes usam e abusam de citações –
Marx, Foucault, Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Freud,
Gandhi, Platão, Bourdieu; além do vilão Adam Smith- e nenhum deles faz
referência à própria experiência de ter sido criança há não mais do que
sete anos e, portanto, julgar se, em seu próprio caso, a publicidade
infantil era tão poderosa assim.
Nossos
estudantes aprendem que a menção a medalhões do pensamento – muitas
vezes mal colocada – é preferível às suas próprias ideias e pensamentos.
A supressão da primeira pessoa é, diga-se de passagem, uma exigência
rígida de estilo nas redações, ensinada em colégios e cursinhos e
observada por todos.
A criança
– creio que ninguém discorde- não tem maturidade para tomar decisões de
consumo por conta própria. Por isso mesmo não controla o dinheiro da
casa. Aos poucos, amparada por pais e escola, aprende a lidar com os
apelos do mundo e da mídia.
O
adolescente também vive uma imaturidade: a intelectual. Inicialmente
indefeso frente a apelos ideológicos, vai aos poucos aprendendo a pensar
por conta própria. Para isso, ao invés de ensinado a repetir
dogmaticamente o “discurso crítico” de gerações passadas, poderia ser
estimulado a procurar novas ideias, a comparar posições conflitantes, a
articular suas experiências e a fomentar debates.
Assim teríamos mais
diversidade de opinião no Enem e, quem sabe, as sementes de uma
renovação intelectual do país.