Por Claudio Angelo, do Observatório do Clima
- segunda-feira, 14 novembro 2016 11:29
Se Donald Trump abandonar a ação contra as mudanças climáticas, como
vem indicando que fará, estará abrindo espaço na cena internacional para
outras lideranças, como a China, a Rússia e até mesmo o Brasil. Esses
países poderão usar sua liderança no clima, no vácuo dos EUA, como
escada para uma ascensão global em outros temas.
A aposta é de Christopher Field, da Universidade Stanford, e
Katharine Mach da Carnegie Science, nos EUA, e respectivamente
coordenador e coordenadora-adjunta de um dos grupos que produziram o
Quinto Relatório de Avaliação do IPCC, o painel do clima da ONU.
Ambos chegaram a Marrakesh para a COP22 no dia seguinte à eleição do
magnata para a Presidência dos Estados Unidos. Como vários outros
participantes da conferência, ainda tentavam se recuperar do
choque de
ter como homem mais poderoso da Terra um homem que chamou a mudança
climática de “fraude” e que já disse, durante a campanha, que
estimularia o setor de óleo e gás e ressuscitaria a indústria do carvão
em seu país.
Os cientistas apostam em que há limites para as bravatas de Trump no
setor de energia. “Quem está ganhando a guerra contra o carvão é o gás
natural, não as regulações”, diz Mach. Field completa o raciocínio e diz
que, se o republicano de fato quiser estimular a extração de óleo e gás
não-convencionais, por meio do “fracking” (fraturamento hidráulico),
estará automaticamente minando a possibilidade de o carvão ser
competitivo, já que foi o preço baixo do gás que possibilitou a redução
do uso de carvão – e das emissões do setor elétrico.
No entanto, prosseguem, Trump poderá reduzir incentivos ao
desenvolvimento de energias limpas nos EUA, o que minaria a capacidade
do país de ser líder nesse tema, como vem sendo especialmente no segundo
governo de Barack Obama. “Outros países poderiam tomar a dianteira”,
diz Field.
Na semana passada, Marrakesh já viu um movimento nesse sentido. Os
negociadores da China deram uma entrevista coletiva para dizer que seu
país não de desviaria da ação que tem tomado para desenvolver (e vender)
tecnologias energéticas limpas e que, embora entendessem que a
liderança na cena climática seja atribuição dos países desenvolvidos,
“nós ficaríamos felizes se a ação da China estimulasse outros países”.
Field e Mach falaram ao
Observatório do Clima no Bab Ighli,
centro de eventos que abriga a COP22, na noite de quinta-feira, antes de
uma fonte do governo Trump ter dito à agência Reuters que o presidente
eleito buscaria a via mais rápida possível para abandonar o Acordo de
Paris. Leia a entrevista.
Chris Field. Foto: Stanford University
Quão ruim é a vitória de Donald Trump para o clima?
Chris Field: Acho que houve declarações contraditórias de
Trump durante a campanha. Por um lado, ele disse que está interessado em
legitimamente proteger o ambiente e, por outro, ele é a favor de se
livrar de um monte de regulações ambientais e de acordos internacionais.
Essas afirmações são inconsistentes entre si. A maioria das regulações
ambientais é boa para o ambiente e para a economia. Isso quer dizer que
Trump vai se ater às evidências? Ou sua administração vai ignorar as
evidências e se livrar das regulações? Eu queria muito saber a resposta,
ou ser otimista sobre a resposta.
Katharine Mach: Trump disse várias vezes que quer incentivar
o óleo e gás e trazer de volta o carvão. O que é interessante aqui é
que, domesticamente, quem está ganhando a guerra contra o carvão é o gás
natural, não as regulações. Vários Estados estão empurrando as
renováveis hoje em dia.
E todos os cinco Estados que têm mais energia
eólica votaram em Trump. Então é interessante pensar nisso: a maioria
dos americanos acha que o clima está mudando e querem ver ação a
respeito, e ao mesmo tempo eles podem dizer, bem, energia limpa trata de
gerar empregos, construir economias sólidas e limitar riscos
catastróficos. Em muitos aspectos é só ganha, ganha, ganha ganha, de
formas que os apoiadores de Trump gostariam.
Como se compara isso com a era Bush, quando um presidente republicano também assumiu e rejeitou a ação climática?
Chris Field: Há um par de coisas fundamentalmente diferentes
entre os anos Bush e os dias de hoje. A primeira é que naquela época se
podia questionar legitimamente se a mudança climática causada por
humanos era um assunto importante.
Isso está fora de questão hoje. E os
poucos céticos do clima que ainda restam estão à margem do sistema
global.(Jair Bolsonaro? Olavo de Carvalho?)
Outra grande diferença é que os renováveis em todos os casos são
competitivos em custo com os combustíveis fósseis e, em muitos casos,
são a opção mais barata. Nós saímos de um ambiente no qual se encarava a
redução das emissões de gases de efeito estufa como um sacrifício.
O
Brasil é claramente um líder na implementação de biomassa competitiva,
por exemplo.
Quão importante é a liderança dos EUA? É importante, em parte porque
os EUA têm uma tradição de ser um grande emissor, mas também têm uma
tradição de ter preocupação com os rumos que o mundo toma. E capitular
dessa liderança é sem dúvida um problema sério. E outros países veem
isso potencialmente como uma oportunidade para seus ambientes
diplomáticos, e
um vácuo na liderança americana é uma oportunidade para a
China, a Índia, a Rússia, o Brasil, de serem mais influentes no palco
global. E para reconhecer que ser um líder no clima é uma das maneiras
de ser líder em assuntos globais. E eu espero que os EUA não estejam
preparados para sacrificar essa liderança. Mas, se estiver, nós estamos
vendo mais e mais países interessados em tomar a dianteira.
O que quer dizer então é que, ao renunciar da liderança no clima, os EUA estariam abdicando de…
Chris Field: …de liderar em uma ampla gama de outros temas.
Em termos das implicações para o clima, se os EUA adotarem a
abordagem de ir mais devagar, quão mais rápido o clima aqueceria? E isso
tem dois componentes: um o que acontece nos EUA e outro, como a
percepção da inação dos EUA afeta outros países. Sobre o primeiro
aspecto, honestamente, se eu olho para a dinâmica que está afetando as
emissões dos EUA, em sua maior parte, é o preço baixo do gás natural e a
troca do carvão pelo gás natural, o que basicamente não tem nada a ver
com regulação de emissões. E isso deve continuar em qualquer
administração.
Trump falou muito em favor de encorajar o fracking, e, se o fracking
for estimulado, não há hipótese de o carvão ser competitivo. A questão
real passa a ser o que acontece com os renováveis, e aqui nós estamos
vendo um crescimento muito rápido das renováveis, mas também trabalhamos
num ambiente no qual energia eólica e energia solar têm isenções
fiscais importantes e a remoção dessas isenções provavelmente retardaria
a penetração das renováveis no setor de eletricidade. E retardariam o
progresso dos EUA na redução de emissões.
No longo prazo, a maior
implicação seria que isso minaria a capacidade dos EUA de ser um líder
no desenvolvimento, nas vendas e nos ganhos econômicos advindos das
tecnologias limpas. Outros países poderiam tomar a dianteira.
Porque, na época de Bush, quando as empresas solares
americanas se mudaram para a Alemanha, o mercado não era tão grande, nem
a China estava vendendo painéis solares baratos no mundo todo.
Chris Field: Mas há outros países que estão prontos para
competir, não apenas na produção de energia, mas em toda uma gama de
soluções climáticas, desde carros eficientes até construções eficientes,
até iluminação e eletricidade. As tecnologias mais importantes do
século 21 poderão ser as tecnologias limpas, e eu acho muito difícil de
acreditar que os EUA possam abandonar sua capacidade de ser líder nessas
áreas.
Vocês acham que essas indústrias hoje têm poder suficiente para pressionar Trump?
Chris Field: Você esperaria que as indústrias tradicionais,
moribundas, fossem as que têm poder político, e as indústrias emergentes
fossem ter problema. Certamente há algumas empresas gigantes de óleo e
gás que ainda têm poder, como a Exxon Mobil, a Chevron. Mas onde o
dinheiro corre mesmo é nos Googles e Facebooks e nas empresas de
tecnologia que também são players importantes no setor de soluções
climáticas. Muita coisa tem a ver com o mapa político nos EUA e com onde
as indústrias tradicionais, como o carvão, têm um papel nas alavancas
do poder político. Uma coisa que a eleição mostrou foi quão desigual é a
distribuição do poder político, com as zonas rurais tendo uma
influência desproporcional nos resultados da eleição.
E quanto à ciência? Eu sempre tenho a impressão de que
cientistas americanos ainda sofrem um estresse pós-traumático da era
Bush e, justo quando estavam começando a se recuperar dele, Trump foi
eleito. Vocês temem isso?
Chris Field: Baseado na minha experiência no IPCC, eu não
diria que os cientistas americanos tenham sido mais conservadores em
suas abordagens do que os outros. No último relatório do IPCC, vimos
alguns cientistas em todos os grupos de trabalho muito cautelosos na
maneira como eles abordam as questões. As recompensas dentro da ciência
sempre foram meio desalinhadas com as motivações de informar a
sociedade.
A ciência sempre enfatiza muito ter certeza sobre o resultado
antes de publicar. A comunidade científica tem demorado um pouco a
entender a diferença entre os critérios de prova que são adequados para
demonstrar que um fenômeno ocorre e os critérios de precaução adequados
para entender o risco. Eu não sei se os cientistas americanos fazem isso
menos bem que cientistas em outras partes do mundo.
Katherine Mach. Foto: Stanford University
E claro que é cedo ainda para dizer se Trump vai cortar financiamento à ciência do clima, certo?
Chris Field: A única coisa que dá para dizer sobre isso
neste momento é que Trump fala um bocado sobre um setor de
empreendedorismo vibrante e, se há alguma coisa muito clara na história,
é que um setor empresarial vibrante depende de uma pesquisa e
desenvolvimento vibrantes e isso, por sua vez, tem na ciência acadêmica
uma componente-chave. Eu não posso dizer que tenha ouvido boas coisas a
esse respeito de Trump durante a campanha, mas acho que são maciças as
evidências de que devemos continuar a buscar um comprometimento grande,
na verdade maior, à P&D se quisermos ter a liderança econômica de
que ele tanto fala.
Katharine Mach: O ponto é mover-se para além da questão de
se os humanos estão causando as mudanças climáticas para não só existe o
entendimento de que ela está acontecendo como nós conseguimos ver os
impactos em tempo real. A agenda de P&D não toca mais na questão de
se é real, mas do que podemos fazer a respeito.
Chris Field: Acho que tudo se resume à questão: Como fazemos
dinheiro no século 21? Se fizermos dinheiro fazendo painéis solares
melhores ou veículos elétricos melhores, então a última coisa que você
vai querer é dizer: “Vamos parar com isso, porque isso também ajuda o
clima”. Precisamos ser espertos. Se tem uma coisa com a qual eu concordo
com Trump é que nós precisamos ser espertos com as nossas escolhas.
As pessoas ontem estavam, “é só um presidente”, mas é também
um Senado republicano, uma Câmara republicana e talvez uma Suprema Corte
republicana.
Chris Field: Tudo isso é verdade. Acho que o impacto que uma
administração Trump pode ter sobre o clima, a saúde, é imenso. Uma
coisa boa sobre os EUA é que nós temos um amplo conjunto de Estados e
governos locais. Nos últimos anos a maioria dos projetos mais
estimulantes no clima veio de Estados como Califórnia, Washington,
Oregon, Nova Inglaterra.
Eles estão dizendo muito sobre os EUA e o resto
do mundo, e duvido que a administração Trump, mesmo se tentasse,
poderia fazer muita coisa para suprimir as iniciativas locais.