Povoado
no Japão recicla 80% do seu lixo e a separação é feita em 45 diferentes
categorias. Moradores praticam o consumo consciente há 15 anos
porLiana MeloAtualizada em 8 de junho de 2018 , 14:08
Povoado de Kamikatsu, no Japão, onde 90% do lixo é reciclado, virou ponto turístico.Foto de divulgação
Existe um lugar onde praticamente o lixo acabou. Ele fica nas
montanhas da ilha de Shikoku, no sudoeste do Japão. Não fosse pelo fato
de todo material orgânico virar adubo e o índice de reciclagem dos
resíduos sólidos ser o maior do mundo – acima de 80% -, Kamikatsu
seria um povoado rural esquecido no mapa-múndi. Só que não. A cidade
virou uma referência global em reciclagem e gestão dos resíduos e é hoje
o exemplo mais emblemático de cidade lixo zero no mundo. O desperdício
zero será alcançado em dois anos, em 2020. Uma meta aparentemente
impossível, mas que os moradores desta cidade estão mostrando ao mundo
que é factível.
Central de Reciclagem em Kamikatsu. Foto de Divulgação
A separação é complexa e detalhada. Enquanto no padrão global a
divisão do lixo é restrita a quatro itens (papel, plástico, alumínio,
vidro e orgânicos), neste povoado, pasme: a separação é feita em 45
categorias. Os detritos que não são reaproveitados – um percentual de
20% de tudo que é consumido na cidade -, vai parar em lixões, que estão
com seus dias contatos. Jogar fora uma latinha de cerveja Sapporo, por
exemplo, não é tarefa simples. Se ela for de alumínio, a embalagem é
descartada em um recipiente; se for de aço, o destino já é outro. Uma
embalagem de vidro pode ter até quatro diferentes destinações – tudo vai
depender do tipo de material. E por aí vai. Há caixas para jornal,
revista, tampas de metal, adesivo de garrafas, lâmpadas…
Fomos a primeira cidade do Japão a declarar a ambição de lixo zero
Akira Sakano
Presidente do Conselho da Zero Waste Academy
“Fomos a primeira cidade do Japão a declarar a ambição de lixo zero”, lembra Akira Sakano,
que ganhou, durante o Fórum Econômico Mundial, o título de
“transformadora global”. O reconhecimento em Davos veio há três anos,
pouco mais de uma década depois da revolução que ajudou a liderar em
Kamikatsu, sua cidade natal.
Akira e Rodrigo Sabatini, organizador do congresso em Brasília. Foto de Divulgação
Presidente do Conselho da Zero Waste Academy, no Japão, e consultora
de políticas de Lixo Zero no seu país, Akira veio ao Brasil apresentar a
experiência de Kamikatsu durante o 1º Congresso Internacional Cidades Lixo Zero.
Depois de 30 horas de voo, desembarcou no palco do encontro e mostrou
como sua cidade resolveu um problema que vai além da gestão do lixo.
“A consciência ambiental de cada um dos moradores de Kamikatsu é
nossa maior aliada”, comentou, acrescentando que a meta de chegar em
2020 com zero de desperdício não se restringe a gestão do lixo. “A
redução do consumo é fundamental para reduzir a produção de lixo”,
defende, acrescentando que os moradores da cidade praticam a redução, a
reutilização e a reciclagem – o que na linguagem acadêmica é conhecida
como 3 Rs, ou seja, reduzir, reutilizar e reciclar.
Kimono é transformado em bolsa. Foto de Divulgação
Não há caminhões de lixo em Kamikatsu, a quinta menor cidade do Japão
em termos populacionais. Com uma população eminentemente idosa – mais
da metade dos moradores tem acima de 65 anos, o consumo consciente é um
mantra seguidos por todos. Nada é desperdiçado. Um quimono velho, por
exemplo, pode virar uma bolsa. A cidade tem algumas lojas no estilo
Kuru-kuru – espécie de loja de troca, onde o morador pode deixar uma
peça de roupa ou um utensílio que não usa mais e trocar por outro, ou
ainda apenas deixá-lo para ser reciclado.
Capitão
Moore, que descobriu a mancha de resíduos no pacífico, alerta que
epidemias de obesidade e diabetes tipo 2 estão associadas ao uso
intensivo dos plásticos
porLiana MeloAtualizada em 11 de junho de 2018 , 14:03
Denúncia de lixo no mar, não importa onde aconteça é problema (Sergio Hanquet/Biosphoto/AFP)
Os peixes e outros animais marinhos que nadam no Oceano Pacífico
andam se alimentando de uma sopa intragável, que boia a 1,6 mil
quilômetros da costa entre a Califórnia e o Havaí: uma mistura de
plástico com plânctons e mais uma enorme quantidade de lixo. É uma dieta
pouco saudável e que vem sendo ingerida há anos. A sopa só aumenta de
tamanho, desde que, há duas décadas, foi descoberta, por acaso, pelo
capitão Charles Moore. Da imagem perturbadora do lugar, que batizou, à
época, de “mancha de lixo”, Moore se transformou em ativista, criou duas
ONGs ambientais, a Algalita Manine Research Foundation e a Long Beach
Organic, e virou um pessimista assumido.
“Usem menos plástico”, bradou, em alto e bom som, capitão Moore no
palco do 1º Congresso Internacional Cidades Lixo Zero, que está
ocorrendo em Brasília desde o último dia 5. A mancha, que é duas vezes
maior que o estado do Texas, nos Estados Unidos, não é a única. As ilhas
de lixo dos oceanos – conhecidas no jargão científico como vórtices –
somam cinco ao todo. Os redemoinhos formados pela circulação oceânica
recebem materiais, especialmente plásticos, que vem de milhões de
quilômetros de distância e o lixo circula, sem ter como sair.
Capitao Charles Moore. fala surante o Congresso Internacional de Cidades Lixo Zero (Foto de Liana Melo)
Ele conclamou os participantes do encontro a transformarem o dia 15
de setembro, Dia Mundial de Limpeza de Rios e Praias, numa data de
combate à poluição plástica nos mares. “O lixo que boia nos oceanos está
a quilômetros de distância de qualquer zona econômica, de qualquer
país, e, por isso, não tem dono”. O problema só cresce de tamanho, já
tendo se transformado num dos maiores desafios ambientais do nosso
tempo.
Dados das Nações Unidas indicam que, todos os anos, mais de oito
milhões de toneladas de plástico nos oceanos. Ainda segundo a ONU, a
cada minuto, são compradas um milhão de garrafas plásticas e 90% da água
engarrafada contêm microplásticos. E os animais marinhos e os peixes
que comem qualquer coisa que encontram pela frente, passaram a comer
plástico. Recentemente, em mais uma de suas expedições, Moore encontrou
uma micropartícula de plástico dentro de uma água viva.
Estamos produzindo plástico de forma estúpida e irresponsável
capitão Charles Moore
fundador das ONGs Long Beach Organic e Algalita Manine
Alguns cientistas já defendem que o planeta está entrando na Era do
Plástico, por consideraram que a superfície da Terra está alterada pelo
descarte de materiais de longa durabilidade. As mudanças não estão
restritas ao meio ambiente. A saúde humana tem sofrido as consequências,
por exemplo, da dieta plástica.
Um oceano de lixo na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro (Foto Custodio Coimbra)
“A exposição durante a gravidez ao bisfenol A (BPA), substância
utilizada para a fabricação de garrafas plásticas, aumenta
substancialmente o risco de o bebê desenvolver diabetes e outras doenças
cardíacas”, advertiu capitão Moore. A epidemia de obesidade e de
Diabetes tipo 2 está intimamente ligada ao uso intensivo de plástico no
nosso dia a dia. “Estamos produzindo plástico de forma estúpida e
irresponsável”, concluiu.
Os dejetos microscópicos criam ainda outras anomalias, como uma
tartaruga que cresce com um anel de plástico em volta do casco ou
albatrozes com emaranhado de fios dentro do corpo.
As soluções mágicas da geoengenharia e os seus resultados nem sempre previsíveis. Imagem VSC / Science Photo Library
Há diversos meios testados e comprovadamente eficazes de evitar que o
planeta Terra aqueça antes de chegar a patamares considerados
perigosos. Se a principal causa do aquecimento global é a queima dos
combustíveis fósseis, não deveria haver muitas dúvidas sobre as saídas.
Elas são claras, porém, não são simples. Pois dependem de uma boa dose
de vontade política e de altos investimentos em energia renovável.
Existem também outros meios de enfrentar o problema, mais radicais e cujos resultados são imprevisíveis. É o caso da geoengenharia.Ela
não chega a ser exatamente nova. Nos primeiros anos da Guerra Fria,
tanto os Estados Unidos quanto a União Soviética gastaram uma quantia
considerável de dinheiro para controlar o clima como parte de sua
estratégia militar. Uma das primeiras propostas foi a de represar o
Estreito de Gibraltar e o Estreito de Bering como meio de esquentar o
Ártico, tornando a Sibéria mais habitável.
O progresso na elaboração de artifícios para “proteger o mundo” tem
de sofrer uma pausa. Os governos precisam de salvaguardas eficazes
contra riscos incalculáveis
Janos Pasztor
Ex-assessor do secretário-geral da ONU para o Clima
Soa como uma rematada loucura. Caso o represamento tivesse ocorrido,
sabe-se hoje, o derretimento ártico teria levado a uma elevação do nível
do mar de tal magnitude que vastas áreas do planeta teriam ficado
submersas.
Propostas atuais, embora pareçam mais sensatas e tenham atrás de si
algum respaldo científico, resultariam em fenômenos difíceis de
calcular, e pior, também irreversíveis. Elas incluem borrifar dióxido de
enxofre na atmosfera para formar nuvens, resfriando artificialmente o
planeta. Ou colocar no espaço espelhos gigantescos que refletissem a luz
que chega ao planeta de volta para o espaço.
A defesa dessa forma de controle do clima serve ainda para esconder
alguns interesses, como o da indústria dos combustíveis fósseis, que
assim teria argumentos econômicos para seguir queimando-os, já que teria
sido dado um jeito na questão. Não surpreende que iniciativas nesse
sentido tenham dado a seus defensores espaço inédito no governo
messiânico de Donald Trump. O ex-presidente da Câmara Federal, o radical
republicano Newt Gingrich, afirma que a mudança do clima “é a mais
recente desculpa para controlar as vidas das pessoas” e elogia a
geoengenharia, por sua “promessa de tratar do problema gastando apenas
alguns bilhões de dólares por ano”.
Uma
das alternativas estudadas é borrifar dióxido de enxofre na atmosfera
para formar nuvens, resfriando artificialmente o planeta. Foto
Evolveconsciousness
O cientista Alan Robock, da Universidade Rutgers, nos EUA, alerta para a consequência mais severa:
“O aquecimento rápido depois que se parasse a geoengenharia seria uma
enorme ameaça ao ambiente e a biodiversidade. Devastador. Teríamos de
ter certeza de que fosse desativada gradualmente, e é fácil pensar nos
cenários que poderiam impedir isso”.
Este aquecimento faria animais buscarem novos habitats,
sem encontrar locais onde houvesse alimentos para a sobrevivência.
Muitas espécies não têm essa habilidade. Plantas, embora mudem de lugar,
como estão fazendo, buscando maiores altitudes, fazem isso mais
lentamente.
O progresso na elaboração de artifícios para “proteger o mundo” tem
de sofrer uma pausa, diz Janos Pasztor, ex-assessor do secretário-geral
da ONU para o clima. “Governos precisam de salvaguardas eficazes contra riscos incalculáveis”.
Algumas alternativas já foram ou estão sendo experimentadas com sucesso relativo, como a fertilização dos oceanos.
Ela implica em despejar em suas águas poeira de ferro para forçar o
crescimento de algas, que absorveriam grandes quantidades de dióxido de
carbono (CO2). Há a modificação de colheitas para que absorvam mais
carbono, florestas especialmente plantadas para isso, ou a captura e
armazenamento de carbono.
As propostas podem visar cenários locais, onde o controle seria
praticável, mas não se pode dizer o mesmo de técnicas como o bombardeio
de nuvens. Aplicada como solução em um lugar da atmosfera deixaria
riscos sobrarem para outros. Um aerossol borrifado no hemisfério norte,
por exemplo, geraria mais secas no Sahel e na Índia.
Animais
desenvolvem assinatura vocal como um sinal de identidade individual
usado na comunicação e na construção de redes de relacionamentos.
Habilidade é desconhecida em outros mamíferos não humanos.
Por Deutsche Welle
Espécies 'nariz-de-garrafa' são vistos na orla do Rio de Janeiro (Foto: Alexandre Azevedo / MAQUA / UERJ / Divulgação)
Golfinhos adotam nomes individuais para se comunicar uns com os outros e
construir um círculo social, aponta um estudo australiano realizado com
animais da espécie golfinho-roaz, também conhecida como
nariz-de-garrafa.
O golfinho macho desenvolve um "apito de assinatura" ou sinal de
identidade dentro dos primeiros meses de vida, que é estruturalmente
único, de acordo com o estudo divulgado nesta sexta-feira (8) pela
revista científica "Current Biology".
"O
apito de assinatura é um exemplo raro de um mamífero não humano usando
uma etiqueta vocal que pode ser considerada comparável a um nome
humano", disse o estudo.
"O
golfinho-roaz aprende com habilidade a produção vocal, um dom
notavelmente raro em mamíferos, e usa o aprendizado vocal para
desenvolver seu apito individual específico, que usa para transmitir sua
identidade", acrescenta o texto.
"Descobrimos que golfinhos machos mantêm seu apito exclusivo de
assinatura, permitindo-lhes reconhecer muitos amigos e rivais diferentes
em sua rede social, algo que atualmente não é conhecido em qualquer
outro animal não humano", escreveu a coautora do estudo, Stephanie King,
da Universidade da Austrália Ocidental no portal australiano
especializado em pesquisa acadêmica The Conversation.
"Foi demonstrado que esses apitos de assinatura são, de alguma forma,
comparáveis aos nomes humanos. Os golfinhos os usam para se apresentar
ou até copiar outros como meio de se dirigir a indivíduos específicos",
acrescenta King.
Sinais de identidade compartilhados
O estudo também revelou que, como em humanos – cuja voz pode se tornar
similar à de pessoas próximas –, os golfinhos-roazes também experimentam
uma convergência fonética.
"Convergência
em sinais de identidade compartilhados ou similares foi documentada em
golfinhos-roazes masculinos aliados", informa o estudo.
A acomodação vocal convergente é usada em muitas espécies para sinalizar proximidade social a um parceiro ou grupo social.
Quanto aos motivos por trás dessas "assinaturas de aliança", o estudo
afirma que os benefícios sugeridos incluem "difundir a identidade da
aliança como uma unidade social específica em relação a outros machos
aliados ou a fêmeas sexualmente receptivas".
O golfinho-roaz é uma das espécies mais famosas de mamíferos marinhos e
está presente nos mares temperados e tropicais, tanto em áreas
costeiras como em alto mar. A popularidade da espécie cresceu a partir
da série americana de TV Flipper e devido à capacidade de viver em
cativeiro.
Antes da chuva",
o documentário realizado pelo Instituto Socioambiental (ISA), dirigido
por Otávio Almeida, que acaba de estrear em plataformas digitais, dá
espaço para os indígenas falarem. Mas eles não estão, desta vez,
reclamando seus direitos sobre as terras que lhes são devidas. As
câmeras captam, neste filme, a triste constatação de jovens indígenas de
que o meio ambiente está sofrendo por causa dos abusos cometidos pela
humanidade. O filme revela o olhar dos xinguanos a este impacto e deixa
possível uma leitura da distância entre esta vivência sensorial e o
conhecimento científico sobre o fenômeno das mudanças climáticas.
A primeira cena, impactante e de uma beleza extraordinária, já deixa
muito clara esta experiência peculiar. Nela aparece uma mãe indígena com
um bebê no colo enrolado em manta e, ao lado, no chão, outro filho, já
mais velho. Venta forte e o grupo está na porta de sua oca, feita de
palha e madeira, tentando espantar o vento e a chuva que virá, com uma
vassoura nas mãos. A vulnerabilidade dos três chega a ser emocionante.
Assim como fica aparente a intimidade que eles têm com fenômenos
naturais.
É assim, também, quando a câmera acompanha jovens coletoras de sementes
pela floresta. Os protagonistas do documentário fazem parte da
Associação Rede de Sementes Xingu, uma rede de trocas e encomendas de
sementes de árvores e outras plantas nativas das regiões do Xingu e
Araguaia, a maior rede de sementes nativas do Brasil. A facilidade com
que tais jovens pegam sementes, com que vão desfolhando os mistérios do
ambiente que os cerca, é aparente. Muito, muito diferente do
conhecimento adquirido em livros e sites que norteiam pesquisas e
relatórios de cientistas e outros especialistas em meio ambiente
reunidos em fóruns e conferências do meio ambiente. Não estamos em tempo
de menosprezar nenhum saber, portanto a comparação não é
preconceituosa. Trata-se de uma constatação.
Está mais do que na hora de ouvir os indígenas para que eles possam
mostrar os sinais, cada vez mais claros, das mudanças do clima. E para
que eles possam ajudar a desenvolver políticas que, quem sabe, ainda nos
poupem de piores fenômenos do que a seca que lhes invade os dias.
Tawa, da Rede de Sementes, põe em palavras o que tem observado quando se lança em campo para fazer a coleta:
"Antigamente a gente seguia os sinais, mas não é mais como era", diz ele.
O jovem Oreme Ikpeng, da aldeia Moygu concorda:
"Quando a gente percebia que ia chover, a gente queimava a roça e, no
dia seguinte, já chovia. Hoje a gente segue esses sinais, mas a chuva
não vem. Queremos seguir as regras antigas, mas o tempo não acompanha
essas regras. Ou eu sigo a cultura tradicional, como é, ou eu me adapto à
nova cultura e aqueles sinais ficam só na história. Isto, para mim, é
triste", diz Ikpeng.
Já estive em algumas aldeias indígenas a trabalho, como repórter e, em
todas elas, procurei fazer perguntas sobre as alterações climáticas.
Para minha frustração, o que conseguia eram respostas evasivas ou muito
ensaiadas. E fiquei com a sensação de que os índios não gostam de falar a
respeito. Foi, portanto, uma grata surpresa ouvir os depoimentos no
documentário.
Dannyel Sá, que junto com Danilo Urzedo e Raíssa Ribeiro (todos da Rede
de Sementes) concebeu o projeto e a pesquisa, aceitou minha provocação
para refletir sobre esta minha percepção:
"A dificuldade é fazer a ponte com a linguagem acadêmica, de base
racional, das observações feitas, por exemplo, pelos cientistas do IPCC.
O que existe é uma incompatibilidade de linguagem porque os indígenas
notam mais do que todo mundo. Os sinais que eles usam são a própria
referência do tempo.
A floração de uma espécie indica que vai estar na
época do pracajá, uma estrela tal que aparece avisa que é época de
queimar. Todos esses sinais estão completamente desregulados, não tem
mais equivalente. Fazer uma tradução para nossa linguagem de forma que
dialogue com o nosso sistema é que é o ponto. O filme teve objetivo de
mostrar isso, explicando pela observação deles. Eles sabem que tem algo
errado, mas não sabem que tem uma discussão ampla, global, falando de
motivos para isso acontecer. Ou seja, essa dificuldade de eles falarem
das mudanças climáticas pode ser dificuldade de diálogo, de
perspectivas, de cosmologia", disse Dannyel, por telefone.
O território indígena do Xingu fica no coração do Brasil e foi a
primeira grande terra indígena demarcada pelo governo federal há 57
anos.
"São 2,8 milhões de hectares, oito mil pessoas que compõem uma
sociobiodiversidade única em uma região de transição entre Cerrado e
Amazônia”, diz o site do ISA,
organização que está com o povo xinguano desde 1994. O território está
preservado, mas há muita destruição em volta causada, basicamente, pelo
agronegócio, que provoca sérios impactos nos cerrados e nas florestas,
intensificando as mudanças climáticas e dificultando a produção agrícola
dos indígenas.
Num dos trechos do documentário, a câmera dialoga com índias coletoras
de sementes. Elas não têm dúvida de que o homem branco é que está
causando tanto mal à floresta, tanto desmatamento:
"Estamos
sofrendo com a falta de alimentos que nós mesmos causamos e que os
brancos também estão causando e com isso o sol está mais quente", diz
uma das mulheres.
O Rio Xingu, que garante a sobrevivência daquele povo, cuja história
está imbricada com a dos indígenas, agora também está mudado. O canoeiro
que transporta as sementes coletadas conta que antigamente ele gastava
menos combustível em seu pequeno barco porque o caminho era mais direto,
não precisava fazer tantas curvas.
"Antigamente
o rio era mais cheio e não precisava fazer curvas. Mas agora mudou
tudo, está diferente, o rio está muito seco. As viagens noturnas são
muito perigosas", diz ele.
São detalhes preciosos que fazem parte de uma vivência que não deve, não pode ser desprezada.
O documentário em curta-metragem foi premiado como melhor fotografia no
Festival dos Sertões e selecionado para mostras no Cinecipó – Festival
do Filme Insurgente e VI Congresso Latino-americano de Agroecologia. A
ideia do pessoal do ISA é que sejam criados grupos de pessoas
interessadas no tema para assisti-lo, gerando com isso um debate
construtivo.