Iniciativas testam soluções para recuperar a vegetação de áreas degradadas
BRUNO DE PIERRO |
ED. 238 | DEZEMBRO 2015
Os
primeiros resultados de um projeto de restauração ecológica da fazenda
Marupiara, no município de Paragominas, no Pará, começam a aparecer
quatro anos depois de isoladas as áreas degradadas e plantadas as
primeiras mudas de espécies nativas, como açaí e andiroba. Com emprego
de técnicas como o enriquecimento artificial de florestas, que
acrescenta novas espécies à vegetação em crescimento, conseguiu-se
recuperar cerca de 60% do território parcialmente destruído pela
exploração madeireira realizada nas últimas décadas.
Dedicada à pecuária
de corte, a propriedade tinha 17 hectares em situação irregular em
2011. Essas terras deveriam funcionar como áreas de preservação
permanente (APPs), protegendo os rios, o solo e a biodiversidade local. O
programa de recuperação também ajudou a diversificar a produção da
fazenda: açaí e madeira serão comercializados em breve.
Casos como esse têm potencial para se multiplicar nos próximos anos.
Em maio de 2014, o governo federal regulamentou o Cadastro Ambiental
Rural (CAR), instrumento criado para regularizar e monitorar cerca de
5,6 milhões de propriedades rurais. Com a conclusão do cadastro,
prevista para 2016, terá início o Programa de Regularização Ambiental,
que obrigará proprietários rurais a restaurar áreas desmatadas
ilegalmente no passado.
“Isso deverá aumentar a demanda por projetos de
restauração de formação natural no país”, diz o biólogo Ricardo Ribeiro
Rodrigues, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz
da Universidade de São Paulo (Esalq-USP).
Um dos principais polos da pecuária na Amazônia, Paragominas
encabeçou a lista negra do desmatamento do Ministério do Meio Ambiente
entre 2008 e 2010.
Após pressões do Ministério Público, a cidade
conseguiu sair da lista com o apoio da organização não governamental
norte-americana The Nature Conservancy, que ajudou a registrar 80% das
propriedades no cadastro ambiental rural do estado do Pará. Fora da
lista, o dilema passou a ser outro: como evitar que o município voltasse
para o rol dos grandes desmatadores? “A resposta não poderia ser outra:
deveríamos adotar técnicas modernas capazes de transformar a pecuária
praticada na região”, recorda-se Mauro Lucio Costa, dono da fazenda
Marupiara e ex-presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de
Paragominas.
O sindicato pediu ajuda a pesquisadores da Esalq-USP, que acumula
experiência em estudos de restauração florestal. “Nossos resultados de
pesquisa são oriundos de estudos feitos no âmbito do programa
Biota-FAPESP”, diz Ricardo Ribeiro Rodrigues, referindo-se à iniciativa
lançada em 1999 para mapear a biodiversidade paulista. Rodrigues foi o
coordenador do programa entre 2004 e 2009.
Um dos resultados foi um
documento de 2008 que apresenta diretrizes para conservação e
restauração da biodiversidade no estado de São Paulo, tendo como base o
conhecimento produzido pelo Biota-FAPESP.
O trabalho recomenda, por
exemplo, que os fragmentos remanescentes de vegetação nativa sejam
considerados em projetos de recuperação, enfatizando as matas ciliares –
a vegetação localizada às margens de nascentes, rios, córregos, lagos e
represas que protege as águas do assoreamento causado principalmente
pela erosão, além de atuar como núcleo de dispersão de sementes e
corredores ecológicos.
© REPRODUÇÃO DO LIVRO RESTAURAÇÃO FLORESTAL / EDITORA OFICINA DE TEXTOS
Com
pecuária intensiva, foi possível liberar mais espaço para a restauração
florestal em áreas degradadas há décadas em Paragominas, no Pará
Havia um desafio extra: convencer os produtores de Paragominas
avessos a mudanças. “O engajamento da maioria só aconteceu quando se viu
que os projetos de restauração eram viáveis e poderiam diversificar a
produção, gerando lucro”, diz Costa. Na fazenda Marupiara foram
plantadas 12 espécies nativas em áreas de reserva legal, nas quais é
permitido o manejo sustentável para o aproveitamento econômico. Entre
elas estão o ipê, o freijó, o jatobá, plantas medicinais e também
madeireiras, como a andiroba. Também foi realizado um trabalho de
melhoramento das áreas de pastagem, que abrigam cerca de 2 mil cabeças
de gado. O pasto foi melhorado e adensado nos terrenos mais planos e
férteis. Com isso, foi possível colocar mais bois em menos espaço.
Enquanto em 2003 a propriedade registrou 0,9 cabeça de gado por hectare,
em 2015 a taxa subiu para 3 cabeças por hectare.
Atualmente, Ricardo Rodrigues comanda um projeto de restauração de
florestas ciliares, florestas nativas de produção econômica e fragmentos
florestais degradados. O objetivo é simular e compreender os efeitos da
aplicação do novo Código Florestal. O estudo quer, por exemplo,
identificar o potencial de utilização e comercialização de produtos
madeireiros e não madeireiros de espécies nativas e desenvolver métodos
de baixo custo para a restauração.
Paralelamente aos estudos acadêmicos,
grupos de pesquisa, como o da Esalq, também se esforçam para testar na
prática diversas técnicas disponíveis. Parte do que vem sendo feito no
país está reunida no livro
Restauração florestal, organizado
por Rodrigues junto com Sergius Gandolfi e Pedro Brancalion, também
professores da Esalq-USP. O livro foi lançado na 6ª edição do Simpósio
de Restauração Ecológica realizado entre os dias 9 e 13 de novembro em
São Paulo.
A obra atualiza o referencial teórico elaborado em 2010 para dar
suporte técnico ao Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, esforço que
reúne 350 instituições públicas e privadas, empresas, órgãos de
governos e proprietários. A meta é restaurar 15 milhões de hectares de
Mata Atlântica até 2050. “Muitas iniciativas não tinham garantias de
sucesso, em função de os projetos estarem sendo implementados de maneira
equivocada”, diz Ricardo Rodrigues.
A recuperação florestal em fazendas do interior paulista é uma das
iniciativas realizadas no âmbito do Pacto. Em 2012, foram selecionadas
três fazendas em Itu, nas quais têm sido feitas ações de restauração
voltadas para a compensação ambiental. Funciona assim: o proprietário de
uma plantação de cana-de-açúcar que não tenha áreas nas quais possa
fazer recuperação florestal em reserva legal pode, por exemplo, investir
em áreas naturais remanescentes localizadas em outra propriedade.
“Também estamos colocando à venda terrenos de 10 mil metros quadrados em
parte das fazendas. Metade da área é de vegetação nativa restaurada. O
objetivo é formar um corredor de florestas em meio às construções”, diz a
empresária e socióloga Neca Setubal, proprietária de duas fazendas na
região.
© REPRODUÇÃO DO LIVRO RESTAURAÇÃO FLORESTAL / EDITORA OFICINA DE TEXTOS
Riacho protegido pela mata ciliar em Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso…
O atual Código Florestal permite a exploração controlada de APPs em
pequenas propriedades, desde que sejam utilizadas espécies da região. Já
em áreas em que é permitido o manejo sustentável, a lei autoriza o
plantio de até 50% de espécies exóticas, como o eucalipto, em meio às
nativas. No estado de São Paulo, a primeira resolução editada pela
Secretaria Estadual do Meio Ambiente indicava 247 espécies de árvores
para serem usadas em projetos de restauração. O Instituto de Botânica,
entidade responsável pela catalogação, anunciou recentemente a lista
revisada e ampliada para 2.315 espécies, incluindo não só árvores, mas
também samambaias, arbustos, lianas, ervas, entre outros. “A floresta
não é feita apenas de árvores. O sucesso da restauração depende da
biodiversidade envolvida e da variabilidade genética”, diz Luiz Mauro
Barbosa, diretor do instituto. Em 2001, a maioria das áreas de
recuperação utilizava no máximo 30 espécies, quase sempre as mesmas.
E
os viveiros concentravam a produção em poucos tipos de árvores.
Atualmente, há no estado 207 viveiros responsáveis pela produção anual
de cerca de 40 milhões de mudas de 800 espécies arbóreas.
A ampliação da lista de espécies será estratégica para o Programa
Nascentes, iniciativa de conservação de rios a partir da restauração
florestal lançada pelo governo do estado de São Paulo em 2015.
O
objetivo é proteger 6 mil quilômetros de cursos d’água e restaurar cerca
de 20 mil hectares de matas ciliares. Três plantios já foram realizados
nas cidades de Joanópolis, Piracaia e Jacareí, utilizando mais de 270
mil mudas. A organização não governamental Iniciativa Verde, que
participará de projetos do programa paulista, é uma das entidades que já
atuam na região do sistema Cantareira, que abastece parte da capital
paulista e outras cidades.
A participação da ONG se dá pelo Programa
Produtor de Água, da Agência Nacional de Águas (ANA), por meio do edital
Iniciativa BNDES Mata Atlântica. “Em três anos, conseguimos perceber
que o plantio de mudas melhorou a qualidade da água”, diz Pedro Barral
de Sá, diretor florestal da Iniciativa Verde.
O município de Machadinho, no Rio Grande do Sul, também desenvolve há
três anos um programa para aumentar a qualidade e a produção da água
por meio da proteção de nascentes. Parte da iniciativa consiste em
associar a produção de erva-mate com florestas em nascentes de rios e
córregos. O projeto mobiliza diversos atores, entre eles a prefeitura da
cidade e a Embrapa Florestas. “São mais de 50 propriedades envolvidas.
Já conseguimos recuperar algumas nascentes e o caso se tornou uma
referência para a proteção de nascentes e restauração ecológica,
inclusive com a capacitação de técnicos”, diz Emiliano Santarosa,
analista da Embrapa Florestas, responsável por ações de transferência de
tecnologia na região.
© REPRODUÇÃO DO LIVRO RESTAURAÇÃO FLORESTAL / EDITORA OFICINA DE TEXTOS
…e outro desprotegido em Piracicaba, no interior paulista: vegetação impede assoreamento dos cursos d’água
Outro método de recuperação implementado pela Embrapa é o sistema
agrossilvipastoril, que integra lavoura, pecuária e florestas e é capaz
de aumentar a produtividade no campo sem necessidade de expansão da área
agrícola sobre a mata virgem. A Embrapa desenvolve projetos desse tipo
principalmente com pecuaristas de leite ou de corte, que plantam árvores
no pasto. O sombreamento parcial oferece conforto aos animais e, quando
bem planejado, resulta em ganhos de produtividade de leite, por
exemplo. No Paraná, há mais de 40 propriedades que são referência no uso
desse sistema em trabalhos realizados pela Embrapa em parceria com o
Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural do Paraná.
Em São Paulo, experiências que integram plantio de cana-de-açúcar com
preservação de mata nativa indicam uma via para que a produção de
bioenergia e florestas convivam no mesmo espaço. Um estudo feito em 2012
por pesquisadores brasileiros e norte-americanos mostrou que a mata
nativa tem capacidade de armazenar 18 vezes mais carbono do que a cana.
Já em um levantamento mais recente, pesquisadores da USP junto com
colegas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostraram
que o estado de São Paulo tem um déficit de 800 mil hectares de
florestas que deveriam ser recuperadas. “Uma saída é fazer o plantio da
cana no entorno de florestas, ou vice-versa”, sugere Marcos Buckeridge,
um dos autores da pesquisa e coordenador do Instituto Nacional de
Ciência e Tecnologia (INCT) do Bioetanol. “Em restauração florestal, as
dificuldades são no sentido de fazer as experiências ganharem escala”,
observa.
Ricardo Rodrigues, da Esalq-USP, concorda com esse diagnóstico. “Os
projetos colocados em prática no país até agora ainda são muito
pontuais”, avalia. A ampliação das iniciativas, afirma Rodrigues,
depende de estratégias para reduzir os custos dos projetos de
restauração florestal e permitir ganhos econômicos. Em Itu, por exemplo,
a recomposição florestal nas três fazendas custou cerca de R$ 20 mil
por hectare. Em função do elevado grau de degradação foi necessário
fazer o plantio total de sementes ou mudas. “São projetos caros, que
precisam ser barateados com uso do conhecimento científico”, diz
Rodrigues.
Projeto
Restauração ecológica de florestas ciliares, de florestas nativas de
produção econômica e de fragmentos florestais degradados (em APP e RL),
com base na ecologia de restauração de ecossistemas de referência,
visando testar cientificamente os preceitos do Novo Código Florestal
Brasileiro (
nº 2013/50718-5);
Modalidade Auxílio à Pesquisa – Programa Biota – Projeto Temático;
Pesquisador responsável Ricardo Ribeiro Rodrigues (Esalq-USP);
Investimento R$ 1.115.645,02.
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