quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

O crescente desmatamento do planeta e o mito da ‘transição florestal’, artigo de José Eustáquio Diniz Alves


“A floresta precede os povos
E o deserto os segue”
(Chateaubriand)

cem anos de devastação

[EcoDebate] O número de árvores no mundo está em torno de três trilhões de unidades. São muitas árvores, mas havia o dobro deste número no passado recente. A humanidade já destruiu a metade de todas as árvores do planeta desde o avanço exponencial da pegada ecológica da civilização, segundo um estudo da Universidade de Yale, publicado pela revista científica Nature, conforme reportagem de El País (02/09/2015)

Mas o pior é que os seres humanos estão destruindo 15 bilhões de árvores por ano, enquanto o aparecimento de novas árvores e o reflorestamento é de somente 5 bilhões de unidades. Ou seja, o Planeta está perdendo 10 bilhões de árvores por ano e pode eliminar todo o estoque de 3 trilhões de árvores em 300 anos.

O Brasil é um triste exemplo de destruição das florestas. Cerca de 90% da Mata Atlântica foi destruída a “ferro e fogo”, como mostrou Warren Dean. São Paulo é o maior estado do Brasil, tanto em termos populacionais, quanto econômico. Mas o crescimento das atividades antrópicas teve como consequência a destruição das matas e da biodiversidade do estado. Segundo Mauro Antônio Moraes Victor et. al. (2005), no início do século XIX a cobertura florestal do Estado de São Paulo correspondia a 81,8% de seu território, equivalente a 20.450.000 hectares (veja a figura acima).

Durante o Brasil Colônia, o processo de devastação da cobertura florestal ficou limitado às áreas do litoral e às cercanias de São Paulo de Piratininga e se expandiu após a independência do Brasil. Mas foi com o surto cafeeiro que a devastação avançou em grande escala, com uma alta correlação entre o caminhamento do café em direção ao interior paulista e o avanço das derrubadas. O café entrou em São Paulo pelo Vale do Paraíba, proveniente do Rio de Janeiro. A entrada aconteceu em 1790, mas foi a partir de 1850 que este processo ganhou corpo.

Na segunda metade do século XIX os cafezais avançam derrubando as florestas das regiões Norte e Central. As lavouras progridem a passos largos e os fazendeiros de ltu, Jundiaí e Campinas adquirem terras novas, entrando pelo sertão através do rio Tietê e sua rede de afluentes. Usando o vale do rio Mogi-Guaçu e Pardo, aproximam-se das terras altas e roxas próximas a Minas Gerais, onde o café encontra condições ideais de produtividade. Em 1870 funda-se Ribeirão Preto, em 1871 Piraju, em 1879 São José do Rio Preto. Por essa mesma época ainda, na esteira do café, parecem as cidades de Campos Novos Paulista, São Manuel e Bauru. Em 1907, a devastação florestal já era enorme no Estado de São Paulo

Após o fim da Primeira Guerra Mundial e o crescimento da economia mundial na década de 1920, acontece uma nova febre de plantio, atingindo profundamente as matas das regiões Noroeste, Araraquarense, Alta Paulista e Alta Sorocabana. Mas o que já estava ruim, piorou depois do fim da Segunda Guerra Mundial. Em 1952, São Paulo tinha apenas 18,2 % da cobertura vegetal de seu território, concentrando-se os últimos remanescentes na escarpa Atlântica, região mais inatingível devido ao relevo acidentado, em torno da Capital, no Vale do Ribeira e no Pontal de Paranapanema. A destruição continuou com o processo de urbanização e o crescimento populacional.

O estado de São Paulo tinha uma população de 837 mil pessoas em 1872, quando se realizou o primeiro censo demográfico brasileiro. Chegou a 2,3 milhões de habitantes em 1900. Pulou para 9,1 milhões em 1950. Atingiu 37 milhões de habitantes na virada do milênio. O censo 2010 indicou uma população paulista de 41,3 milhões de habitantes.

O fim da hegemonia do café não interrompeu a devastação, pois a indústria, as novas culturas e a pecuária completaram o serviço de destruição. Caiu o uso da lenha e do carvão vegetal como energia para as locomotivas a vapor, mas cresceu a utilização de madeira para uso doméstico e industrial. O regime militar acelerou o processo de ocupação de todo o território paulista.

O crescimento da população e da economia na região metropolitana e a “política de interiorização do desenvolvimento” transformou em letra morta todas as tentativas de interromper a eliminação das florestas.

Mas no ano 2000 a cobertura vegetal do Estado de São Paulo era de apenas 3%, praticamente em áreas escarpadas e difícil acesso. Em 200 anos, a cobertura vegetal caiu de 82% para 3%.

Evidentemente, muitas espécies vegetais e animais desapareceram e foram extintas neste processo. O progresso humano dos paulistas aconteceu passo a passo ao regresso ambiental e à degradação do meio ambiente. O triste é que o desmatamento não ficou restrito à SP, mas se generalizou em todos os Estados e o pior que o desmatamento continua no século XXI.

Segundo a Fundação SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a área desmatada na Mata Atlântica, entre 2015 a 2016, foi de 29.075 hectares (ha), ou 290 Km2, nos 17 Estados do bioma Mata Atlântica, representando um aumento de 57,7% em relação ao período anterior (2014-2015), que foi de 18.433 ha.

O gráfico abaixo mostra que a taxa de desflorestamento da Mata Atlântica está diminuindo, especialmente depois dos anos 2000, mas isto porque já resta pouca coisa para ser destruída. Mesmo assim o desmatamento aumentou de 2015-16 em relação a 2014-15. Em São Paulo, por exemplo, onde restam tão poucos remanescentes florestais, o desmatamento aumentou de 45 hectares em 2014-15 para 698 ha em 2015-16 (uma aumento de 1.462%).

taxa de desflorestamento anual da Mata Atlântica

A degradação continua também nos demais biomas brasileiros. Metade do Cerrado já perdeu a sua cobertura florestal e o desmatamento anual é escandaloso, provocando um holocausto biológico e a degradação das fontes de água. O cerrado perdeu 9.483 km2 de vegetação em 2015, um número que equivale a mais de seis cidades de São Paulo e supera em 52% a devastação na Amazônia no mesmo ano. O Cerrado pode desaparecer em 40 anos.

Na Amazônia, o desmatamento vinha caindo até 2012, mas a partir de 2013 voltou a subir e, em 2016, o desmatamento foi maior do que em 2009, como mostra o gráfico abaixo. Entre agosto de 2016 e julho de 2017, o desmatamento na Amazônia caiu 16%, o que representou 6.624 km² de floresta foram devastados no período, o equivalente a quatro vezes a cidade de São Paulo. O desmatamento do último ano foi maior do que o de 2011.

cresce o desmatamento da Amazônia

A Amazônia Legal brasileira possui(a) uma área de 5.217.423 km². De 1988 a 2017, os dados do Prodes mostram que o desmatamento atingiu o montante de 430 mil km². Outros 400 mil km² foram destruídos entre 1965 e 1988. Os 4,4 milhões de km² restantes, podem desaparecer em 600 anos se o desmatamento anual ficar em torno de 7 mil km².

Para complicar o quadro, as queimadas e os incêndios aceleram o quadro de destruição florestal. Agora em 2017 os incêndios destruíram grandes áreas de Portugal, Espanha e da Califórnia, nos EUA, além de várias áreas no Brasil. Com o aquecimento global esta situação deve se agravar. Assim, maiores queimadas aumentam o efeito estufa e menos florestas diminui o sequestro de carbono.

Estes dados, contestam o mito da “transição florestal” (ou a recuperação das florestas). É evidente que localmente ou em um ou outro país as áreas de florestas podem aumentar. Porém, geralmente, o que se planta são monoculturas, como a do eucalipto, da seringueira, etc., o que se chama de “deserto verde”.

Portanto, o quadro de deflorestação e defaunação global não exclui o aumento da cobertura florestal em alguns locais. O gráfico abaixo, apresentado em artigo de Leiwen Jiang e Anping Chen (IUSSP, 2017) mostra que a cobertura florestal na China aumentou especialmente nas últimas duas décadas paralelamente ao avanço da industrialização e da urbanização. Mas a China garante os investimentos na “Great Green Wall” na medida em que compra madeira dos países tropicais. A China “exporta” sua pegada ecológica, enquanto aumenta a sua biocapacidade às custas da degradação ambiental de outros países e regiões do mundo.

historical changes in land cover and population

Segundo a WWF, no relatório Planeta Vivo 2014, o estado atual da biodiversidade do planeta está pior do que nunca. O Índice do Planeta Vivo (LPI, sigla em Inglês), que mede as tendências de milhares de populações de vertebrados, diminuiu 52% entre 1970 e 2010. Em outras palavras, a quantidade de mamíferos, aves, répteis, anfíbios e peixes em todo o planeta é, em média, a metade do que era 40 anos atrás. Esta redução é muito maior do que a que foi divulgada em relatórios anteriores em função de uma nova metodologia que visa obter uma amostra mais representativa da biodiversidade global.

Ainda segundo a WWF, a biodiversidade está diminuindo em regiões temperadas e tropicais, mas a redução é maior nos trópicos. Entre 1970 e 2010, o LPI temperado diminuiu 36% em 6.569 populações das 1.606 espécies em regiões temperadas, ao passo que o LPI tropical diminuiu 56% em 3.811 populações das 1.638 espécies em regiões tropicais durante o mesmo período. A redução mais dramática aconteceu na América Latina – uma queda de 83%.

Estudo publicado na revista científica Plos One (18/10/2017) revela queda de 75% no número de insetos voadores na Alemanha (Insectageddon). Os dados foram obtidos em áreas protegidas do país, mas o resultado têm implicações para todas as regiões onde a paisagem é dominada pela agricultura. De acordo com os autores da pesquisa, a constatação é preocupante, já que os insetos têm um papel crucial no funcionamento dos ecossistemas, polinizando 80% das plantas e fornecendo alimento para 60% das aves.

Evidentemente, iniciativas com as do Instituto Terra, criado pelo fotógrafo Sebastião Salgado são bem-vindas e superimportantes. Mas todas as conquistas da recuperação de 40 milhões de m² promovida pelo Instituto ficaram secundarizadas diante do desastre ambiental de Mariana (MG), quando, em 5 de novembro de 2015, cerca de 34 milhões de metros cúbicos de rejeito de minério de ferro jorraram do complexo de mineração operado pela Samarco e percorreram 55 km do rio Gualaxo do Norte e outros 22 km do rio do Carmo até desaguarem no rio Doce.

No total, a lama percorreu 663 km até encontrar o mar, no município de Regência (ES) e provocou um rastro de destruição de proporções infernais. O continuado crescimento de bens e serviços da economia global provoca o aumento da demanda por recursos naturais e aumenta o descarte de lixo, resíduos sólidos e poluição em todas as suas diferentes formas destrutivas.

Tudo isto deixa claro que a aniquilação biológica está em curso no Brasil e no mundo. O genocídio ecológico, com o fim das florestas e da biodiversidade, pode significar o fim da humanidade. Como disse o escritor francês François-René Chateaubriand (1768-1848): “A floresta precede os povos, e o deserto os segue”. Do ponto de vista global, a única transição florestal que acontece, de fato, é das áreas verdes para as áreas desertificadas e defaunadas.

Referências:
Cem anos de devastação: revisitada 30 anos depois/Ministério do Meio Ambiente. Secretaria de Biodiversidade e Florestas: Mauro Antônio Moraes Victor… [et al.]. – Brasília: 2005 http://www.historiaambiental.org/biblioteca/ebooks/cem_anos_de_devastacao_2005.pdf#page=1&zoom=60,0,803
Ministério do Meio Ambiente. Mata Atlântica
http://www.mma.gov.br/biomas/mata-atlantica
Nuño Domínguez. A humanidade já destruiu a metade de todas as árvores do planeta, El País, 02/09/2015
https://brasil.elpais.com/brasil/2015/09/02/ciencia/1441206399_772262.html
SOS Mata Atlântica. Desmatamento da Mata Atlântica cresce quase 60% em um ano, 26/05/2017
https://www.sosma.org.br/projeto/atlas-da-mata-atlantica/dados-mais-recentes/
Leiwen Jiang; Anping Chen. Urbanization, Migration, Climate Change and Vegetation Coverage in China, IUSSP, Cape Town, 2017
https://iussp.confex.com/iussp/ipc2017/meetingapp.cgi/Paper/7496
George Monbiot. Insectageddon: farming is more catastrophic than climate breakdown, The Guardian, Friday 20/10/2017
https://www.theguardian.com/commentisfree/2017/oct/20/insectageddon-farming-catastrophe-climate-breakdown-insect-populations

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 13/12/2017
"O crescente desmatamento do planeta e o mito da ‘transição florestal’, artigo de José Eustáquio Diniz Alves," in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 13/12/2017, https://www.ecodebate.com.br/2017/12/13/o-crescente-desmatamento-do-planeta-e-o-mito-da-transicao-florestal-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/.

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MPF recomenda que Ibama não conceda licença de operação ao Projeto da Transposição do Rio São Francisco

MPF recomenda que Ibama não conceda licença de operação ao Projeto da Transposição do Rio São Francisco


Não existem informações do cumprimento das condicionantes da licença de instalação do empreendimento

Arte: Ascom MPF/PB
Arte: Ascom MPF/PB
 
O Ministério Público Federal (MPF) em Monteiro (PB) enviou recomendação ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para que a presidente do órgão ambiental não emita licença de operação ao Projeto de Integração do Rio São Francisco (Pisf).

O MPF recomenda que o Ibama adote medidas de acompanhamento e fiscalização do cumprimento das condicionantes da Licença de Instalação 925/2013 e que não seja concedida licença de operação ao empreendimento enquanto não atestado o cumprimento das referidas condicionantes.

A recomendação alerta que “a obra de Transposição do Rio São Francisco, denominada Pisf, é empreendimento complexo que atinge vários estados da Federação, que integram a bacia hidrográfica doadora e receptora, com o investimento de bilhões de reais para sua execução, acarretando consequências negativas ao meio ambiente, em todas as suas acepções, em decorrência de ação antrópica, notadamente na bacia doadora, condição que, por si só, exige efetividade aos objetivos pretendidos”.

Ao fazer a recomendação, o Ministério Público Federal considerou que os planos de ações e/ou intervenções “devem ser adequados ao cronograma das obras do Pisf para conferir aptidão ao funcionamento da operação do sistema, não podendo ser óbice a simples alegação do Estado de falta de recurso, sem a adoção de medidas efetivas a cumprir com uma obrigação que se encontra em mora desde o ano de 2007, quando da expedição da licença de instalação”.

Prazo – Foi estabelecido o prazo de dez dias úteis, a contar do recebimento da recomendação, para que o Ibama se manifeste acerca do acatamento, ou não, de seus termos.

Antes de expedir a recomendação, o MPF enviou ofício ao Ibama solicitando informações atualizadas acerca do procedimento de acompanhamento e fiscalização do cumprimento das condicionantes da Licença de Instalação 925/2013. O prazo dado no ofício foi prorrogado, mas não houve resposta do órgão ambiental até o presente momento.

Em outubro de 2017, diante da informação de expedição de licença de operação, o MPF alertou o Ibama da necessidade de acompanhamento do cumprimento das condicionantes estabelecidas na Licença de Instalação 925/2013.

O MPF acompanha, por meio do Inquérito Civil nº 1.24.004.000005/2017-61, a execução das obras da Transposição do Rio São Francisco, Eixo Leste, Meta 3L.

Confira a íntegra da recomendação ao Ibama.
Confira a ata de evento sobre revitalização do rio Paraíba.
Confira ofício do Ministério do Meio Ambiente sobre projeto de revitalização do rio Paraíba.
Confira ofício do MPF requisitando informações ao Ibama.
Confira recomendação do MPF e MPPB à SERHMACTE-PB para apresentar plano de revitalização do Paraíba.

Fonte: Procuradoria da República na Paraíba
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 14/12/2017

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Disponibilidade Hídrica e Áreas de Conservação, artigo de Roberto Naime


Disponibilidade Hídrica e Áreas de Conservação, artigo de Roberto Naime


Chapada dos Veadeiros, GO

[EcoDebate] Disto todo mundo já sabe, ou então infere facilmente. Site do portal Brasil assevera que criar e manter unidades de conservação (UCs) da natureza nas áreas urbanas pode ser uma resposta para a falta de água.

A escassez está associada a fatores como a carência de planejamento dos assentamentos urbanos, os equívocos no manejo do uso da água, a utilização de equipamentos urbanos de distribuição ineficientes e responsáveis por enormes desperdícios, e a pouca consciência do brasileiro em relação à escassez deste recurso.

A avaliação foi feita pelo biólogo e ex-diretor do Departamento de Áreas Protegidas (DAP) do Ministério do Meio Ambiente, Sérgio Henrique Collaço de Carvalho ao portal Brasil.

A existência de unidades de conservação dentro das cidades e no entorno das aglomerações urbanas, ajudaria na estabilização dos ciclos hidrológicos e regimes de precipitação de chuvas e reteria água no subsolo e lençóis freáticos. O desmatamento e a impermeabilização do solo fazem com que a água da chuva chegue mais rápido aos cursos d’água e ao mar, além de modificar o regime de precipitação.
Resgatar áreas de conservação no perímetro urbanizado de cidades e aglomerações, de certa forma patrocina a reequilíbrio dos ecossistemas locais, auxiliando na recomposição dos ciclos hidrológico e pluviométrico, ao menos em escala local.

”Esses fatores influenciam no clima, provocando períodos de estiagem, com escassez de água e crise de abastecimento, sendo que, imediatamente depois, vem o período de chuvas, acarretando alagamentos e a ideia de abundância do recurso”, explica Collaço.

Quem vive no Nordeste tem uma percepção mais realista sobre a necessidade de se poupar o recurso, lembra Collaço: “Só o nordestino tem essa percepção e está acostumado com a escassez de água.”
À exceção do Nordeste, as demais regiões não têm essa consciência, avalia o diretor do DAP/MMA. Segundo ele, no País, boa parte das cidades não reservou espaços para UCs, que ajudam na reserva e provimento de água, como ocorre em cidades planejadas como Brasília.

As UCs favorecem a recarga de água nos reservatórios. “Em áreas desflorestadas e asfaltadas, a água que cai no chão impermeabilizado, sem vegetação nativa ou com pasto, corre muito rápido para dentro dos corpos hídricos, escorre e vai embora, em direção a alguma bacia hidrográfica e segue para o mar, ou pode cair num reservatório, que tem superfície muito grande e onde muita água se perde por evapotranspiração”, acrescenta.

No fundo é uma reconstituição ecossistêmica muito localizada. Mas que apresenta resultados positivos e satisfatórios.

Num ambiente natural, diz ele, o quadro é outro. ”A água cai nas folhas, há a colaboração do sombreamento, criando um ambiente no qual a água penetra muito mais lentamente no solo e no corpo hídrico, infiltrando mais e fazendo a recarga de mananciais e do sistema superficial, o que garante sua provisão ao longo do tempo”, salienta. E assevera, “Nessa situação, mais favorável, quando acaba o período de chuva ainda existe água no subsolo, vertendo nas nascentes e chegando aos cursos d’água.”

Sérgio Collaço insiste: as UCs são espaços especialmente protegidos e a principal estratégia de conservação da biodiversidade. “Quando delimitada, é usada como fonte e reserva de recurso natural, além de preservar a paisagem. ”É assim em todo o mundo”, exemplifica.

“De forma planejada, uma UC garante a conservação da biodiversidade, estoca recurso natural para se fazer manejo sustentável de longo prazo, sob vários graus de restrições do acesso aos recursos naturais ali existentes”, afirma o biólogo.

O conceito de Unidade de Conservação surgiu no Brasil ainda na década de 1930, ganhando força no final dos anos 1970 e novamente nos anos 1990 e 2000.

“A questão é que a maior parte das áreas de conservação da biodiversidade está fora das áreas urbanas e distantes da população, em ambientes rurais remotos, como na própria Amazônia, nos rincões do Jalapão, ou em outros lugares”, lamenta Collaço.

Isto não resolve os problemas das populações urbanas, hoje amplamente hegemônicas no país. No caso de São Paulo, por exemplo, já se cansou de ouvir dos responsáveis que ao menos nas áreas de reservatórios e de coleta de água, se providenciaria reflorestamento e reconstituição ecossistêmica imediata.

No caso da crise hídrica, o fim da resiliência, que é a capacidade de se adaptar ou evoluir positivamente na adversidade, está associado ao fim das áreas naturais e a alteração drástica do ambiente que poderia armazenar água da chuva.

Exemplo da influência das unidades de conservação no abastecimento público é a capital do país, que possui amplos espaços de preservação que garantem a qualidade do abastecimento, quase todo proveniente de UCs.

São exemplos o sistema Santa Maria-Torto, que fica localizado no Parque Nacional de Brasília e abastece a parte norte da cidade e o sistema de Sobradinho que fica na reserva biológica da Contagem. São sistemas que há anos, possuem tanto qualidade quanto volume de água. Collaço garante que “São sistemas bem estáveis e que flutuam muito menos em função do regime de chuvas do que os sistemas localizados fora de UCs.”

Além destes, o sistema do Descoberto foi protegido pela gestão da Área de Proteção Ambiental (APA) de mesmo nome, hoje sob gestão do Instituto Chico Mentes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), sendo que esta APA garantiu a boa gestão do uso do solo desde sua criação na década de 1980.

Se deseja que o exemplo de Brasília, que na verdade não foi tão planejado assim, mas enfim, que se torne paradigma a ser seguido pelas grandes aglomerações urbanas do país.

http://www.brasil.gov.br/meio-ambiente/2015/03/unidades-de-conservacao-ajudam-a-preservar-recursos-hidricos

Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

O Estado de S. Paulo – Clima em Paris / Coluna / Sônia Racy

O Estado de S. Paulo – Clima em Paris / Coluna / Sônia Racy


Sarney Filho, que representa Temer no encontro sobre clima em Paris, terá encontro com Macron. Vai pedir apoio à criação de fundo destinado a atrair financiamento privado. “Precisamos dele para cumprir a agenda do clima”, diz Alfredo Sirkis, que está na comitiva do ministro.

Julgamento do novo Código Florestal ficou para fevereiro

Por Daniele Bragança
Ministra Cármen Lúcia já definiu a data da retomada do julgamento do Código Florestal. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF.
Ministra Cármen Lúcia já definiu a data da retomada do julgamento do Código Florestal.
 Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF.

Após vários adiamentos, o julgamento de artigos do Novo Código Florestal ficará para o próximo ano. O Supremo Tribunal Federal (STF) analisa, desde 2012, quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade e uma Ação Declaratória de Constitucionalidade sobre a lei atualizada em 2012 pelo Congresso Nacional.

A ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, já definiu a pauta do plenário da Corte quando voltar de recesso e o retorno do julgamento ficou marcado para o dia 21 de fevereiro. No dia 8 de novembro, o relator do processo, ministro Luiz Fux, leu seu voto, mas o julgamento foi suspenso após Cármen Lúcia pedir vista.

Serão julgadas, em conjunto, quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade – três delas movidas pelo MPF e uma movida pelo PSOL –, que questionam a constitucionalidade de 58 artigos da Lei nº 12.651/2012 (Código Florestal), que regulamenta a conservação e a recuperação de vegetação nativa dentro de propriedades rurais do país. Aprovada e sancionada em 2012, a lei tem um total de 84 artigos, dos quais 64% foram questionados no Supremo Tribunal Federal. Também está sendo julgada a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC 42) proposta pelo Partido Progressista. De acordo com o partido, se o Supremo declarar o Novo Código Florestal constitucional, acabará com a insegurança jurídica no campo.

Voto do relator
Em seu voto, o ministro Fux considerou inconstitucional o Programa de Regularização Ambiental (PRA), por anistiar produtores rurais. O PRA tem por objetivo a adequação das Áreas de Proteção Permanente (APPs) e de reserva legal de propriedades rurais por meio de recuperação ou compensação, firmando termo de compromisso. A adesão ao programa confere benefícios, suspendendo sanções por infrações anteriores a 22 de julho de 2008 e afastando penalidades administrativas e punibilidade por crimes ambientais.

“Ao perdoar infrações administrativas e crimes ambientais pretéritos, o Código Florestal sinalizou uma despreocupação do Estado para com o direito ambiental”. Assim, o ministro votou pela declaração de inconstitucionalidade dos artigos 59 e 60 da lei.

O ministro considerou constitucional o artigo 15, no qual se admite o cômputo das APPs no cálculo da Reserva Legal do imóvel. “Não é difícil imaginar que a incidência cumulativa de ambos os institutos em uma mesma propriedade pode aniquilar substancialmente sua utilização produtiva”, afirma. O cômputo das APPs no percentual da Reserva Legal, diz o ministro, está na área do legítimo exercício do legislador.
Em fevereiro, votarão os outros ministros.

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Ministra Cármen Lúcia já definiu a data da retomada do julgamento do Código Florestal.
Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF.