Por Lucas Ferrante e Philip Martin Fearnside
Em 06 de novembro de 2019, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro e seus ministros da Economia e Agricultura assinaram em conjunto um decreto que extingue o zoneamento ambiental da cana-de-açúcar, que havia restringido o avanço dessa cultura na Amazônia e no Pantanal. A mudança ameaça drasticamente esses biomas. Demonstrou-se que as plantações de cana-de-açúcar ameaçam a biodiversidade, seus efeitos se estendendo além das áreas cultivadas até as florestas adjacentes. Uma versão anterior em Inglês deste texto foi publicada pela Mongabay.
Em 2018, o Senado brasileiro considerou revogar o decreto de 2009 que estabeleceu o zoneamento para a cana-de-açúcar na Amazônia e no Pantanal. Como apontamos em uma carta publicada na revista Science na época da proposta do Senado de 2018, permitir que a cana se expandisse para a Amazônia afetaria a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos, com impactos que se estendem a outras áreas do País.
Por temer boicotes internacionais, a proposta de 2018 foi contestada pela União da Indústria da Cana-de-Açúcar (UNICA), uma posição que agora mudou. Felizmente, em 2018, senadores suficientes nos comitês-chave estavam convencidos das consequências desastrosas da proposta e decidiram não liberar esta cultura. Agora sob o presidente Bolsonaro, o mesmo desastre está sendo desencadeado por um simples decreto presidencial.
Ignorando todas as pesquisas sobre o assunto, o presidente da União da Indústria da Cana-de-Açúcar, Evandro Gussi, publicou recentemente uma nota no site da UNICA alegando que o zoneamento ambiental não seria mais necessário para a cana nos biomas Amazônia e Pantanal, sob a justificativa que o Renovabio (a política de biocombustíveis aprovada em 2017) seria suficiente para mitigar esses impactos. Isso carece de apoio científico.
A cana-de-açúcar na Amazônia e no Pantanal gerará impactos sem precedentes, e não podemos considerar que os biocombustíveis brasileiros sejam “limpos” e livres de associação ao desmatamento e degradação ambiental na Amazônia. Em 2018, os países da União Europeia importaram mais de 43 milhões de litros de etanol brasileiro derivado da cana, de acordo com dados oficiais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do governo brasileiro. Como é o caso para todas as mercadorias, os países importadores precisam avaliar o impacto ambiental que a produção dessas mercadorias causa no clima global, por exemplo, através da destruição da floresta amazônica.
A expansão da cana-de-açúcar na Amazônia não afetaria apenas a maior floresta tropical do mundo, mas também prejudicaria a capacidade agrícola do Brasil. O desmatamento da Amazônia aumentou em 85% em 2019 comparado com o ano anterior, resultado da retórica antiambiental do governo Bolsonaro e do desmantelamento das agências ambientais do país. Esse clima político torna os danos prováveis do decreto de 06 de novembro ainda maiores.
A fotografia acima mostra a colheita da cana-de-açúcar (Foto: Wenderson Araujo/CNA)
Lucas Ferrante possui formação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL) em Minas Gerais, Mestrado em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e atualmente é Doutorando em Biologia (Ecologia) também no INPA. É pesquisador associado ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia dos Serviços Ambientais da Amazônia (INCT-SERVAMB). Desenvolve pesquisas e popularização da ciência sobre a influência das ações humanas sobre a estrutura, dinâmicas, clima e biodiversidade de paisagens, em especifico florestas tropicais, bem como povos tradicionais que vivem na floresta, tendo como intuito minimizar os danos causados pela mudança da paisagem, expansão agropecuária e mudanças climáticas sobre pessoas, fauna e serviços ecossistêmicos. Neste contexto tem avaliado principalmente efeitos de diferentes matrizes agrícolas, mudanças da paisagem e mudanças climáticas sobre biodiversidade, biomas e serviços ecossistêmicos. Tem pesquisado agentes do desmatamento, buscando políticas públicas para mitigar conflitos de terra gerados pelo desmatamento, invasão de áreas protegidas e comunidades tradicionais, principalmente sobre Terras indígenas e Unidades de Conservação na Amazônia ( lucasferrante@hotmail.com).
Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.
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