Por Gabriela Machado André
- terça-feira, 18 julho 2017 23:18
Foto: Chechi Peinado/Flickr.
Enquanto o cenário político segue dando provas de que o meio ambiente
não é uma prioridade no Congresso, no sul de Minas, população, ONGs,
especialistas e integrantes do Ministério Público continuam debatendo
alternativas à gestão da água mineral na região.
((o))eco publicou em março uma matéria que mostrou o panorama de
protestos que vêm acontecendo desde o final de 2016 nos municípios de
Caxambu, Cambuquira e Lambari, por conta da publicação de edital para
consulta pela empresa Codemig, que prevê a exploração público-privada do
Parque das Águas de Caxambu.
O edital encontra-se suspenso graças a uma recomendação apresentada
em maio pelo Ministério Público de Minas e de protestos feitos por ONGs
como Ampara e Nova Cambuquira. Em junho, realizou-se um fórum de debate
em Caxambu, seguido por duas audiências públicas. A última delas, na
Assembléia Legislativa de Belo Horizonte, teve a participação da Codemig
e discutiu alternativas à forma de exploração e uma possível gestão
compartilhada do Parque das Águas de Caxambu. A proposta está sob
análise.
As principais críticas da população têm foco na gestão do
Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) - órgão do estado
ligado ao Ministério de Minas e Energia, por conta da alegada falta de
rigidez na cobrança de EIA-Rimas para empreendimentos em curso, da pouca
preocupação com o valor cultural e terapêutico das águas minerais e da
gestão duvidosa de royalties de Compensação Financeira pela Exploração
de Recursos Minerais (CFEM) - assunto que foi alvo de um escândalo de
corrupção envolvendo um ex-diretor do órgão, no final de 2016.
Apesar das queixas gerais quanto aos serviços do órgão, o principal
(e mais complexo) objetivo das manifestações é para que a água mineral
deixe de ser legislada como bem mineral, segundo instituído em 1967 pelo
Código de Mineração, o que facilita que esta seja explorada “à
exaustão”, conforme feito em minas e aluviões de minérios e metais
preciosos e subentendido no Código de Águas Minerais.
A água mineral na PNRH
O
promotor Bergson Guimarães trabalhou para que a medida cautelar de
paralisação da consulta pública fosse lançada. Foto: Divulgação.
Para mudar esse quadro de insatisfação e garantir uma gestão mais
cuidadosa, a solução legal defendida pelo promotor de justiça Bergson
Cardoso Guimarães, da comarca de Lavras, no sul de Minas Gerais, atesta
para que a água mineral sofra uma reclassificação votada em Congresso
Nacional e seja integrada à gestão de recursos hídricos pelo Ministério
do Meio Ambiente, dentro da Política Nacional de Recursos Hídricos
(PNRH), criada em 2007. O objetivo é que o recurso seja gerido pela
Agência Nacional de Águas (ANA) sob princípios de uso racional,
sustentabilidade ambiental e inclusão social, já contemplados na
jurisdição da PNRH, muito mais atual que o antiquado Código de
Mineração.
“Apesar de toda a evolução do arcabouço de tutela ambiental e gestão
de águas, a água mineral continua sob o enquadramento das leis minerais.
E os conflitos são visíveis não só no campo doutrinário. Os casos que
envolvem as Estâncias Hidrominerais revelam-se sintomáticos dessa
situação desordenada”, diz o promotor.
Já na tese de doutorado de 2016, intitulada “A controvérsia sobre as
águas : uma proposta de integração institucional e políticas públicas
para o segmento de águas minerais no âmbito da gestão de recursos
hídricos”, o Professor Doutor do Centro Universitário do Sul de Minas,
Pedro dos Santos Portugal Júnior, destaca como benefício da inclusão das
águas minerais na PNRH, a aplicação de ferramentas de políticas
públicas para a distribuição mais consciente dos recursos arrecadados
pela cobrança por uso da água, a CFEM.
Atualmente esses royalties são repartidos em um percentual de 12%
para a União (DNPM e Ibama), 23% para o Estado onde for extraído o bem
mineral e 65% para o município produtor. A ideia, segundo o artigo 22 da
PNRH, seria reverter os royalties prioritariamente para a bacia
hidrográfica em exploração, e fortalecer o papel dos Comitês de Bacia
Hidrográfica em processos de tomada de decisão. A proposta também
contribuiria para evitar novos crimes de desvio, como o que envolveu o
DNPM, o próprio fiscalizador do processo.
Segundo o professor, “os comitês de bacia são os órgãos que permitem a
participação social de forma ampla e efetiva. No entanto, tais órgãos
precisam ser fortalecidos e a sociedade devidamente envolvida, e nesse
caso a educação ambiental tem papel preponderante nesse processo, (...)
fato que vemos hoje em dia ocorrer apenas por meio de ONGs que lutam
para proteger esses recursos da superexploração e da privatização”.
Ele também descreve na tese que realizou uma pesquisa sobre os
parâmetros de gestão adotados em Portugal, Espanha, França, Alemanha,
Argentina, Colômbia e Estados Unidos. Desses países, todos, menos
Portugal e Espanha, já consideram a água mineral como recurso hídrico e
alimento.
Estâncias hidrominerais na SNUC
Parque das Águas - Caxambu, MG, que abriga uma das maiores estâncias hidrominerais do país. Foto: Wikipédia.
Uma alternativa bastante interessante ao “gargalo” da água mineral
foi descrita em artigo científico publicado em 2008, com o título “
Áreas (des) protegidas do Brasil: as estâncias hidrominerais”.
Nele, os pesquisadores do Centro de Desenvolvimento Sustentável da
Universidade de Brasília, José Augusto Drummond e Alessandra Ninis,
indicam que as estâncias sejam enquadradas na lei do Sistema Nacional de
Unidades de Conservação (SNUC), como uma categoria das unidades de uso
sustentável - já que frequentemente possuem um parque de águas com foco
turístico e áreas verdes destinadas à proteção dos mananciais.
O artigo enfatiza o caráter multifuncional da exploração hídrica
mineral e seus efeitos sobre a identidade das comunidades locais, a
geração de empregos, a difusão de tecnologias e a defesa do meio
ambiente. A inclusão desses espaços no SNUC, segundo o artigo,
resultaria em uma “maior proteção dos mananciais, na adoção de planos de
uso e na formação de conselhos gestores”.
O texto pontua também desafios burocráticos da proposta: “Mudanças de
leis têm que passar pelo Congresso Nacional e isso pode abrir um flanco
para outras modificações, indesejadas pelos conservacionistas. Uma
dificuldade institucional potencial para a transformação das estâncias
hidrominerais em UCs seria a questão da posse e da propriedade da terra,
muito embora as UCs de uso sustentável não exijam, necessariamente, a
dominialidade pública integral.”
Congresso Nacional na contramão
Desde 2009 paira sobre o Congresso projetos de lei que visam a
reforma do Código de Mineração. O tema da reforma não prevê alteração
alguma no tópico da água mineral, mas representa a chance de algum
representante inseri-la na ordem do dia, conforme conta o professor
Júnior:
Instalação
da Comissão para a discussão do Novo Código Florestal, em julho de
2013. Foto: Lucio Bernardo Jr/Câmara dos Deputados.
“Houve uma proposta de lei de autoria do deputado Carlos Bezerra (MT)
que usou minha dissertação como base e pedia a mudança desse
enquadramento. Porém, a mesma foi arquivada. Órgãos como Abinam
(Associação Brasileira de Indústria de Água Mineral), CNI (Confederação
Nacional da Indústria) e o próprio DNPM, com exceção de alguns técnicos,
são contra essa mudança e trabalham arduamente para que ela não ocorra,
mantendo o atual enquadramento como minério.”
Em março deste ano o Ministério de Minas e Energia anunciou uma saída
à discussão do novo código, pois esta vinha gerando atrasos na
liberação de licenças ambientais. O ministro Fernando Coelho Filho
anunciou que a reforma seria fatiada e uma das frentes seria um pacote
de medidas chamado “Programa de Revitalização da Indústria Mineral”.
O pacote prometia aumentar a contribuição do setor na economia
brasileira através da maior eficiência quanto às licenças, da
transformação do DNPM em uma agência reguladora e do aumento da
fiscalização para evitar desastres como o de Mariana - porém não inclui
ações a favor da reclassificação hídrica. Desde então não houve mais
divulgações oficiais sobre o assunto.
Por outro lado, no âmbito do Ministério do Meio Ambiente, o Diretor
de Recursos Hídricos da Secretaria de Recursos Hídricos e Qualidade
Ambiental do MMA, Sérgio Antônio Gonçalves, forneceu depoimento para
essa matéria dizendo que a discussão sobre a água mineral deverá
tornar-se pauta no ministério no ano que vem: “A partir de 2018
deveremos iniciar os trabalhos para a revisão do Plano Nacional de
Recursos Hídricos e, claro, que esse tema deve ser abordado”, afirmou.
A assessoria de comunicação do Ministério de Minas e Energia também
foi contatada e afirma que, mesmo possuindo representação na Câmara
Técnica de Águas Subterrâneas por meio do Serviço Geológico do Brasil
(CPRM) e tendo assento no Conselho Nacional de Recursos Hídricos por
meio de sua Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral,
não possui perspectiva alguma de discussão interna sobre o assunto.
“No âmbito deste Ministério de Minas e Energia (MME) não houve
discussões a respeito de mudanças na legislação que trata de águas
minerais. Quanto à transferência de responsabilidades relativas a águas
minerais que estão sob a competência do MME e do Departamento Nacional
de Produção Mineral (DNPM), tal tema não foi objeto de discussão, visto
que não se vislumbra modificar a sistemática já estabelecida e
consolidada. Permanecem vigentes, portanto, as determinações do Código
de Água Minerais (Decreto-Lei n° 7.841/1945) e legislações correlatas.”
Em resposta sobre o aumento dos conflitos que vem acontecendo no sul
de Minas, a assessoria alegou que o DNPM apenas cumpre a legislação e
não entrou em detalhes sobre a recomendação que paralisou o edital da
Codemig:
“Importante salientar que compete ao MME a outorga de concessão de
lavra para fins de explotação de águas minerais, cabendo ao DNPM
fiscalizar se as atividades ocorrem em conformidade com o que determina a
legislação. Nesse sentido, não cabe a este Ministério intervir em
eventuais parcerias firmadas pelos concessionários. Em relação à
explotação de águas minerais na região citada, o DNPM realiza vistorias
periódicas nessas localidades, não tendo sido verificadas
irregularidades ou explotação excessiva. Ademais, relatórios de
fiscalização são enviados regularmente ao Ministério Público e à
Advocacia-Geral da União. As águas minerais são patrimônio da União e,
como tal, o Poder Público tem atuado ativamente no sentido de evitar ou
coibir práticas indesejáveis.”