Nas
pastagens, elas são uma ameaça. Nas casas caipiras, são transformadas em
vassouras. Mas nas mãos de pesquisadoras da
Universidade de São Paulo,
as fibras de algumas malváceas nativas ganham status de matéria prima
para a fabricação de papeis, compósitos e têxteis técnicos ou até
plásticos termorrígidos, se o tratamento químico for adequado.
Orientada por Júlia Baruque Ramos, da
Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, Bárbara Gama Guimarães estudou as características físico-químicas de seis espécies da família
Malvaceae para avaliar o uso potencial de suas fibras:
Sida rhombifolia, conhecida como mata-pasto;
Sida carpinifolia ou malva-brava;
Sida cordifolia ou malva-branca;
Sidastrum paniculatum ou malva-roxa;
Malvastrum coromandelianum ou malvastro e
Wissadula subpeltata ou malva-estrela. Todas elas são também chamadas genericamente de
guanxuma ou vassourinha.
Essas espécies foram selecionadas após prospecções em regiões de Mata
Atlântica e Cerrado. “O professor Waldir Mantovani (da USP) atuou na
seleção e reconhecimento das espécies. O principal critério de seleção
foi a disponibilidade nas regiões prospectadas”, explica Júlia Baruque.
Segundo ela, há registros de usos têxteis populares das fibras de todas
essas plantas.
As seis malváceas são arbustos de pequeno porte, com ramos muito
resistentes (por isso servem para varrer folhas em chão de terra). Em
geral, são classificadas como
ervas daninhas, indesejadas nas pastagens. A mais tóxica é
Sida carpinifolia considerada perigosa – e até letal – se ingerida por bois, ovelhas, cabras e cavalos.
Já o uso da fibra dessas plantas é vantajoso para o meio ambiente, por se tratar de um
recurso natural renovável e
biodegradável, com menos impactos do que as
fibras sintéticas, tanto em seu ciclo de vida útil como no descarte final.
As
fibras naturais
ainda são menos abrasivas do que as fibras sintéticas, qualidade
desejável em usos técnicos, para poupar o desgaste de equipamentos, por
exemplo. Além disso, de acordo com um estudo publicado pela
Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO)
– baseado na cadeia da juta – o processamento de fibras naturais
consome apenas 10% da energia gasta na produção de fibras sintéticas de
uso similar.
Ainda não foram desenvolvidos produtos com tais espécies, mas, para
saber se as seis plantas nativas podem ser aproveitadas como
fibras têxteis,
Bárbara realizou diversos testes físicos e químicos. Foi comprovada a
resistência mecânica e a elasticidade, exceto para as fibras de
Sida rhombifolia
que apresentaram tenacidade abaixo do padrão. As plantas ainda foram
testadas (e aprovadas) quanto à estabilidade química e biológica, à
leveza e à resistência ao fogo, à abrasão e ao cisalhamento
(deformação).
A aquisição de equipamentos de pesquisa e montagem do laboratório na
EACH-USP, onde se desenvolveram as partes laboratoriais dessa pesquisa,
contou com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (
Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (
CNPq). E Bárbara Guimarães recebeu uma bolsa de mestrado da Fapesp.
A pesquisadora concluiu que as fibras das malváceas estudadas são
apropriadas para têxteis técnicos, compósitos e papeis, embora não sejam
ideais para tecelagem e confecções. Elas apresentam boa porosidade,
indicando que podem ser tingidas. E, com base no comportamento após a
aplicação de solvente orgânico, podem servir para a fabricação de
compósitos plásticos termorrígidos. Sem contar o emprego potencial em
materiais contendo lignina na produção de
fibra de carbono.
Claro, para que o potencial das espécies nativas deixe de ser virtual
e possa ser de fato aproveitado, é preciso contar com recomendações
técnicas de manejo sustentável ou cultivo em escala, além de mais
pesquisas, voltadas para o desenvolvimento de produtos comerciais. O
estudo da USP foi o primeiro passo. Mas a efetiva conversão das
guanxumas em plantas produtivas ainda depende de vários outros passos e,
sobretudo, de interessados em utilizá-las nas fábricas brasileiras.
Foto: Franz Xaver/CCWikimedia (Sida rhombifolia)
Jornalista ambiental há mais
de 30 anos, escreve sobre clima, ecossistemas, fauna e flora, recursos
naturais e sustentabilidade para os principais jornais e revistas do
país. Já recebeu diversos prêmios, entre eles, o Embrapa de Reportagem
2015 e o Reportagem sobre a Mata Atlântica 2013, ambos por matérias
publicadas na National Geographic Brasil.