GUILHERME FIUZA - Dia do Orgulho Hétero: a guerra inútil do sexo
Dia do Orgulho Hétero: a guerra inútil do sexo
GUILHERME FIUZA
Revista Época
A ideia da criação do Dia do Orgulho Heterossexual em São Paulo, apesar de idiota, é coerente. É para esse tipo de aberração que a história "progressista" caminha. O Brasil elegeu e santificou um ex-operário, o mundo achou que estava salvo com a eleição de um presidente americano negro, o Brasil se achou moderno ao passar a ser presidido por uma mulher. Obama está enrolado numa crise política (com pretextos financeiros), Dilma se debate com a corrupção herdada dela mesma e Lula fatura com palestras populistas ao lado do cadáver insepulto do mensalão. Mas o que importa são as bandeiras.
A eleição de um negro para a Casa Branca foi importante como símbolo. Mas o arrastão politicamente correto que coloniza o planeta logo a transformou numa panaceia, numa estranha apoteose étnica – como se a grande virtude de Obama fosse a cor de sua pele. Preconceito com sinal trocado. Essa espécie de "racismo do bem" não poderia dar em outra coisa: excitou a reação conservadora, fazendo emergir a ala radical do Partido Republicano e agravando a crise da dívida dos Estados Unidos.
É exatamente o mesmo fenômeno que ronda a exacerbação da cultura gay. O que poderia ser um movimento saudável, de afirmação dos que foram (e são) oprimidos por sua natureza afetiva, ganha tons de arrogância e até revanchismo. Foi assim que o MST começou a botar os pés pelas mãos: seguindo a doutrina de aprendizes de maoísmo como João Pedro Stédile, não bastava conquistar terras – era preciso depredar as instalações dos proprietários.
De repente, a moral heterossexual precisa ser confrontada. Figuras retrógradas, como o deputado Jair Bolsonaro, ganham combustível e até se declaram vítimas de "heterofobia" – miseravelmente com razão. Quem não tem orgulho gay, ou não simpatiza com a causa, está na berlinda. Como se isso fosse antídoto para a opressão passada, presente ou futura. A principal novela da televisão brasileira força a barra pela "normalidade" dos casais gays, querendo apressar a assimilação de costumes na base da militância. É um tiro que sai pela culatra (sem trocadilho, diria o filósofo Agamenon Mendes Pedreira).
O Dia do Orgulho Hétero, aprovado pela Câmara Municipal de São Paulo, é uma excrescência. Mas é herança legítima do movimento gay, ou pelo menos de sua face totalitária, difundida pelos evangelizadores do politicamente correto. Se carregar a bandeira gay significa, em alguma medida, constranger os héteros, estaremos andando em círculos no território da discriminação (não importa para que lado ela esteja apontada). É quando os progressistas se tornam, orgulhosamente, reacionários.
Quando os progressistas se tornam reacionários, nós andamos em círculos no território da discriminação
Em outra frente de "discriminação progressista", o sistema de cotas nas universidades produziu um resultado curioso. Em 15 anos de adoção da medida, com reserva de vagas para negros e provenientes de escolas públicas, a presença das classes C, D e E nas universidades federais não cresceu nem um ponto porcentual (eram 44,3% em 1996 e 43,7% em 2010).
Houve um ligeiro aumento da presença de pretos e pardos e também de estudantes vindos de escolas públicas. E por que mesmo foi implantado o sistema de cotas? Para dar oportunidade no ensino superior a minorias socialmente desfavorecidas. Como se viu pelo resultado da pesquisa por classes, as cotas não beneficiaram quem tem menor renda. Ou seja: negros ficaram com vagas de brancos de sua mesma faixa social, assim como estudantes de escolas públicas ganharam o lugar de colegas do ensino privado com o mesmo nível de renda (ou, possivelmente, até menor).
O que deveria ser uma forma de resgate social virou, portanto, privilégio racial (e curricular). A "discriminação progressista" tornou-se só discriminação.
Os politicamente corretos não descansarão enquanto pretos e brancos, ricos e pobres, gays e héteros não entrarem definitivamente em guerra.