Governo Bolsonaro considera que problema ambiental do Brasil é comunicação
Daniela Chiaretti é repórter especial.
Na quinta-feira o Tribunal de Apelação do Reino Unido, uma das cortes mais altas do país, decidiu vetar a expansão do aeroporto de Heathrow, dos mais movimentados do mundo. O caso vai e volta há anos no debate britânico sobre infraestrutura. Trata-se de um investimento de US$ 18 bilhões para a construção da terceira pista do aeroporto -que já opera mais de 1.300 voos por dia-, o que vai ampliar a capacidade em 50%. Organizações socioambientalistas conseguiram paralisar a iniciativa várias vezes alegando aumento da poluição do ar e sonora para a população local. Desta vez, entretanto, o argumento foi inédito: foi a emergência climática que barrou os planos de ampliar o famoso hub londrino.
A conta econômica da iniciativa soa gloriosa: o investimento significaria 260 mil voos adicionais ao ano para o aeroporto e US$ 99 bilhões de impulso à economia britânica ao longo de 60 anos, nos cálculos do Ministério dos Transportes. Tudo lindo nas planilhas Excel e tudo péssimo considerando-se que o Parlamento decretou emergência climática no Reino Unido em maio, que o país se comprometeu com a meta do Acordo de Paris de manter o aquecimento da temperatura bem abaixo de 2°C neste século e que as emissões aéreas de gases-estufa estão em forte alta.
Governo acha que problema ambiental do país é comunicação
A decisão abre um precedente que pode inspirar outros casos no mundo. O que torna a decisão da corte britânica tão especial é que no minucioso planejamento da expansão do aeroporto não se levou em conta o compromisso climático do país. Em 2020 é inaceitável que uma coisa não esteja ligada à outra, alegam ativistas de ONGs que bloquearam o plano como Friends of the Earth e Greenpeace e os de uma organização especializada em litígios climáticos, a Plan B. “A expansão de Heathrow não é consistente com o compromisso do governo assumido no Acordo de Paris. O governo revelou nem sequer ter considerado mudança do clima no planejamento”, disse ao Valor Tim Crosland, diretor da Plan B.
“Ganhamos!” tuitou o prefeito de Londres, Sadiq Khan. “Grande notícia!”, celebrou o ministro do Meio Ambiente, Zac Goldsmith, fazendo o que se espera de um ministro desta pasta se planos do governo podem causar danos ambientais. Os executivos de Heathrow prometeram apelar, mas a administração de Boris Johnson disse que não. “Difícil prever o que irá acontecer”, diz Crosland. O primeiro-ministro britânico tem comportamento errático, foi contrário à expansão do aeroporto no passado e tem à frente a condução da mais crucial conferência do clima da ONU dos últimos tempos, a CoP 26, em Glasgow, em novembro. É ingênuo imaginá-lo como um grande líder climático, mas nada está claro. Por outro lado, a ampliação de Heathrow combina com a visão conservadora de se promover a “Global Britain”, o slogan que rebate a ideia de isolamento que o país pode ter com o Brexit.
É preciso aguardar os próximos rounds do capítulo climático inaugurado pela resistência à expansão do aeroporto inglês, mas é inegável que o entendimento do que a mudança do clima provoca na vida contemporânea extravasou das bolhas ambientalistas.
Leia-se este parágrafo: “Nos Estados Unidos, será que as cidades serão capazes de suprir as necessidades de infraestrutura à medida que o risco climático muda o mercado de títulos municipais? O que acontecerá com as hipotecas de 30 anos - pilar fundamental das finanças - se credores não puderem estimar o impacto do risco climático para um horizonte tão longo. O que acontecerá com áreas afetadas por enchentes ou incêndios se não houver um mercado de seguros viável para esses eventos? O que acontece com a inflação e, por sua vez, com as taxas de juros, se o valor dos alimentos aumenta devido à seca ou às inundações? Como podemos modelar o crescimento econômico se os mercados emergentes veem sua produtividade cair como resultado das temperaturas extremamente altas e outros impactos climáticos?”. É um trecho da carta a lideranças empresariais divulgada por Larry Fink, CEO da BlackRock, a maior gestora global de ativos. Ele dá uma aula sobre os impactos da mudança do clima na economia. Diz que se está “à beira de uma mudança estrutural nas finanças”. O agente transformador, defende, é a sustentabilidade.
Mais que comunicação
A questão não é mais lateral na tomada de decisão, empreendimentos têm que ter lastro ambiental adequado. No Brasil, contudo, o governo de Jair Bolsonaro acredita que seu grande problema na área ambiental é de comunicação. Não é. Não se trata de como vender a pílula, mas do que ela contém. É questão de conteúdo, de ação, de postura, de inteligência. Até agora o governo Bolsonaro passou recibo negacionista e inoperante na agenda climática. O Ministério do Meio Ambiente tinha quadros históricos que entendem de negociação climática, mas que foram desligados na semana passada. A Secretaria de Relações Internacionais, que não entregou nada em 14 meses de governo, mudou de batismo e de comando. O termo “clima” - vejam que avanço - voltou a figurar no nome da secretaria que terá “perfil mais executivo”, anunciou o ministro Ricardo Salles, seja lá o que isso quer dizer. O Valor tem pedido esclarecimentos ao MMA, mas não tem retorno.
Salles, conhecido em 2019 como o antiministro do Meio Ambiente, parece ter iniciado 2020 como ministro de fachada. Comanda pasta estratégica para o país, mas totalmente drenada de recursos e esquartejada a cada dia. O ministro não reclama do corte de recursos e de atribuições. Bolsonaro, que ameaçou extinguir o MMA ou fundi-lo à Agricultura, parece ter optado por deixar um ministério agonizante e fazer jogo de cena.
Atribuições do MMA foram distribuídas a outras pastas. A Agricultura é quem dá (ou não) muitas das cartas ambientais do país. O golpe final veio em janeiro, logo depois de o ministro Paulo Guedes voltar de Davos alarmado com a conexão entre ambiente e economia que se faz lá fora. Bolsonaro respondeu dedicando a coordenação do comando, controle e desenvolvimento da Amazônia ao vice-presidente Hamilton Mourão. Salles limitou-se a dizer que a ideia havia sido dele - como se isso tivesse alguma importância.