Bloqueio do WhatsApp, ocorrido nesta semana, levou a alterações no
relatório final da comissão – que ainda assim foi alvo de críticas.
Por Étore Medeiros, da Agência Pública –
Depois
de quase um ano de trabalho, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)
dos Crimes Cibernéticos da Câmara dos Deputados terminou, nesta
quarta-feira (4), com a proposta de ampliar o controle sobre a internet
no Brasil.
Mais que combater crimes on-line, os projetos de lei
apresentados como resultado da CPI colocam em risco a privacidade e a
liberdade de expressão dos internautas brasileiros.
A votação do
relatório final da CPI aconteceu na mesma semana em que uma ordem
judicial suspendeu o WhatsApp por mais de 24 horas, alterando a rotina
de milhões de brasileiros. Embora tenham demonstrado preocupação com o
efeito dos bloqueios, os deputados preferiram manter no relatório final a
possibilidade de suspensão de páginas e aplicativos. Foram excluídos
apenas os mensageiros instantâneos.
Pelo texto aprovado, só
poderão ser bloqueados sites e apps hospedados fora do Brasil, que não
tenham representação no país e que se dediquem à prática de crimes
punidos com penas de pelo menos dois anos de reclusão.
Foram removidos
do relatório os crimes contra a honra – ponto cuja inclusão foi
criticada por alguns parlamentares ao longo da CPI, por supostamente se
destinar à proteção de políticos.
“Nós confinamos o bloqueio”,
comemorou o relator da CPI, deputado Esperidião Amin (PP-SC), para quem o
colegiado cumpriu um “papel extraordinário”. “A votação deixou muito
evidente que há percepções muito próprias sobre as questões, que devem
ser respeitadas, mas que crime é crime.”
Não vale ainda
Sub-relator
de Instituições Financeiras e Comércio Virtual da CPI, o deputado
Sandro Alex (PSD-PR) foi o responsável pela redação do trecho que trata
do bloqueio de páginas e aplicativos. “Não podemos arquivar tudo aquilo
que foi tratado ao longo de nove meses”, afirmou, ao pedir aos colegas
que votassem a favor ao relatório. O parlamentar lembrou que os
anteprojetos de lei aprovados na comissão ainda tramitarão normalmente
pelo Congresso, para a análise dos demais parlamentares, e podem
inclusive não ser aprovados. “Estamos hoje aprovando um relatório”,
disse.
O bloqueio de sites e aplicativos, mesmo da forma mais
branda sugerida por Sandro Alex, foi criticado pelo deputado Alessandro
Molon (Rede-RJ), relator do projeto de Lei que criou o Marco Civil –
espécie de Constituição da internet no Brasil.
“Estamos trocando
liberdade por ilusão de segurança”, comparou, ao defender que o bloqueio
de aplicativos e páginas não reduz os crimes online. “Como o Estado não
consegue enfrentar e prender, ele diz que está enfrentando com o
bloqueio”, disse, seguindo a mesma linha do Comitê Gestor da Internet no
Brasil (CGI). “Trata-se de uma medida desproporcional capaz de
comprometer a estabilidade, a segurança e a funcionalidade de toda a
internet”, diz nota do CGI.
Outro ponto de grande polêmica
mantido na versão definitiva do relatório foi a possibilidade de obrigar
servidores a retirarem do ar, sem ordem judicial, conteúdos idênticos
àqueles cuja eliminação já tenha sido determinada pela Justiça. O texto
acabou ficando um pouco mais brando. Antes, a proposta era que todo
conteúdo similar ao original fosse excluído, assim como reproduções
parciais dele.
“Mas o provedor vai ter de avaliar caso a caso,
dando margem para um grau de subjetividade muito grande. Por exemplo:
alguém manda retirar um vídeo do ar por causa de um determinado trecho.
Se o vídeo é republicado, sem aquela parte, o provedor pode mantê-lo?”,
questiona Mario Viola, diretor de projetos do Instituto Tecnologia e
Sociedade do Rio (ITS Rio). A entidade publicou diversas notas técnicas
sobre as ideias apresentadas na comissão, inclusive analisando o último
texto, apresentado em 30 de abril.
Dados monitorados
O
terceiro ponto mais polêmico durante as semanas de discussão do
relatório foi a possibilidade de obtenção, pela polícia e pelo
Ministério Público, sem ordem judicial, do número de IP de determinada
máquina – espécie de endereço. A matéria acabou excluída pelo relator,
Esperidião Amin (PP-SC). “O relatório deixou de propor um projeto de Lei
para autorizar a obtenção do IP – tirou isso da discussão depois de uma
pressão muito grande –, mas passou a apoiar o Projeto de Lei do Senado
730/2015, que é mais grave do que o que estava em proposição”, critica
Viola, do ITS Rio. A iniciativa já aprovada pelos senadores e também
criticada pela sociedade civil permite que a polícia e o MP tenham
acesso não só ao número de IP sem ordem judicial – na mesma linha do que
propunha a CPI –, mas também a todos os dados cadastrais dos usuários.
Outro
ponto cujos integrantes da CPI pretendem alterar é a Lei Carolina
Dieckmann (Lei 12.737 de 2012), de forma a ampliar as possibilidade de
punição a quem acessar dispositivos como computadores e celulares sem
permissão. Se o novo texto, que tramitará como projeto de lei, for
aprovado pela Câmara e pelo Senado, poderá ser punido não só quem invade
e dissemina dados de terceiros, mas também quem simplesmente os acessa
sem autorização – o que, segundo deputados críticos à proposta, é de uma
abrangência muito perigosa.
Sob pressão
“O resultado da
CPI demonstra que existe entre a maioria dos deputados uma concepção
punitivista e de vigilância da internet”, analisa Bia Barbosa, do
coletivo Intervozes e uma das mais assíduas representantes da sociedade
civil nos trabalhos do colegiado. Ela admite que houve algum avanço –
como a retirada de material “similar” do ar – após a divulgação da
primeira versão do relatório. “Alertamos para o texto e conseguimos
ampliar o debate para mais parcelas da população, o que vai ser
importante depois, durante a tramitação dos projetos de lei em si.”
Segundo ela, embora nada do que foi aprovado na CPI vire lei
automaticamente, as propostas têm prioridade regimental para tramitar
pela Casa com rapidez, o que pode reduzir o espaço para aprofundar os
debates.
Como já mostrou a Agência Pública, desde as versões
preliminares o relatório tem sido alvo de críticas da sociedade civil.
Um abaixo-assinado recolheu cerca de 90 mil assinaturas contra as
propostas contidas nos textos preliminares. Até o inventor da web, Tim
Berners-Lee, por meio de carta aberta aos congressistas brasileiros,
demonstrou preocupação com as propostas, que têm o potencial de
representar um “duro golpe contra a liberdade de expressão online”.
Por
meio de notas técnicas, especialistas chamaram a atenção para pontos
que deveriam ser evitados no texto, de forma a impedir violações em
grande escala e sistemáticas de garantias legais e constitucionais dos
internautas brasileiros, como conclui a análise conjunta produzida pelo
Instituto Beta para Democracia e Internet (Ibidem), pelo Intervozes e
pela ONG Coding Rights.
Além de propor a criação de projetos de
lei, a CPI também estabeleceu uma série de recomendações a órgãos
públicos para aprimorar o controle, a fiscalização e o financiamento do
combate a crimes online no Brasil. Uma das propostas inclui a educação
digital no currículo escolar e outra, mais polêmica, determina a
utilização de até 10% do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações
(Fistel) para o combate dos cibercrimes pelas polícias.
Fonte: Envolverde
quinta-feira, 5 de maio de 2016
17:14
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Postado por
Carol Strelau
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