Salles visita território indígena e defende uso de transgênicos na região
RAPHAEL KAPA
Primeira vez. Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles visitou território indígena no Mato Grosso dias depois de ser criticado por nunca ter ido à Amazônia; anúncio foi feito por meio de rede social, com sua imagem à frente dos anfitriões
Após provocar polêmica ao afirmar que jamais visitara a Amazônia e questionar a importância de Chico Mendes, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, posou com índios paresis numa aldeia em Campo Novo do Parecis (MT). A região, segundo o IBGE, integra a Amazônia Legal. Portanto, Salles foi à Amazônia.
Dias depois de ser criticado nas redes sociais por afirmar que nunca foi à Amazônia, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, publicou, no Twitter, uma foto sua de calça cáqui, camisa social e um cocar, ao lado de índios Paresi. As aldeias ficam no Mato Grosso, no município de Campo Novo do Paresis, que faz parte, segundo o IBGE, da Amazônia Legal e, de acordo com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), da denominada Amazônia Oriental.
O ministro, portanto, fez sua estreia na Amazônia. A visita levantou outro tema polêmico da agenda do governo Bolsonaro, que é a flexibilização de regras para a produção em terras indígenas.
Segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), a viagem do ministro já estava prevista antes de sua declaração no programa “Roda Viva”, da TV Cultura.
Durante a entrevista, Salles afirmou não se importar com as críticas por ter assumido a pasta sem conhecer a maior floresta tropical do mundo. O ministro também disse que saber quem é o seringueiro e ambientalista Chico Mendes, morto há 30 anos, é irrelevante, e que atuará para rever licenças e restrições feitas por sua pasta.
Procurado pelo GLOBO, ontem, o ministro não respondeu aos questionamentos sobre a viagem.
Anteontem, Salles participou de, pelo menos, dois compromissos na região: a festa da colheita do povo e o primeiro Encontro Nacional de Agricultores Indígenas. Neste, recebeu um documento, intitulado “Plano de Desenvolvimento Econômico e Reivindicações”, que trazia pedidos como facilitação no licenciamento ambiental com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para a comercialização de soja por parte de um grupo indígena da região.
— É preciso que os órgãos responsáveis se sentem com a comunidade indígena, que quer e também tem o direito de produção dentro de suas terras — afirmou o coordenador de atividade agrícola do encontro e indígena Arnaldo Zunizakae.
A discussão sobre o uso das terras indígenas é complexa. É permitido utilizálas para produção, mas existem limitações como parcerias com pessoas não pertencentes, comercialização e mesmo uso de transgênicos. Ministros do governo Bolsonaro já se colocaram a favor de flexibilizações nesses pontos, como o próprio Salles.
— Não tem sentido você ter na legislação uma proibição de transgênicos só porque é terra indígena. Também não é motivo para se insurgir subitamente contra essa atividade lavrando, portanto, multas em montantes que são insuportáveis para a atividade produtiva e que precisam ser revistas — avaliou o ministro, segundo a imprensa local.
REGIÃO MULTADA
O uso do transgênico, ainda que proibido, já é uma realidade na região. Em 2018, o Ibama multou, em R$ 2,7 milhões, produtores e associações indígenas que plantavam milho e soja transgênicos em quatro terras indígenas. O acordo teria sido feito com produtores rurais para o uso dessas terras, apesar do uso de transgênicos ser proibido pela lei 11.460. Uma das regiões multadas é a do povo Paresi, visitada por Salles.
— Não se pode pegar uma experiência e dizer que é a correta. O que ocorre com os Paresi é um modelo que traz uma série de malefícios e ilegalidades. Inclusive, eles já foram multados. Também não é ser purista e colocar o índio em uma redoma. Devem-se criar boas alternativas. A mecanização em terras indígenas, desde que seja vontade dos mesmos, não é o problema. Mas a influência de pessoas de fora, principalmente produtores rurais com interesses próprios, é — pondera a antropóloga Sonia Troncoso, da Universidade Federal de Rondônia.
A ministra Tereza Cristina, da Agricultura, participou dos mesmos eventos de Salles e defendeu a flexibilização de leis para a produção do campo com parcerias com pessoas não indígenas. Ela pediu um “novo olhar” sobre essa questão e disse que os Paresi já possuem acordos com o Ministério Público Federal (MPF) para regularização da produção.
O MPF, porém, desmentiu a ministra. Em nota, disse que veda atuações em que “pessoas da sociedade envolvente se aproveitem do território tradicional indígena para suas atividades econômicas disfarçadas de ilegais contratos de parceria ou arrendamento”:
“O MPF também salienta que a Funai não precisa de um ‘novo olhar’, pois adota o olhar daquilo que os próprios indígenas indicam ser o mais adequado e desejado pelas comunidades. A Funai, ao lado do MPF e da Secretaria Especial de Saúde Indígena, são os únicos braços do poder público que atualmente chegam dentro das terras indígenas e que têm dado ouvidos aos anseios dessas comunidades, para as quais, agora, o Ministério da Agricultura volta os olhos”.