Mas, enquanto se prepara
para receber cerca de 30 mil pessoas, entre cientistas, autoridades,
ativistas, empresários e pesquisadores de cerca de 70 países, o Distrito
Federal se depara com um dos maiores desa os de sua história: a ameaça
de faltar água para sua população, hoje próxima dos 3 milhões de
habitantes.
O brasileiro gasta mais água que a média mundial, segundo a
Organização Mundial de Saúde (OMS).
De acordo com a entidade, uma pessoa
precisa de cerca de 110 litros de água por dia para higiene pessoal e
consumo geral. Segundo levantamento do Ministério das Cidades, o DF é a
quinta unidade da federação em gasto médio de água por pessoa: um
morador do Distrito Federal consome 189,91 litros de água por dia, quase
o dobro da média recomendada pela OMS. O Rio de Janeiro encabeça a
lista com 253,08 litros/dia, seguido do Maranhão (230,80 litros/dia), do
Amapá (194,88 litros por dia) e do Espírito Santo (191,14 litros/dia).
Desigualdade no consumo
Dona do maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e do quarto
maior índice de desigualdade social do Brasil, Brasília também reflete
suas contradições no uso dos recursos hídricos. Segundo a Companhia de
Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), um morador do Lago Sul,
considerado o bairro mais nobre da capital, consome 384 litros/dia,
enquanto um morador da Itapoã, uma das cidades mais pobres do DF,
consome 96 litros/dia, abaixo do recomendado pela OMS.
“As diferenças são espantosas. Pesquisa que fiz com meus alunos
mostra que um morador do Plano Piloto chega a consumir 500 litros por
dia, enquanto um do Park Way [outro bairro nobre de Brasília] pode
consumir até 1.000 litros por pessoa por dia. A população precisa se
conscientizar disso”, alerta a geógrafa Mônica Veríssimo, representante
do Conselho de Meio Ambiente e do Conselho de Recurso Hídricos do DF e
integrante do Fórum das ONGs Ambientalistas.
“O deficit de água para
abastecimento em Brasília já existe, buscamos água fora do DF, em
Corumbá (GO). Não vamos tapar o sol com a peneira: existe um estado de
escassez e o período de estiagem está ficando longo por conta de
mudanças climáticas. Temos de levar isso para a sociedade”, acrescenta.
A Agência Nacional de Água (ANA) classifica o Distrito Federal como
uma região de “baixa garantia hídrica” e suas bacias como “trechos
críticos”. No DF, o consumo para abastecimento urbano representa a maior
parte da vazão de água captada (80%), seguido de irrigação (16,2%),
animal (2,0%) e rural (1,5%). Os números destoam da média nacional, na
qual 72% vão para o consumo do setor agrícola.
Mudança de cultura
Para evitar a repetição das graves consequências políticas da crise
da água em São Paulo – a maior da história do país –, o Governo do
Distrito Federal (GDF) decidiu se antecipar diante do risco de um
colapso hídrico. A Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal
(Caesb) lançou uma campanha de conscientização da população. A intenção
é mobilizar a população para o uso consciente da água. O Lago Sul, o
Lago Norte e o Park Way são as localidades com o maior gasto, por conta
da irrigação de áreas verdes.
Para a assessora de Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Caesb Raquel
Brostel, a população dessas áreas precisa repensar os seus próprios
sistemas. “Há outros tipos de solução como reuso da água e captação e
uso de água da chuva para a irrigação. É preciso uma mudança de cultura.
A crise vem para repensar como usar nosso recurso hídrico”, afirma.
Perdas do sistema com vazamentos e ligações clandestinas e fraudes
também ameaçam o abastecimento. De acordo com Raquel, o índice de perda
por vazamento na rede da Caesb chega a 35%. No Japão, por exemplo, o
índice é de 2%. Ainda assim, no ano passado, a Caesb apresentou o menor
índice de perda de água entre as companhias estaduais de saneamento do
país, segundo o Ministério das Cidades.
“Estamos com um financiamento
do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) para garantir o
controle dessas perdas, especialmente em regiões de invasão em São
Sebastião e Sol Nascente. Mas os resultados efetivos vão levar três
anos”, diz a assessora da Caesb.
Medidas emergenciais
A preocupação com uma crise de água ainda em 2016 levou a Agência
Reguladora das Águas do Distrito Federal (Adasa) a apresentar uma
resolução com medidas de ação em caso de falta d’água nos principais
reservatórios que abastecem a capital do país: o de Santa Maria, que
abastece 75% da população do Plano Piloto, e o do rio Descoberto, que
serve 65% dos moradores do Distrito Federal. A medida foi tomada devido
ao cenário climático que aponta para um período longo de estiagem este
ano.
De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a
tendência é que chova menos do que o esperado na região até dezembro.
Com a falta de chuva no ano passado, os reservatórios já começaram 2016
com menos água. “Se a chuva não estiver dentro do esperado até o final
de setembro, é possível que os moradores do DF sofram restrições no uso
da água”, afirma o superintendente de Recursos Hídrico da Adasa,
Rafael Mello. “É uma resolução que esperamos não adotar este ano. Mas
não podemos deixar acontecer o que aconteceu em São Paulo, em que a
população foi pega de surpresa”, complementa.
Diante da reclamação de gestores da área de que não foram ouvidos na
elaboração da primeira minuta da resolução, o Ministério Público do DF
recomendou formalmente que o texto fosse revisto e os procedimentos de
consulta pública, readequados. Para o MPDFT, o critério adotado pela
Adasa para estabelecer alertas de escassez – o volume de água útil dos
reservatórios – é insuficiente.
“Levar em consideração apenas se o nível da água está abaixo ou acima
é bastante restrito. Outros critérios são importantes”, defende a
promotora Marta Eliana. O Ministério Público recomenda que o governo
implante postos de monitoramento da vazão dos rios, bem como campanhas
educativas para a população, e melhore as estruturas hidráulicas
existentes, para reduzir vazamentos de água.
“Monitorar a vazão dos rios
que enchem os reservatórios é fundamental. E, além das campanhas
educativas, podemos também lançar mão de outras medidas como captação de
água da chuva, uso de água cinza para irrigação e lavagem de quintais e
calçadas”, sugere Eliana.
Crise anunciada
Em 1892, quando a Missão Cruls passou pelo Planalto Central fazendo
suas investigações exploratórias para a mudança da capital do Rio para o
centro do país, cientistas e técnicos identificaram uma vazão de 9 mil
litros por segundo na bacia do Pipiripau, ribeirão que abastece as
atuais cidades de Planaltina (DF) e Sobradinho (DF). Passados 124 anos, a
vazão desse mesmo rio está em 900 litros por segundo: uma perda de 90%.
A medição é uma prática fundamental para avaliar a quantidade de água
disponível tanto para abastecimento humano, quanto para atividades de
irrigação.
A região do Pipiripau já teve racionamento de água decretado
em períodos de seca.
“Dizer que a crise vai chegar em 2018, calma lá! O Pipiripau já está
em crise e talvez outras bacias também estejam. Estamos num limite de
oferta e demanda”, afirma o pesquisador do Centro de Desenvolvimento
Sustentável da UnB (CDS) Osmar Coelho. Em sua dissertação,
Céu de Pipiripau: da tragédia dos comuns à sustentabilidade hídrica,
Coelho questiona a lógica por trás da gestão pública da água no país.
“Hoje se planeja o desenvolvimento e depois se buscam os recursos
ambientais e as mitigações. Constrói-se o planejamento em cima da
demanda, e não da oferta. Precisamos de novos instrumentos de gestão e
planejamento”, defende.
Ação humana
A ocupação desordenada é apontada como uma das principais causas da
escassez de água no DF. Construções em áreas de nascentes, veredas, além
da retirada indiscriminada de vegetação nativa, assim como a
impermeabilização do solo com adensamento demográfico, são fatores que
comprometem a recarga dos lençóis freáticos.
Uma das maiores preocupações de especialistas é com a região
conhecida como Serrinha do Paranoá, área de alta sensibilidade ambiental
responsável por cerca de 40% da água limpa do Lago Paranoá. O GDF prevê
a expansão urbana na região, com o adensamento do condomínio Taquari e a
construção de novos condôminos.
“É uma região de recarga de aquíferos. Ao construir um bairro de alta
densidade, a região passa a ficar impermeabilizada, o que vai
dificultar a infiltração da água no solo e aumentar riscos de erosão”,
afirma José Roberto Furquim, presidente do Conselho Regional de
Desenvolvimento Rural Sustentável do DF e morador da região. “A
renovação da água do Lago Paranoá vai ficar comprometida e aumentará o
custo de tratamento”, acrescenta. O governo pretende utilizar o Paranoá
como uma das fontes de abastecimento de água potável no DF.
Oportunidade de mudança
Um dos critérios para a escolha de Brasília como a cidade-sede do
Fórum Mundial da Água foi o reconhecimento de esforços do Brasil na
administração dos recursos hídricos. Para especialistas, o encontro será
uma grande oportunidade para dar um salto de qualidade na gestão da
água. Mas é preciso considerar a realidade que o país está vivendo. “É
uma oportunidade de intensificar o debate com a sociedade, discutindo
temas como a despoluição de rios e lagos e bons programas como o
Cultivando Água Boa. Mas o governo tem de ter humildade. Os
especialistas não virão para uma região confortável com os recursos
hídricos. Não somos exemplo”, afirma Osmar Coelho.
O Fórum Mundial da Água é o maior evento global a tratar sobre a
temática dos recursos hídricos. Brasília derrotou Copenhague na disputa
para sediar o encontro com o tema “Compartilhando Água”. Esta será a
primeira vez que um país no Hemisfério Sul sediará o evento, promovido
pelo Conselho Mundial da Água (WWC, sigla em inglês).
O fórum, que chega
à sua oitava edição, é realizado a cada três anos. Pela relevância, o
evento se tornou um marco no processo decisório sobre a água em nível
global, com abrangência política, técnica e institucional. Na pauta do
próximo encontro, estão a Agenda para o Desenvolvimento Sustentável 2030
e o Relatório Global de Riscos.
Comentário:
Pedem para a população economizar agua enquanto o governo continua desmatando nossas florestas, incentivando grileiros e invasores (vide as ocupações de Mestre D´Armas) pois sempre acaba regularizando as areas invadidas mesmo que sejam APPs.
A esse respeito leiam a matéria abaixo e constatem o quanto o GDF é irresponsável!
http://associacaoparkwayresidencial.blogspot.com.ar/2016/08/inframerica-e-e-gdf-pretendem-destruir.html