"Fazendo o diabo" nas
eleições, Dilma prometeu o paraíso, mas entregou ao país o inferno
político, econômico e moral. Artigo de José Nêumanne no Estadão:
Em
plena campanha, a candidata à reeleição Dilma Rousseff afirmou, sem
medo de ser contrariada, que seria capaz de "fazer o diabo" para ganhar
eleições. Foi uma das poucas verdades que disse ao longo de todo o
pleito - talvez a única. Prometeu o paraíso nos trópicos e está
entregando uma conjunção infernal de crises: política, econômica e,
sobretudo, moral.
Mas nenhuma das mentiras que ela contou em palanques e debates na TV é
comparável à sua reação aos protestos do domingo 16 de agosto dos
revoltados com a corrupção e com seu padim Lula, indignados com seu
partido de adoção, o PT, e insatisfeitos com a má gestão de seu
desgoverno.
Em vez de dar alguma satisfação aos manifestantes, mandou
uma trinca de porta-vozes falar por ela.
Foram eles seu porta-voz,
Edinho Silva, acusado na Operação Lava Jato de ter recebido dinheiro
sujo para a campanha dela, da qual ele era tesoureiro; e os líderes de
seu desgoverno na Câmara, José Guimarães (PT-CE), chamado pelo
ex-presidente de Lula de "aloprado" após um assessor ter sido preso no
aeroporto com dólares na cueca e irmão de José Genoino, ex-presidente de
seu partido e condenado por corrupção pelo Supremo Tribunal Federal; e
no Senado, José Pimentel (PT-CE), que ninguém sabe de onde vem nem para
onde vai.
O tal trio classificou como manifestações de "intolerância" os
protestos pacíficos, dos quais não participaram os anarquistas black
blocs de junho de 2013 e em que não se registrou, por isso mesmo, nenhum
ato de vandalismo.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, cobrou da
presidente o "gesto de grandeza" da renúncia. O apelo serviu de senha
para conter o oportunismo em duas mãos da oposição, dividida entre o
golpismo do senador Aécio Neves (PSDB-MG), tentando antecipar a eleição
presidencial, e a esperteza de Geraldo Alckmin (PSDB-SP), que prefere
deixar o desgoverno dela desabar sobre nossas cabeças descobertas até
2018. "Vamos deixá-la sangrar", disse o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP).
Mas não provocou nenhuma reação da chefona do governo. Como esperar
um "gesto de grandeza" de uma presidente incapaz sequer de reconhecer os
próprios erros? Ou de corrigir, de forma satisfatória, a trajetória
errática da condução de sua política econômica? Ela deu uma guinada para
a direita nomeando Joaquim Levy ministro da Fazenda.
E logo em seguida
convocou o fantasma da origem da catástrofe, que ela encomendou a Guido
Mantega no primeiro mandato, ao distribuir benesses à indústria
automobilística, cujos operários têm retribuído o patrocínio do próprio
desemprego com índices espetaculares de rejeição, que foi de 84% no ABC
na pesquisa do Datafolha com índice nacional de 71%.
Posterior à pesquisa, o desemprego do mês passado foi o pior de todos
os meses de julho nos anos anteriores. Com a perspectiva de chegar o
fim do ano com 1 milhão de brasileiros sem emprego, a tendência é seus
índices de popularidade desabarem, aumentando em proporção similar a
intolerância da cidadania à corrupção, sobre a qual Dilma e seus
asseclas calam. Mas os fatos se sucedem de forma espantosa: as notícias
de que a Camargo Corrêa devolverá R$ 700 milhões às estatais tungadas e
de a UTC ter vencido licitação na BR com um preço 795% maior que o dos
concorrentes não levaram Dilma a reconhecer o óbvio.
E agora, ao confessar que não percebeu a dimensão da crise na
campanha, insinuando que sofremos aqui o efeito do desabamento chinês, a
presidente já merece receber - juntos - os Prêmios Nobel da Economia,
por importar uma crise um ano antes de ser produzida; da Física, por ter
antecipado o efeito à causa; e da Literatura.
Pois superou Jonas,
considerado pelo Prêmio Nobel Gabriel García Márquez o inventor da
ficção porque contou à mulher que fora engolido e expelido por uma
baleia. Comparado com Dilma, o profeta bíblico é um repórter sem
imaginação.
Na campanha, o marqueteiro João Santana produziu um vídeo em que mãos
peludas de banqueiros furtavam a comida da mesa do trabalhador,
referindo-se a Neca Setúbal, assessora da adversária Marina Silva. Um
ano depois, tornada a terra prometida o deserto de desesperança geral,
Roberto, irmão de Neca e presidente do Itaú-Unibanco, disse à Folha de
S.Paulo que a saída da reeleita do poder provocaria "instabilidade".
Com
lucro líquido de R$ 20,242 bilhões no ano passado, 29% acima do
resultado de R$ 15,696 bilhões de 2013, talvez ele tema que a
"instabilidade" que infelicita centenas de milhares de trabalhadores sem
holerite, este ano, vá bater às portas do seu banco.
Dilma, que se jacta de ter resistido à tortura na ditadura, adotou na
tal campanha o codinome de Coração Valente. Recentemente, ao lado de
Barack Obama, na Casa Branca, disse desprezar delatores, referindo-se a
colaboradores da Justiça na Operação Lava Jato, o único empreendimento
público do Estado brasileiro a merecer respeito da cidadania.
E a guerrilheiros que, torturados, deram informações a torturadores
que os levaram a companheiros de armas. No entanto, não contestou o
coronel Maurício Lopes Lima, que ela havia acusado de ter quebrado seus
dentes, no DOI-Codi da Rua Tutoia. Lima negou e até fez blague, dizendo
em entrevista ao Portal IG, citada pelo jornalista Luiz Cláudio Cunha no
jornal Já, de Porto Alegre: "Se eu soubesse naquela época que ela seria
presidente, eu teria pedido: 'Anota meu nome aí. Eu sou bonzinho'". A
frei Tito o tal oficial apresentou o DOI-Codi como "a sucursal do
inferno".
Dilma também não contestou o relatório apresentado pelo Exército à
Comissão da Verdade, que ela constituiu, assegurando que nada aconteceu
de irregular em suas dependências. A ditadura acabou, mas as vítimas das
pedaladas e outras artimanhas de seu desgoverno nesta Pátria do
Pixuleco vivem um inferno em cuja porta, ao contrário do de Dante
Alighieri, não têm mais esperança nenhuma a deixar.