sábado, 26 de outubro de 2013
06:00 am- Blog da Conceição
crônica da cidade
Viva os xiitas
Xiita tem sido o adjetivo mais facilmente utilizado para desqualificar os mais aguerridos defensores da área tombada de Brasília. Em tempos de suposta discussão do PPCUB, o suposto Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília, vale tentar entender o que defendem os supostos xiitas.
Os xiitas de Brasília não querem, por exemplo: a 901 Norte: a 500 do Sudoeste: a privatização de áreas públicas nas Unidades de Vizinhança, o fechamento dos pilotis: a alteração das fachadas dos blocos antigos das superquadras: o loteamento do canteiro central do lado oeste do Eixo Monumental para usos pouco esclarecidos: o retalhamento dos lotes da orla do Lago, com aumento de gabarito e alteração de uso.
Os xiitas, dizem os não-xiitas, querem o engessamento da cidade, querem que o Plano Piloto seja um retrato na parede do tempo. Os xiitas são uma barragem necessária, imprescíndivel para tentar conter a voracidade da especulação imobiliária e dos interesses políticos a elas adjacentes.
Fossem outros os legisladores, outros os executivos, talvez os xiitas fossem um empecilho para o aprimoramento da cidade. Mas não se pode brincar com essa gente que tem nas mãos o poder de propor, aprovar e sancionar as leis e de executá-las. Os xiitas são as barricadas que podem verdadeiramente impor a preservação dos fundamentos do patrimônio moderno da humanidade.
Sabemos todos que o Plano Piloto ainda carece de ser urbanizado, que alguns de seus vazios, como o Setor de Diversões Norte, precisam ser ocupados, que há muitas intervenções urbanas que resultariam na efetiva aplicação do desejo de Lucio Costa, mas não serão os devoradores de urbanidade que vão graciosamente aprimorar as qualidades urbanas de Brasília e reduzir os danos causados por suas falhas de origem.
Mesmo entre arquitetos e urbanistas há graves divergências quanto ao melhor modo de interferir na capital. Há os que consideram os vazios maléficos para a urbanidade, há os que vêem na setorização um mal maior, há os que reconhecem no Plano Piloto apenas um centro simbólico da cidade e entendam que há questões candentes a serem resolvidas em todo o DF — o deplorável transporte coletivo é a principal delas.
Do ponto de vista do urbanismo contemporâneo, que pensa as cidades menos como projeção de utopias inexequíveis e mais como territórios de contradições e confluências que precisam ser viabilizados de modo funcional e ao mesmo tempo aprazível, desse ponto de vista, a vigilância feroz que os xiitas destinam ao Plano Piloto seria anacrônica.
Entre o preto e o branco, há muitos tons de cinza. Abdicar da firmeza com que se terá de enfrentar a atual proposta do PPCUB, por exemplo, é jogar o jogo dos que tratam Brasília como a galinha moderna dos ovos de ouro. Se, em todo o mundo, a especulação imobiliária foi uma das maiores responsáveis pela degeneração das cidades, aqui esse fenômeno causa danos muito mais devastadores. Pois que o Plano Piloto não é tão-somente um projeto moderno, é uma joia da invenção humana/urbana. É por isso que eu digo: viva os xiitas.