quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Pesquisadores defendem proteção integral de áreas úmidas do Cerrado, atualmente exploradas por grandes produtores rurais

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Pesquisadores defendem proteção integral 

de áreas úmidas do Cerrado, atualmente exploradas por grandes produtores rurais

Pesquisadores defendem proteção integral de áreas úmidas do Cerrado, atualmente exploradas por grandes produtores rurais

*Por José Tadeu Arantes

Cerrado é o mais ameaçado dos grandes biomas do território brasileiro. E uma parte especialmente vulnerável dele são suas áreas úmidas, que garantem a existência de rios perenes e abastecem nada menos do que oito bacias hidrográficas. O Xingu, o Tocantins, o Araguaia, o São Francisco, o Parnaíba, o Jequitinhonha, o Paraná e o Paraguai, entre outros rios importantes, nascem no Cerrado. A destruição de áreas úmidas não ameaça apenas a biodiversidade e a extraordinária beleza das paisagens cerratenses. Põe em risco ainda a segurança hídrica e energética do país.

Além disso, as áreas úmidas são também um extraordinário repositório de carbono (CO2), estocando mais de 200 toneladas por hectare. E alterações em seu equilíbrio cíclico tendem a liberar metano (CH4) para a atmosfera, um dos principais gases de efeito estufa (GEE).

O problema é que a própria definição de áreas úmidas é confusa. E essa confusão tem sido explorada por grandes produtores rurais que, não contentes em converter descontroladamente áreas secas do Cerrado em terras agriculturáveis, cogitam também drenar as áreas úmidas, para estender as lavouras de soja até o fundo das veredas. Se não fosse por outros motivos, até mesmo do ponto de vista estrito do interesse econômico isso equivaleria a erguer uma pedra para deixá-la cair sobre os próprios pés, pois a possibilidade de irrigação depende da sobrevivência dos mananciais.

Para dirimir a confusão e fornecer aos tomadores de decisão sólidos critérios científicos, um grupo de pesquisadores acaba de produzir um artigo contemplando os múltiplos ecossistemas englobados pelo conceito de áreas úmidas. Trata-se de Cerrado wetlands: multiple ecosystems deserving legal protection as a unique and irreplaceable treasure, publicado no periódico Perspectives in Ecology and Conservation.

“A falta de definições precisas tem embaralhado a regulamentação, deixando importantes segmentos do Cerrado desprotegidos. Nosso objetivo foi esclarecer o que são áreas úmidas; que ecossistemas podem ser abarcados por esse nome; que dinâmicas eles apresentam; e o que devemos fazer para protegê-los”, diz à Agência FAPESP a pesquisadora Giselda Durigan, primeira autora do artigo.

Durigan é pesquisadora do Instituto de Pesquisas Ambientais do Estado de São Paulo (IPA) e professora nos programas de pós-graduação da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Estuda o Cerrado há mais de 35 anos.

“Um exemplo do grave risco que a falta de definições precisas e as ambiguidades na interpretação da lei podem acarretar foi a Resolução número 45, de 31 de agosto de 2022, aprovada pelo Conselho do Meio Ambiente de Mato Grosso (Consema). Desrespeitando decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), essa norma regulamentou o ‘licenciamento ambiental de atividades e empreendimentos localizados em áreas úmidas’ no âmbito estadual. Por trás dos eufemismos do texto, a resolução, de fato, libera a destruição”, denuncia Durigan.

A pesquisadora define: “Áreas úmidas são porções de terras continentais que estão sujeitas, periódica ou permanentemente, a encharcamento do solo ou inundação. Dada a sua fragilidade e extrema importância para o armazenamento e a filtragem da água, são globalmente protegidas, desde a convenção intergovernamental realizada em Ramsar, no Irã, em 1971. O Brasil é signatário da convenção de Ramsar desde 1996, mas até hoje não atendeu ao compromisso de mapear todas as suas áreas úmidas”.

No país, há exemplos de áreas úmidas em faixas costeiras, onde os pulsos de inundação resultam da oscilação das marés, de modo que a água se apresenta salgada ou salobra. E também longe da costa, compondo dois grandes tipos, hidrologicamente distintos: terras que são periodicamente alagadas pelo transbordamento dos leitos dos rios (várzeas e pantanais) e terras que ficam encharcadas ou até alagadas pela elevação periódica do lençol freático.

“As áreas úmidas do Cerrado geralmente se enquadram no último tipo. As chuvas abundantes, que caem nos meses de verão, infiltram-se lenta e profundamente no solo, recarregando o lençol freático e acumulando-se nas áreas úmidas, de onde brotam os pequenos riachos que nunca secam e alimentam os grandes rios do Brasil, mesmo nos períodos de estiagem. Diferentemente, aliás, das outras grandes savanas do mundo, cujos grandes rios secam de todo durante boa parte do ano”, informa Durigan.

Proteção integral às areas úmidas do Cerrado

Segundo a pesquisadora, a confusão que embaralha a regulamentação deve-se ao fato de que, dentro das áreas úmidas do Cerrado, existem diversos tipos de vegetação, que resultam em múltiplas denominações regionais. São campos úmidos, campos de murundus, turfeiras, veredas, palmeirais, buritizais, matas de galeria, matas de brejo e por aí vai. Às vezes, em uma única área úmida, existem dois ou mais tipos de vegetação, desde campos limpos até florestas densas, o que tem dificultado seu entendimento, delimitação e proteção.

“A lei, às vezes, refere-se a apenas um dos tipos, como é o caso das veredas na Lei de Proteção da Vegetação Nativa (12.651), de 2012, deixando os demais tipos desprotegidos. Outras vezes, a lei protege apenas uma parte da área úmida, deixando trechos inteiros sem cobertura legal”, ressalta Durigan.

Ela conta que o artigo em pauta resultou de um esforço multidisciplinar, envolvendo especialistas em vegetação, hidrologia, ecofisiologia, conservação, restauração e legislação ambiental, que utilizaram seus conhecimentos e experiências práticas para unificar e disseminar sua compreensão sobre o assunto. O grupo teve apoio da FAPESP por meio de três projetos (19/07773-120/09257-8 e 20/01378-0).

“Para nós, todas as áreas úmidas devem ser igualmente e integralmente protegidas por lei, garantindo-se que não sejam convertidas para cultivo e que seus pulsos naturais de encharcamento ou inundação não sejam afetados pelo uso da terra ao redor. Práticas de exploração sustentável, como a apicultura e o extrativismo, por exemplo, podem ser admitidas, mas precisam ser validadas e regulamentadas”, enfatiza Durigan.

E sua ênfase se justifica, pois as ameaças às áreas úmidas são muitas no Cerrado, destacando-se barramento dos córregos, drenagem das terras brejosas, expansão de áreas urbanizadas, obras de infraestrutura, extração descontrolada de água de poços para irrigação e plantação de árvores, principalmente de eucalipto, em bacias hidrográficas inteiras, onde a vegetação original não era floresta.

“Todas essas atividades são altamente impactantes. Reduzem o nível do lençol freático ou podem até mesmo exauri-lo localmente, pondo em risco a segurança hídrica e os serviços ecossistêmicos do Cerrado. É algo que precisa ser urgentemente impedido por meio de legislação competente e da aplicação efetiva da lei”, afirma a pesquisadora.

Durigan comenta que a Lei de Proteção à Vegetação Nativa trata de maneira bastante confusa as áreas úmidas, deixando uma parte delas como Áreas de Preservação Permanente (APP) e outra parte como Áreas de Uso Restrito (AUR). Mas que alguns tipos de áreas úmidas do Cerrado não se encaixam nas definições dos tipos mencionados, o que tem gerado imprecisão na aplicação da lei, com conflitos jurídicos, sociais e políticos.

“Buscando pacificar a situação, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, dada a sua inquestionável importância ambiental, todas as áreas úmidas devem ser entendidas como protegidas, sejam como APPs, sejam como AURs, independentemente da nomenclatura. Foi essa decisão que a resolução do Consema do Estado de Mato Grosso desrespeitou”, sublinha a pesquisadora.

A boa notícia é que existe, no momento, um grande grupo de técnicos e cientistas, representativos de diferentes regiões do Brasil, empenhados em realizar o Inventário Nacional de Áreas Úmidas, sob a liderança dos especialistas Wolfgang Junk, do INCT Áreas Úmidas (Inau), para dar suporte ao Ministério do Meio Ambiente. O trabalho conta com a participação de Cátia Nunes da Cunha, professora da UFMT.

“A Plataforma MapBiomas incluiu recentemente a legenda ‘Áreas Úmidas’ em seus mapas, o que se constitui em grande avanço. Porém, demarcar as áreas úmidas em campo, na escala de uma propriedade rural, não é uma tarefa fácil e isso atrapalha a aplicação das leis. Nosso artigo propõe critérios objetivos, baseados no solo hidromórfico, na flora endêmica e na elevação máxima do lençol freático para facilitar a delimitação de áreas úmidas em escala local”, conclui Durigan.

O artigo Cerrado wetlands: multiple ecosystems deserving legal protection as a unique and irreplaceable treasure pode ser acessado neste link.

*Texto publicado originalmente em 06/12/22 no site da Agência Fapesp da Notícias

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Foto de abertura: Rafael Oliveira/chuveirinho (Paepalanthus urbanianus) em campo úmido, Chapada dos Veadeiros, Goiás

Inglaterra deve proibir produtos descartáveis plásticos como copos, pratos e talheres

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Inglaterra deve proibir produtos descartáveis plásticos como copos, pratos e talheres

Inglaterra deve proibir produtos descartáveis plásticos como copos, pratos e talheres

Um inglês utiliza, em média, por ano, quase 20 pratos de plástico e 40 talheres desse mesmo material. Obviamente, que após o uso, tudo vai para o lixo. Parece pouco, mas quando pensamos que a população da Inglaterra passa de 56 milhões de pessoas, o número de produtos descartados se torna gigantesco. E como grande parte desses resíduos acaba não tendo a destinação correta, ou seja, a reciclagem, muitos vão parar no meio ambiente. Com isso, aproximadamente 1 milhão de aves e 100 mil criaturas marinhas morrem, anualmente, vítimas desses dejetos plásticos.

Em novembro do ano passado, o governo inglês abriu uma consulta pública para saber se a população concordava em banir o uso e a comercialização de produtos plásticos de uso único no país.

“O Governo está empenhado em deixar o nosso ambiente num estado melhor do que o encontramos e em protegê-lo para as gerações futuras. O Plano Ambiental de 25 anos, publicado em janeiro de 2018, descreve as etapas que tomaremos para alcançar isso, incluindo a eliminação de resíduos plásticos evitáveis até 2042”, diz o texto da consulta, encerrada em fevereiro de 2022.

E segundo antecipou uma reportagem do jornal Financial Times, em breve a ministra do Meio Ambiente da Inglaterra, Thérèse Coffey, deve anunciar o seu resultado, que será a proibição dos produtos descartáveis plásticos e a substituição dos mesmos por alternativas biodegradáveis.

Desde 2020, cotonetes, canudos e misturadores de bebidas feitos com plástico já eram proibidos no país, assim como a distribuição de sacolas feitas com essa material em supermercados e outros estabelecimentos comerciais (leia mais aqui).

Todavia, há uma pressão para que a Inglaterra, apesar de não fazer mais parte da Comunidade Europeia, se alinhe com as demais nações do bloco, que baniram completamente os descartáveis plásticos em 2021.

De acordo com um estudo do projeto Beyond Plastics, do Bennington College, dos Estados Unidos, em 2030, a indústria de plásticos americana liberará mais emissões de gases de efeito estufa do que a de carvão.

Ao analisar os estágios de produção, uso e descarte de plásticos naquele país, o levantamento revela que os fabricantes de plástico emitem pelo menos 232 milhões de toneladas de gases de efeito estufa por ano, o equivalente a 116 usinas termoelétricas a carvão de porte médio. Só no ano passado, as emissões do setor plástico aumentaram em 10 milhões de toneladas em relação a 2019.

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Foto de abertura: Volodymyr Hryshchenko on Unsplash